DE LONDRES Nos últimos 20 anos, a Inglaterra tem assumido a liderança global na construção de um ecossistema robusto de investimentos de impacto. Hoje, o país registra mais de 100.000 negócios de impacto, que injetam £60 bilhões na economia e empregam mais de 2 milhões de pessoas, o equivalente a 5% da mão de obra britânica.[1] Em termos de capital, há pelo menos £150 bilhões comprometidos com impacto no país[2]. A ambição é atrair mais £3 trilhões para impacto na próxima década, dos quais £300 bilhões deverão ser direcionados para a resolução de desafios sociais e ambientais considerados críticos[3].
Já há sinais de que o tema tem ganhado destaque na agenda de governos, investidores e empreendedores. Não é de se admirar que dois terços dos governos locais reconheçam o valor das regulações que adicionaram critérios socioambientais às compras públicas. Além disso, pesquisas demonstram que 50 a 75% da população tem a expectativa de que seus investimentos gerem retorno financeiro e também contribuam positivamente para a sociedade. Soma-se a isso, o fato de que 50% dos empreendedores millenials já afirmam seu desejo em atrelar seu resultado financeiro à geração de impacto social e ambiental. [4]
No entanto, a jornada percorrida pelos britânicos, desde a adoção do tema por um pequeno grupo de pioneiros até a entrada de atores como grandes bancos, corporações e fundos de investimentos, não foi obra do acaso. Para conhecer de perto esta realidade e colher ideias inspiradoras para o Brasil, um grupo de organizações envolvidas na implementação da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto), visitou a Inglaterra entre os dias 13 e 18 de maio de 2019.
Criada em 2017, a partir de um decreto presidencial, a Enimpacto, tem sido conduzida por dezesseis órgãos governamentais e 41 organizações da sociedade civil sob liderança da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, vinculada ao Ministério da Economia. A estratégia tem como objetivo aumentar o número de negócios de impacto, ampliar o volume de capital, fortalecer as organizações intermediárias e promover um ambiente regulatório favorável ao setor (leia aqui as últimas novidades sobre a Enimpacto em Brasília)
A missão brasileira no Reino Unido, foi organizada pela Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação com o apoio da Euro Social, programa de cooperação entre a União Europeia e a América Latina para implementação de políticas públicas. Contou ainda com a coordenação da MAZE, organização que lidera o grupo de trabalho português para investimento social. O grupo incluiu representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC), Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto/Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Embaixada Brasileira no Reino Unido, Sistema B e Vox Capital.
O ecossistema britânico de Investimentos e Negócios de Impacto
O investimento de capital financeiro e humano para construção de um ecossistema de investimentos e negócios de impacto foi um dos destaques observados nas visitas feitas pelo grupo brasileiro. O governo britânico, para isso, assumiu a liderança em destravar recursos para o setor. Um dos exemplos, foi a instituição da lei de contas dormentes (Dormant Bank and Building Society Accounts Act) em 2008, que permitiu que recursos e rendimentos de contas não movimentadas a mais de 15 anos, pudessem ser direcionados para finalidade social. Este recurso foi investido na construção de um banco de atacado, o Big Society Capital (BSC), que tem como função atrair mais capital para coinvestir com impacto, entre os investidores consta fundos de fundos, fundo de pensão e bancos tradicionais. Tudo indica que a proposta está dando certo. Atualmente, dos £1,7 bilhões investidos pelo BSC, £524 milhões são oriundos de capital próprio enquanto £1,2 bilhão é resultado de coinvestimento[5]. Inspirados pela ideia, o Japão e outros países do mundo tem evoluído na mesma direção.
Atualmente, dos £1,7 bilhões investidos pelo BSC, £524 milhões são oriundos de capital próprio enquanto £1,2 bilhão é resultado de coinvestimento
Merece destaque, ainda, o fato de que a estratégia do governo britânico no fomento ao setor de impacto parece tem resistido às mudanças no cenário político, resguardadas as diferenças político-partidárias. Em 2000, foi o trabalhista Gordon Brown, como chanceler, que lançou a Força Tarefa Britânica de Finanças Sociais considerada um marco para criação do setor de impacto na Inglaterra. Foi em seu governo, iniciado após a renúncia do então primeiro ministro, Tony Blair, que organizações como BSC foram criadas. Já no governo do conservador James Cameron, em 2012, foi instituído a lei de valor social nos serviços públicos (Public Service – Social Value Act 2012) que estabeleceu parâmetros socioambientais para as compras públicas. Hoje, mais de 40% dos governos locais acreditam que a lei tem contribuído para reduzir as desigualdades sociais[6].
