Uma consultoria para debater estratégias para elaboração e gestão de políticas de diversidade. Esta é a proposta de Ricardo Sales e João Torres com a Mais Diversidade, especializada em oferecer treinamentos e workshops sobre grupos minorizados e pluralidade a empresas e organizações.

Ricardo acredita que sua própria trajetória e experiência enquanto homem gay o motivou a abrir a consultoria. “Sempre me perguntei sobre o porquê que a orientação sexual ou a identidade de gênero de alguém é colocada como um obstáculo para o acesso e progresso dessa pessoa dentro de uma empresa”, explica Sales, de 35 anos e sócio-fundador da Mais Diversidade. Formado em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), ele hoje é consultor, pesquisador e professor. João Torres, também sócio-fundador da consultoria, é advogado e internacionalista formado pela Universidade Estadual Paulista e atua como consultor de diversidade e inclusão. A dupla é vencedora do prêmio de Excelência do Out&Equal Workplace Advocates, como pessoas mais influentes do país sobre Diversidade e Inclusão nas organizações.

Com relação ao número de pessoas que já foram impactadas pelo trabalho da consultoria, Sales afirma que só em 2018 foram feitas mais de 200 palestras em organizações e eventos pelo Brasil todo, estimando-se alguns milhares de impactados no período. A Mais Diversidade trata, portanto, de entregar à sociedade algum retorno de parte das organizações, ou seja, as empresas criarem um negócio que tenha um impacto social. “Atuamos junto às organizações para que elas desenvolvam essas práticas para tornar o seu ambiente de trabalho mais inclusivo. Então, isso vai envolver atração de grupos que eu não chamo de minorias, prefiro chamar de grupos minorizados, porque eles sofrem, na verdade, uma ação de minorativa que os levam a ter menos poder e participação na sociedade”, pontua o consultor.

Dessa forma, o trabalho é feito em constante diálogo com movimentos sociais e próximo também aos ativismos e seus diálogos dentro das empresas. Conheça mais sobre o trabalho desenvolvido pela Mais Diversidade no pingue-pongue a seguir.

As empresas no Brasil, hoje, têm ocupado um espaço/um vácuo que foi deixado pelo poder público. Se os governos não participam dessas discussões, as empresas, por sua vez, têm participado.

Ricardo Sales

AUPA | O tema inclusão é usado nos discursos de muitas empresas, porém nem sempre isso acontece na prática. Ver negros, LGBTs e mulheres em cargos de chefia é ainda mais difícil. Como quebrar essa barreira?

RICARDO SALES | Para este ponto, é preciso fazer algumas quebras. Há uma porcentagem muito baixa de pessoas negras em cargos de liderança. Para analisarmos LGBTs, vou fazer uma outra quebra: se eu olho para LGBTs, eles estão também em cargos de liderança, mas não necessariamente se assumem no ambiente de trabalho. Nem sempre falam sobre a sua orientação sexual e, mesmo quando falam, são muito comuns as situações de preconceito e todo tipo de violência nas organizações. E se fizermos o recorte pensando nas pessoas trans, aí, de fato, temos uma exclusão muitíssimo grande, pois, muitas vezes é barrado o acesso de transexuais às empresas – ainda que tenham a escolaridade necessária e exigida pelas organizações.

AUPA | A população transexual acaba sendo a que mais sofre violência, portanto.

RICARDO SALES | Sem dúvida. Os dados da ANTRA [Associação Nacional de Travestis e Transexuais] dão conta de que, hoje, 90% das pessoas trans estão na prostituição. Ressalto que, de minha parte, não se trata, de maneira nenhuma, de criminalizar a prostituição: o ideal seria que ela fosse uma alternativa ou uma opção, uma escolha e, hoje, não é. Eu faço sempre uma provocação em algumas empresas, sobretudo em palestras, que é a de perguntar: “Por que não tem nenhuma pessoa trans trabalhando aqui?”. E adoro quando me respondem assim: “Ah, mas é porque elas não têm a qualificação que a gente precisa”. E eu falo: “Jura? Então, eu mando os currículos que eu tenho e eu tenho seguramente mais de 40 currículos de pessoas trans, várias com Ensino Superior, algumas com Mestrado e Doutorado – todas desempregadas”. Fazer essa provocação é para que as empresas possam entender que elas não têm pessoas trans ali, não por falta de escolaridade, mas porque elas não têm um ambiente inclusivo. Então, enxergando o problema certo, é que justamente o fato de que elas não têm um ambiente inclusivo, aí podemos trabalhar propriamente para mudar esse cenário das organizações.

