No dia 20 de abril, a Revista Brasileira de Avaliação (RBAVAL) realizou um painel de lançamento de sua 10ª edição, marcando o retorno da publicação após cinco anos sem novas edições – a última foi em 2015. O título do painel apresenta o que move o encontro: “Por um campo mais diverso, por avaliações mais plurais”. Na ocasião, fui convidada para falar sobre marcadores raciais e avaliações culturalmente responsivas, buscando reforçar a importância de conduzirmos processos avaliativos que considerem a raça como categoria analítica, a fim de produzir entendimentos sobre a capacidade das iniciativas implementadas pelas organizações, nos mais diversos territórios, em responder às necessidades e realidades experienciadas por mulheres e homens negros.
A necessidade, que parece óbvia se considerarmos a realidade brasileira que é intensamente informada pela racialidade, ainda é um tabu no campo avaliativo – mais precisamente, no ecossistema de impacto social. Se, por um lado, o termo antirracismo tem ganhado projeção na mesma proporção em que a violência contra corpos e mentes negras cresce – ou, melhor dizendo, é mais percebida -, por outro, temos ainda um longo caminho para efetivar uma prática antirracista.
Não há antirracismo sem práxis.
No campo da avaliação, que é minha expertise, os desafios se exprimem em muitas dimensões e destaco aqui três delas: metodológica, analítica e humana. Traço breves leituras sobre as duas últimas – pois, a primeira é mais exigente de caracteres.
Considerando a dimensão analítica, podemos afirmar que há ainda avaliações conduzidas sem considerar a raça como categoria de análise e este foi,justamente, o ponto por mim abordado no painel acima citado. Infelizmente, não temos estudos sobre este tema, posto que as avaliações conduzidas no campo do impacto social ainda são pouco divulgadas; portanto, lanço mão aqui de minha própria experiência e conhecimento como fonte. Analisando a dimensão humana, percebemos que ela se expressa pela ausência de pessoas negras atuando como avaliadoras. Vale destacar que esta é uma problemática que atinge quase a totalidade de profissões e, no campo do impacto social não seria diferente. Ainda que, mais recentemente, as organizações tenham buscado ampliar seus quadros, a partir da adoção de processos seletivos via ações afirmativas, o desafio ainda é imenso.
Destaco que esta realidade pouco equitativa, por assim dizer, do campo avaliativo não é uma particularidade brasileira. Um estudo de 2017, conduzido pela ¡Milwaukee Evaluation! (organização afiliada à American Evaluation Association – AEA), a respeito da utilização da abordagem de avaliadoras/es que se declaravam filiados à proposta de Avaliação Culturalmente Responsiva (CRE)[1] na região, apontou algumas descobertas, das quais destaco duas:
- As avaliações são conduzidas com pouca contribuição, participação e liderança das pessoas mais impactadas pelos programas e/ou políticas. Destacando que grande parte do time de avaliação é composta por pessoas brancas, o que revela a existência de vieses de contratação pelas organizações que conduzem estes processos.
- Financiadores dos processos avaliativos foram identificados como parte da resistência para a adoção de metodologias avaliativas que visem a justiça social, dentre elas a avaliação culturalmente responsiva, a feminista, a indígena, dentre outras.
Os achados da pesquisa de Wisconsin trazem à tona descobertas que revelam certa proximidade com a realidade brasileira na medida em que pontuam pouca diversidade metodológica e de pessoas no campo avaliativo. A despeito de termos ou não uma pesquisa próxima a essa no Brasil, fica o convite para que alguém traga uma realidade diferente da apontada no estudo norte-americano.
Estes pontos nos colocam em urgência para revermos os parâmetros de atuação do campo e, em resposta a essa problemática, há um movimento recente, criado por pesquisadoras(es) negras(os) que atuam em interface com o campo da avaliação, no qual me incluo, que tem como intenção provocar o cenário neste sentido, o Lente Preta: Avaliação e Equidade Racial.
Fecho esta breve reflexão com algumas perguntas em um convite para aprofundarmos este debate:
- Quem está autorizado a formular as perguntas que nortearão os processos avaliativos?
- Onde grupos empenhados em construir soluções sociais podem chegar entre iguais?
E, por fim, uma pergunta que precisa ser gasta, feita e refeita tanto pelas equipes das organizações quanto pelos times de avaliação:
Podemos falar em impacto social quando não consideramos as desigualdades estruturais e, em especial, a desigualdade racial?
[1]A avaliação culturalmente responsiva centra nos valores e crenças culturais para conduzir avaliações de programas e/ou políticas. Ela apresenta um foco particular em grupos que foram historicamente marginalizados, perguntando como o poder é distribuído, quais relações são valorizadas e quais são privilegiadas em uma avaliação (Hood, Hopson, &Kirkhart, 2015). Tradução da autora que assina esta coluna.
Este artigo é uma reflexão de Walquíria Tiburcio .
Walquíria Tiburcio iniciou sua trajetória na Move Social em 2014 e sua experiência profissional foi construída em torno de trabalhos envolvendo educação e questões de equidade racial e de gênero. Atua em avaliação de projetos e planejamento estratégico e lidera a imersão da empresa em estudos sobre equidade racial. Na área social, colaborou com diversas organizações, incluindo o Instituto Saci, do qual foi presidente de 2012 a 2016. É bacharel em Gestão de Políticas Públicas e especialista em Estudos Brasileiros pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. É mãe de Dandara e pagodeira de carteirinha. Entre seus desafios pessoais está a formação de avaliadoras(es) antirracistas. É fundadora do movimento Lente Preta – Avaliação e Equidade Racial.
Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.