Portanto, é inegável que o fomento ao setor conduzido por governos de diferentes espectros políticos tem sido fundamental para sua escalada. Seja por acreditar que os recursos públicos são insuficientes para resolver problemas sociais num cenário de austeridade econômica, seja pela pressão exercida pelas organizações da sociedade civil e negócios de impacto, ou ainda, pela força que os investidores de impacto tem assumido nos últimos anos, que governos tem apostado na estratégia de tornar a Inglaterra um mercado de impacto promissor. Mais do que isso, tem lançado as bases para uma mudança no paradigma de investimentos, para que além de risco e retorno, seja adicionado o impacto social e ambiental.
O desenvolvimento de um mercado para os títulos de impacto social (Social Impact Bonds) também é outro ponto que diferencia o ecossistema inglês. Os títulos de impacto social são mecanismos de contratação pública com pagamentos atrelados ao atingimento de metas sociais. Eles estimulam a inovação nos serviços públicos e parcerias entre investidores privados, fundações e governo na resolução de problemas sociais. O Reino Unido foi pioneiro em lançar o primeiro título de impacto social para reduzir a reincidência de presos no sistema prisional, em 2010. Apoiado por 17 fundações, o projeto teve um investimento de £5 milhões[7]. Atualmente, existem 68 títulos de impacto social em operação no Reino Unido, em áreas como saúde mental, geração de empregos para jovens, iniciativas com pessoas em situação de rua, entre outros. Entre 2010 e 2019 mais de £337 milhões foram alocados em títulos de impacto social no país.[8]
Dois outros pontos têm sido fundamental para o fortalecimento dos investimentos de Impacto no Reino Unido: o fortalecimento de organizações intermediárias e as regulações e incentivos fiscais para o setor. Entre os intermediários, constam aceleradoras e incubadoras, bem como, consultorias especializadas em investimento que fornecem uma ampla rede de conexões adequadas aos diferentes estágios do ciclo de vida do negócio. Do ponto de vista regulatório, o país tem, desde 2005, um formato legal para os negócios de impacto, tem desenvolvido incentivos fiscais para investidores individuais interessados em investir em impacto, facilitado o investimento de fundos de pensão e aperfeiçoado regulações para compras públicas de produtos e serviços.
Apesar dos esforços e das conquistas nos últimos anos, é unanime a afirmação que o setor ainda tem muito a crescer, se comparado com outros mercados como os de venture capital e private equity, focados em operações de compra e venda de participação em empresas tradicionais. Além disso, contrastando com os grandes volumes investidos em títulos de impacto social, os negócios de impacto em estágios iniciais reivindicam maior participação na alocação dos recursos. Há espaço ainda para aperfeiçoamento das regulações e a necessidade crescente de criar consensos sobre como medir e reportar impacto.
Reflexões para o Brasil
Para o grupo brasileiro empenhado na implementação da Enimpacto ficam grandes reflexões sobre como atrair volumes maiores de investimentos privados e filantrópicos de investidores com diferentes motivações e disposição para risco, quando não se tem um banco de atacado e o mesmo volume de recursos a ser destravado.
Em relação ao fortalecimento de intermediários, destaca-se uma miríade de oportunidades de como capacitar e dar aporte financeiro nos diferentes estágios do negócio, bem como, a importância de fomentar serviços como consultorias especializadas, think tanks, redes de suporte e advocacy para o setor.
É no campo de regulações e incentivos para investidores individuais, compras públicas, regulação de fundos de pensão e produtos financeiros que há um terreno fértil em que o Brasil pode se beneficiar do intercâmbio com o Reino Unido na construção e aperfeiçoamento de projetos de lei que atendam às necessidades próprias do contexto local.
Por fim, fica a expectativa que o fomento aos investimentos e negócios de impacto entre cada vez mais na agenda governamental como um projeto de país. Como tal, que possa valorizar o potencial de nossos empreendedores sociais, as riquezas da nossa socio-biodiversidade e o dinamismo do mercado, criando, assim, as pontes entre capital e propósito em beneficio das atuais e futuras gerações.