AUPA | Quando procuramos negócios sociais e iniciativas relacionadas a comunidade LGBT encontramos muitos mais negócios relacionados, ainda, ao acolhimento do que à busca por aceleração, orientação e financiamento…

RICARDO SALES | Isso tem a ver com o cenário do nosso próprio país. É necessário o acolhimento, porque, hoje, muitas pessoas LGBTs, sobretudo trans, que são até expulsas de casa, no momento em que sua orientação sexual e sua identidade de gênero vêm à tona. Então, acho que é muito disso. São iniciativas, a meu ver, todas válidas. A Casa 1 é extremamente necessária – precisaríamos muito mais de exemplos assim pelo país a fora, pois, infelizmente, há muita demanda. No entanto, realmente, é muito interessante a possibilidade de fomentar o desenvolvimento de projetos voltados à população LGBT, como geração de renda, empreendedorismo, como outros grupos já o fazem, por exemplo, o de mulheres e o de pessoas negras. A parceria que o Mais Diversidade e o Itaú fizeram [com o edital de incentivos a projetos voltados à valorização de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais] foi uma das experiências profissionais mais incríveis que já tive. Nós tivemos um número imenso de inscrições, dez pessoas foram pré-selecionadas, vieram à São Paulo para participar de uma banca e, nela, pude testemunhar o poder de transformação que comunidade LGBT tem. Pude ver a capacidade dessas pessoas que, muitas vezes, precisam de incentivo, apoio ou suporte, que é financeiro, mas, também, no sentido de orientação – e isso vale para a carreira e para os negócios dessas pessoas. Então, sem prejuízo ao acolhimento, sem de maneira nenhuma tirar o mérito das ações de acolhimento, tomara que a gente possa avançar para outras, como a geração de renda e o empreendedorismo.

Fazer essa provocação é para que as empresas possam entender que elas não têm pessoas trans ali, não por falta de escolaridade, mas porque elas não têm um ambiente inclusivo.

Ricardo Sales

AUPA | Ao mesmo tempo em que há uma violência assustadora, como a homofobia e a transfobia, a cidade de São Paulo abriga a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, que justamente é o momento de ocupação do espaço e de diálogo sobre a diversidade e da dignidade das pessoas desta comunidade. Como você vê esse paradoxo, que lida com uma violência cotidiana e um fluxo de dinheiro enorme com a Parada?

RICARDO SALES | Isso fala da nossa própria sociedade, mais uma vez: o Brasil é uma sociedade feita de muitos paradoxos. Nós somos uma sociedade conservadora e ela sempre foi conservadora, mas que no Carnaval a vemos com aquela ousadia toda. Nós somos uma sociedade que tolera, por exemplo – e eu não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre isso –, no Carnaval, a exposição do corpo, mas se uma mulher faz topless numa praia brasileira, em questões de minutos, alguém liga para a polícia, a polícia vai lá e manda ela se vestir. Então, acho que esse é mais um dos paradoxos da nossa sociedade, de ter a maior Parada LGBT do mundo ao mesmo tempo em que é um dos países que mais assassina essa população em crimes de ódio. A Parada é um espaço incrível de visibilidade, sobretudo, de articulação política. Ela existe há 22 anos no Brasil e eu realmente espero que ela possa crescer ainda mais nesse ano e nos próximos, porque será ainda mais necessária a articulação da comunidade. Mas aí ressalto duas coisas: (1) não é a articulação da comunidade isolada, acho que a comunidade pode, cada vez mais, se valer da articulação com aliados, ou seja, aquelas pessoas que não são LGBTs, mas que entendem que essa é uma questão urgente de Direitos Humanos e podem estar ao nosso lado – não à nossa frente, é ao nosso lado na luta; (2) em outra ponta, acho que abriu espaço para a participação da iniciativa privada. As empresas no Brasil, hoje, têm ocupado um espaço/um vácuo que foi deixado pelo poder público. Se os governos não participam dessas discussões, as empresas, por sua vez, têm participado. O que vimos de crescimento da pauta [LGBT] nos últimos cinco anos é impressionante, pois nunca se falou tanto em diversidade no meio empresarial brasileiro. Nós, da Mais Diversidade, no dia a dia, sentamos para falar sobre esses temas e planejar iniciativas de inclusão com presidentes das maiores empresas do Brasil. E isso é muito significativo e inédito.

Deixe um comentário

Digite seu comentário
Digite seu nome