Imagine um ecossistema onde o Governo é central para o desenvolvimento de negócios que beneficiam pessoas e meio ambiente, fomentando e financiando empresas que resolvem problemas latentes. Ainda distante da realidade brasileira, esse é o contexto de lugares como o Reino Unido: em 2019, o país registrava mais de 100.000 negócios de impacto, que injetam £60 bilhões na economia e empregam mais de dois milhões de pessoas, o equivalente a 5% da mão de obra britânica. Será que uma realidade como essa seria possível no Brasil?

Entre os cases brasileiros de fomento ao ecossistema de impacto, um gigante federal tem dado grandes passos: o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Em 2016, o banco fez a primeira liberação de recursos do Subcrédito Social para projetos de impacto social. Entre 2018 e 2019, iniciou o programa de aceleração BNDES Garagem, com mais de cinco mil startups inscritas. Em 2021,  em chamada pública, foi aprovado o consórcio que une Artemisia, Wayra Brasil e Liga Ventures para a nova edição do programa. O grupo realiza, em conjunto com o BNDES, o apoio e aceleração de startups de impacto de todo o Brasil. O BNDES e o consórcio estão em fase de diligência.

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A nova edição do programa terá como o foco a criação e a tração de negócios inovadores que gerem impacto socioambiental. O primeiro ciclo de aceleração, que terá duração de três a quatro meses, tem foco em soluções para saúde, educação, sustentabilidade, govtech e cidades sustentáveis. Mais dois ciclos devem acontecer nos próximos meses, totalizando 135 startups aceleradas. Em 2019, passaram pelo BNDES Garagem negócios como a Benfeitoria, Tamboro e Wecancer.

A escolha das temáticas, segundo William Saab, economista integrante da equipe do BNDES Garagem e servidor do banco há 28 anos, está alinhada com o propósito do banco de transformar a vida de brasileiros promovendo o desenvolvimento sustentável. “Levamos em consideração os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e a participação do BNDES desde a origem na Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO), que tem a finalidade de articular órgãos e entidades da administração pública federal, do setor privado e da sociedade civil para a promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto”, observa.

Lucas Maciel, coordenador da ENIMPACTO. Crédito: Divulgação
William Saab, economista integrante da equipe do BNDES Garagem. Créditos: Divulgação

A entrada do banco na temática é estratégica, de acordo com Lucas Maciel, coordenador da ENIMPACTO. “O BNDES é um player que muda o jogo. Ele consegue abrir mercados e orientar investimentos públicos, por exemplo. Uma vez que entra, acende uma luz que chama a atenção inclusive do mercado privado para o impact investing”. 

Na primeira edição do BNDES Garagem, 57 do total de 74 startups de impacto aceleradas eram originárias de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Desta vez, o edital de Chamada Pública do BNDES prevê que o consórcio de aceleradoras leve em consideração alguns critérios de diversidade na seleção, como a localização geográfica, com empreendimentos oriundos da periferia ou de regiões e territórios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ou alto Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). Também entram como decisivos os critérios de gênero (empreendimentos liderados por mulheres) e diversidade de etnia/raça (empreendimentos liderados por negros – autodeclarados pretos ou pardos -, ou indígenas). A contrapartida dos participantes será somente o desenvolvimento de suas soluções para apresentação a potenciais investidores e públicos de interesse no Demo Day, evento especial em que os empreendedores têm a oportunidade de falar sobre seus negócios.

 O caso brasileiro
O apoio federal ao ecossistema é tímido, mas tem crescido. Exemplo disso é o InovAtiva Brasil, criado em 2013 pelo Ministério da Economia. A ferramenta de gestão pública foi desenvolvida  para fortalecer o ecossistema de startups por meio de mentorias, aceleração e conexão. Hoje, co-realizado pelo SEBRAE, foi eleito a iniciativa que mais gera negócios para startups pelo 100 Open Startups, segundo a revista Exame.

Entre as iniciativas de investimento de impacto federal do BNDES também figura o Fundo Criatec, de investimentos de capital semente destinados à aplicação em empresas inovadoras emergentes. Tem como objetivo obter ganho de capital por meio de investimento de longo prazo em empresas em estágio inicial (inclusive estágio zero), com perfil inovador e que projetam um elevado retorno nos setores Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), Agronegócios, Nanotecnologia, Biotecnologia e Novos Materiais.

A NeuroUP, startup que desenvolve tecnologia de treinamento neuromuscular para o controle avançado dos músculos, foi uma das beneficiadas pelo fundo. O investimento, segundo o fundador Ubirakitan Maciel, foi essencial para a ampliação do negócio. “Nosso contato com o fundo se deu ainda na fase de análise da empresa.

Ubirakitan Maciel, co-fundador NeuroUP. Crédito: divulgação

Em conjunto com a equipe da gestora, desenhamos um planejamento financeiro para posicionar a empresa para as rodadas de investimento. A empresa encontrava-se em um momento de crescimento da base de clientes e diversificação de mercados em potencial, mas ainda não possuía uma estrutura comercial e de suporte adequada para o crescimento”, conta. Depois do investimento, a NeuroUP fortaleceu também a governança.

O papel do governo
“Quando olhamos o setor de impacto no mundo, o papel do Estado, via de regra, é muito importante. Seja ele atuando como regulador, comprador ou fomentador, o Governo entra dando subsídio e outras formas de incentivo”, relembra Lucas. Enquanto as recessões fiscais brasileiras e a não regulamentação de compras públicas travam o apoio federal ao ecossistema, no Reino Unido há anos se fortalecem regulações e incentivos a investidores individuais, Social Impact Bonds (Fundos de Impacto Social) e outros produtos financeiros. O coordenador da ENIMPACTO aponta a frequente troca de chefias do banco federal como outro dificultador da criação de uma base robusta para as estratégias de investimento de impacto.

“A normatização de compras públicas é outro grande desafio que merece ser atacado. Essa é uma das principais formas do governo atuar no setor de investimento de impacto, criando um arcabouço institucional que possibilite a compra preferencial de negócios de impacto, com um tratamento diferenciado na lei de compras, beneficiando empreendimentos que geram impacto positivo social, ambiental e econômico”, observa. Enquanto isso, fica a expectativa para que mais Fundos Criatec e BNDES Garagem sejam criados.

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