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O sonho de Henrique Castan, da Nutriens, era popularizar a alimentação orgânica e saudável no Brasil por meio da Nutriens. Mas, para alcançá-lo, teve de domar seu orgulho

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Eu estava começando um negócio a partir de uma ideia. Mas um negócio deve começar para resolver problemas.” Henrique Castan já tinha 36 anos e muita experiência enquanto executivo quando fundou com sua irmã, Natalia, a Nutriens. A empresa nasceu para democratizar e popularizar o acesso a alimentação orgânica no país, principalmente entre faixas da população de menor renda. Porém, antes de se tornar o que é, a Nutriens teve de passar pela prova de fogo de sobreviver à vaidade, principalmente do seu fundador. Como ele mesmo disse, começar no empreendedorismo social partiu de uma solução, que, para Henrique, parecia maravilhosa. Se tivesse insistido nela, a Nutriens nem chegaria até aqui. “Às vezes aquela ideia aparentemente perfeita que vem da cabeça do fundador pode não ser a melhor. Aliás, ela não é a melhor”, conclui Henrique.

A Empresa

A Nutriens é um negócio de impacto social jovem. Sua fundação é de setembro de 2018. Todavia, a ideia da empresa foi gestada assim que sua filha mais velha, Júlia, hoje com cinco anos, passou a habitar o ventre da mãe. Durante a gravidez da esposa, Henrique passou a prestar mais atenção na alimentação e foi descobrindo alguns problemas crônicos brasileiros em relação ao tema. No mesmo país, 18,9% da população brasileira é obesa, enquanto 2,5% está desnutrida – número mantido estável desde 2007. Um paradoxo brutal!

“Eu quero que todo mundo tenha acesso a um alimento orgânico e saudável.” E foi com esse desejo que Henrique adotou um modelo de assinatura de cestas de frutas, legumes e vegetais fornecidos por pequenos produtores de orgânicos a partir de R$ 37,36 mensais. Outra sacada é a chamada “espiral do bem”. Para garantir que os alimentos cheguem a preço acessível também às periferias e comunidades, aplicou-se um sistema de revenda: pessoas desses locais poderiam vender as assinaturas nas suas vizinhanças e levar 30% dos lucros, bem como ganhar 30% de desconto nas suas próprias compras.
Em fins de 2018, a Nutriens passou pelo processo de aceleração da Artemísia. Faturam, atualmente, cerca de R$ 20 mil mensais. No total, a empresa conta com 120 assinantes das cestas e trinta revendedores.

O Erro

Henrique não nasceu ontem. De acordo com estudo do Sebrae, a GEM 2017, 57% dos empreendedores têm entre 18 e 34 anos. Um pouquinho acima dessa média, Henrique já tinha conquistado uma carreira sólida enquanto executivo de planejamento e marketing em grandes corporações. Foi dos frutos dessa carreira, inclusive, que veio o capital semente da Nutriens. Com esse histórico, era de se imaginar que fazer a transição para empreendedor também seria um sucesso. Foi o que ele imaginou no primeiro momento. “Na hora em que comecei a tirar a ideia do papel, meu choque foi descobrir que eu não tinha conhecimento para isso”, revela Henrique.

Foi um tapa na cara. Antes, a Nutriens se chamava Mercado Vivo. Henrique imaginava que o problema da alimentação, sobre o qual ele estava estudando havia alguns anos, era uma questão cultural. Bastaria que as pessoas entrassem em contato com o alimento de uma maneira diferente para começar a comer melhor. “Eu sou do interior, sempre sonhei com essa coisa de colher a comida do pé, sabe?”, comenta. O Mercado Vivo seria, então, um mercado mesmo, onde as pessoas pudessem colher o próprio o alimento e comprá-lo. Uma ideia mirabolante que ofereceria uma experiência ao consumidor, inspirada em modelos de hortas urbanas nos topos dos prédios de São Paulo.

Hoje o próprio Henrique percebe o quanto essa ideia era inviável. “Exigiria um alto custo para manter um mercado assim, a começar pelo aluguel em uma cidade como São Paulo. Isso encareceria o alimento e o manteria elitizado, sendo acessível apenas aos poucos que podem pagar”, reflete. Mas esse é o Henrique com a cabeça de hoje. Naquele tempo, ele tinha certeza absoluta de que a ideia era genial. Foi preciso um estalo para se dar conta do que ocorria. Em um curso sobre design thinking, ele fez o pitch do Mercado Livre para outros onze colegas de sala. O objetivo era que alguém viesse trabalhar com ele no desenvolvimento do plano. Para sua surpresa, ninguém se disponibilizou. Ninguém acreditou no seu projeto. “Eu me lembro muito bem daquele dia. Estava chovendo e eu voltei para casa chorando”, recorda-se. “Se não havia interesse algum pela minha ideia é porque algo estava muito errado.”

A Solução

Logo no início da trajetória de um negócio, a fase de ideação pode ser fatal. Uma ideia fora do lugar, com pouco embasamento ou sem contato com o problema real que ela quer resolver, levará a empresa a um fim precoce. Não se pode fazer de qualquer jeito.
A motivação por trás da Nutriens tinha e ainda tem razão de ser. Segundo o estudo Tese de Impacto Social em Alimentação, da Artemísia, há oportunidades para negócios que atuem para tornar acessível alimentos orgânicos de modo a incorporá-los principalmente na dieta entre pessoas de vulnerabilidade e baixa renda. De acordo com Dorly Neto, da equipe de aceleração da Artemísia, a Nutriens se encaixa nessa descrição.
Porém, para chegar a esse modelo, Henrique teve de dar dois passos para trás e, primeiramente, entender que o alto do conhecimento acumulado ao longo dos anos era, para esse novo contexto, só vaidade. “Tive que descontruir aquela ideia formatada, tão certa, tão perfeita”, comenta. “Eu estava tão cheio de mim mesmo que não percebi o quão falha era a minha ideia.”

Depois, foi preciso voltar a estudar e a pesquisar para entender que o problema da alimentação no Brasil se baseia na solução de um complicado tripé: acesso, preço e conveniência. Ou seja, alimento saudável, barato, fácil e próximo do consumidor. Já na aceleração, Henrique foi incentivado a aprofundar essa percepção para chegar ao modelo de negócios. “A Nutriens foi estimulada a amadurecer o conhecimento dos seus clientes e usuários, quais são suas dores e como o negócio irá ajudar a mitiga-las de fato”, afirma Dorly. “Suposições iniciais tendem a mudar ao longo da trajetória, e para isso é preciso sempre estar aberto a ouvir e adaptar as ideias iniciais para entender a fundo o que o cliente e o usuário precisam.”

Os Desafios

Agora o desafio é crescer. Trabalhar com alimentação pode ser complicado, ainda mais em um setor que tem uma margem de lucro pequena – principalmente quando o objetivo é mesmo ter um produto barato – e, por isso, precisa vender em grande volume. Ainda assim, Henrique acredita que atingirá o equilíbrio entre o que entra e o que sai em junho deste ano e fechará 2019 com um faturamento de R$ 2 milhões.