Inovar, é claro. Mas vamos com calma

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A 4you2 busca democratizar e inovar o ensino de inglês. Para inovar, porém, é preciso se certificar de que o público consegue acompanhar suas novidades.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Tem que testar pequeno para depois fazer a rolagem.” Simples assim. Gustavo Fuga aprendeu de modo até um pouco pitoresco qual é, às vezes, o limite do ímpeto disruptivo que o levou a criar a 4you2. A escola de idiomas nasceu em 2012 com o sonho de democratizar o acesso ao ensino de inglês usando de tecnologia para baratear seus custos. O foco está em alcançar principalmente a população de baixa renda. E tem dado certo: são mais de 10 mil estudantes desde o início da operação em cinco unidades espalhadas pela cidade de São Paulo. Recentemente, porém, na tentativa de digitalizar os processos, a escola optou por enviar os boletos de pagamento para os clientes por e-mail. “Foi quando a galera começou a não pagar”, resume Gustavo.

A Empresa

O modelo de negócios da 4you2 é muito simples: oferecer cursos de inglês. Por conta do foco em baixa renda, o esforço da empresa foi conseguir fornecer um curso de qualidade ao preço mais acessível do mercado. Atualmente, o estudante desembolsa R$ 79,90 por uma hora semanal de aula. Mas a inovação não está só no preço. De um lado, a sacada foi trazer gringos para dar aulas no Brasil, em uma experiência de intercâmbio cultural. De outro lado, Gustavo e a 4you2 se empenharam em digitalizar o ensino para criar aulas dinâmicas e personalizadas. Exercícios de gramática, por exemplo, são feitos por meio em um aplicativo, sem nenhum custo extra. Com isso foi abolido  o material didático que encarece outros cursos no mercado.

Sua história começou quando, aos 18 anos, Gustavo iniciou o curso de Economia na Universidade de São Paulo (USP). Natural do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, a família de Gustavo não pôde oferecer a ele acesso a um curso de inglês. E as consequências disso vieram na faculdade, que exigiu dele toda uma literatura baseada em língua estrangeira. A solução encontrada foi inscrever-se para hospedar, em sua república, estudantes de outros países. No contato com eles e no diálogo, aprendeu tanto sobre outras culturas quanto a falar inglês.

O Brasil ocupa a 53ª posição no mundo no ranking de proficiência em inglês, considerada baixa  segundo a edição de 2018 do Índice de Proficiência em Inglês. Do total da população, 95%  simplesmente não domina a língua e apenas 1% é considerada fluente. “O que me motivou a criar a 4you2 foi um idealismo absurdo, uma vontade de mudar o mundo”, recorda Gustavo.

Sem investidores ou nada do tipo, Gustavo abriu a primeira escola da 4you2 no Capão Redondo, bairro onde desenvolvia trabalhos voluntários. “Foi a loucura mais acertada que já fiz na vida.  Eu não tinha experiência, não tinha grana, não falava inglês… Mas essa loucura às vezes é necessária”, avalia sobre si mesmo.

O Erro

Existem loucuras necessárias que funcionam, apesar de tudo apontar para o contrário. E existem loucuras necessárias que simplesmente não dão certo. Foi em 2017 que a 4you2 avançou no sentido de criar soluções digitais para seus estudantes, o que permitiu não só dinamizar as salas de aula, mas reduzir a folha de custos da própria empresa.

Uma das mudanças que Gustavo julgou fundamental foi abandonar o sistema de carnês impressos para cobrança da mensalidade em favor do envio de boletos por e-mails. A razão por trás disso faz todo sentido: ganhar tempo, economizar recursos e dar praticidade à relação com os estudantes. Não foi preciso pensar duas vezes para colocar a ação em prática. De um mês para o outro foi feita a migração para o digital.

“A gente decidiu rápido. Só depois percebemos que 30% dos alunos não abriam e-mail. O cara não via, nem sabia o que era”, relembra Gustavo. Com isso, o índice de inadimplência, que sempre foi mínimo ou zero, começou a subir. As pessoas foram parando de pagar porque não tinham o hábito de checar e-mails. Porém demorou para notarmos o real motivo da falta de pagamentos, o que começou a levar a um rombo no caixa.

“Foi uma inovação que a gente fez com a melhor das intenções”, opina Gustavo. “Mas trocar o hábito de alguém leva tempo, e aquele era um tempo que a gente não tinha. Não pedimos o feedback das pessoas.” Ele reconhece que não criou canais de comunicação com seus clientes não só para entender seus hábitos, mas para ouvir deles o que melhor os atenderia.

A Solução

O dinheiro que possibilitou parte da criação de soluções digitais na 4you2 veio de um empréstimo realizado pela Sitawi Finanças do Bem. A gerente de Finanças Sociais da instituição, Andrea Resende, acompanhou o caso da empresa e conta como pode ser fácil para um negócio se desconectar de seus clientes quando se concentra nos seus próprios processos.

“Fazer uma gestão da mudança é fundamental, olhando quais os principais efeitos e riscos que aquela inovação pode trazer”, explica Andrea. A solução para evitar riscos como esse, segundo ela, é inserir validações em diferentes pontos do processo ou escolher grupos de clientes para entender mais a fundo o que aquela mudança pode representar para eles.

“A mensagem aqui e nos processos de inovação em geral é sair do escritório e ir conversar e entender mais profundamente as dores e os comportamentos do cliente”, conclui Andrea.

No caso da 4you2, a primeira ação foi remediar o ocorrido. Gustavo e sua equipe buscaram os “inadimplentes” para explicar o ocorrido e se surpreenderam com a forma compreensiva com a qual foram recebidos. Com isso, parte dos pagamentos foi recuperada, mas parte acabou se perdendo. O segundo passo foi abrir para os estudantes opções de pagamento, que englobam tanto o e-mail quanto o velho carnê.

De todo modo, a 4you2 entende que é preciso, sim, continuar avançando na migração para o digital, mas não sem ouvir as pessoas antes.

Os Desafios

Numa outra fase que se inicia, Gustavo quer prestar atenção em partes do processo da sua empresa que antes ficavam em segundo plano. É claro que o sonho é continuar expandindo e abrir novas unidades em São Paulo e no Brasil. Mas a preocupação com a equipe, por exemplo, passará a fazer parte das prioridades no sentido de contratar mais pessoas que tenham a veia do impacto e do propósito do negócio.

“Quando você resolve criar uma empresa sem investimento, o nível de priorização tem que ser muito maior. Deliberadamente, você tem que deixar de olhar para algumas coisas. Eu tive que deixar as coisas dar ruim”, analisa Gustavo. “Durante muito tempo você tem essa postura de herói, de querer fazer tudo. Hoje, envolver mais pessoas, estudar e entender os riscos é mais maduro.”

 

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