Nos próximos anos, sempre que falarmos sobre desemprego no Brasil, escutaremos que a causa também é a pandemia da Covid-19. Mas desde já é preciso fazer um alerta: antes disso a situação já era preocupante, com 12,2% da população desempregada, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Existem diversos fatores históricos que dificultam o acesso ao mercado de trabalho. Eles são analisados por Vivianne Naigeborin, Superintendente da Fundação Arymax, que apoia iniciativas de inclusão produtiva. “O cenário anterior à pandemia já era de estagnação econômica e altas taxas de desemprego”, observa ela.
Vivianne aponta quais são os problemas estruturais para combater o desemprego no Brasil, especialmente para quem mais sofre com isso: negros, mulheres, jovens e trabalhadores com baixa escolaridade.
Uma das maiores dificuldades, antes e depois da pandemia, é lidar com a informalidade no país. A Fundação Arymax fez um estudo sobre inclusão produtiva (“O Futuro da Inclusão Produtiva”) e recomendou simplificar e diminuir exigências para formalização. Outro estímulo importante é olhar para os jovens e investir na participação deste público em posições de entrada.
Para quem não consegue acesso ao mercado de trabalho, uma solução tem sido o empreendedorismo improvisado, “à força”. Segundo Vivianne, isso pode ser um problema, pois muitos negócios são frágeis e não conseguem sucesso. “Por isso é importante fortalecer esse empreendedor no âmbito pessoal e também nos temas relacionados ao negócio”, recomenda Viviane.
Confira a entrevista completa com a executiva da Fundação Arymax.
AUPA – A taxa média anual de desemprego no Brasil foi de 13,5% em 2020, a maior já registrada desde o início da série histórica em 2012. Além da pandemia, quais são os principais desafios para a inclusão produtiva dessas pessoas?
Vivianne Naigeborin – O cenário anterior à pandemia já era de estagnação econômica e altas taxas de desemprego. Portanto, para entender os desafios, temos que considerar um campo de problemas estruturais tanto do lado de quem se oferece para trabalhar, como a falta de competências socioemocionais e técnicas adequadas, quanto de quem busca empregar, como os altos custos de contratação e a falta de acesso a pessoas de menor renda para a oferta de vagas, entre outros.
Igualmente importante é entender as transformações que estão em curso no mundo e como elas afetam a inclusão produtiva: (1) os avanços tecnológicos que trarão melhorias na produtividade, mas também enormes desafios para a geração de empregos; (2) o envelhecimento da população que exigirá a busca por alternativas para manter as pessoas economicamente ativas por um tempo mais longo e a (3) a degradação ambiental que ameaça os serviços ecossistêmicos e os empregos que dependem deles.
Finalmente, há fatores históricos que fomentaram a exclusão no país e que ainda desfavorecem de forma estrutural grupos majoritários, como negros e mulheres. Em ambos os casos, a realidade ainda aponta para discriminação social, salários inferiores e acesso limitado a posições de chefia.
AUPA – Em uma pesquisa divulgada pela Fundação Arymax, foi apontado que trabalhadores informais foram os mais afetados pela pandemia. Eles representam 37,6% da força de trabalho brasileira. Como fazer com que tais trabalhadores ocupem vagas formais em meio a essa onda de informalidade e afrouxamento dos direitos trabalhistas?
Vivianne Naigeborin – Os trabalhadores informais foram especialmente impactados nesta pandemia, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, que apresentam o maior grau de informalidade no país.
No caso de micro e pequenos empreendedores informais, uma das recomendações do estudo é simplificar e diminuir ainda mais as exigências impostas para que eles possam se formalizar e, dessa forma, poderão se beneficiar dos serviços de crédito e outros apoios oferecidos pelo governo. No Chile, por exemplo, com base na Lei de Microempresa Familiar, governos locais contam com programas de formalização simplificada, onde os negócios se tornam parcialmente formais e podem acessar benefícios públicos.
Em relação ao aumento das vagas formais de emprego, é importante coordenar esforços em diversas direções. Do lado de quem busca trabalho, temos que requalificar e realocar a força de trabalho existente, e ainda redesenhar programas de capacitação para que estas pessoas estejam mais conectadas com as oportunidades existentes em setores promissores, como tecnologia, saúde e cuidados. É muito importante também introduzir conceitos do mundo do trabalho já no currículo escolar, aumentando as chances dos jovens conseguirem trabalho mais qualificado no final do Ensino Médio.
Quando se fala em ambiente regulatório, o estudo apontou para a necessidade de redesenhar a Lei de Aprendizagem, a fim de que ela seja mais efetiva. Também é necessário pensar em incentivos para facilitar a inclusão de pessoas, especialmente de jovens, em posições de entrada. Entre eles, reduzir os custos de contratação, que dificultam a oferta de vagas formais, principalmente por pequenas e médias empresas.
AUPA – Além dos trabalhadores informais, negros, mulheres, jovens e indivíduos com baixa escolaridade foram os mais afetados pela pandemia, segundo dados do Dieese. Por que esses grupos são os mais vulneráveis e quais ações seriam importantes para mudar esse cenário?
Vivianne Naigeborin – É fundamental reconhecer as questões históricas que fomentam a exclusão no país, presentes muito antes do advento da pandemia. O regime escravocrata trouxe consequências econômicas e de discriminação social que se impõem aos afrodescendentes até os dias de hoje. A abolição não foi acompanhada de iniciativas de integração da população negra ao regime de trabalho assalariado ou de qualquer outro tipo de compensação social.
Essa ausência de políticas e programas se reflete nos dias de hoje, quando 4 entre 5 trabalhadores informais são negros, ou seja, sem acesso a nenhum sistema de proteção social. Na pandemia, os mais impactados foram os que tinham vínculos empregatícios mais frágeis, em sua maioria, trabalhadoras e trabalhadores negros.
No caso das mulheres, elas ainda estão segregadas de alguns setores, dominados por homens. Além disso, são as mulheres que ainda assumem sozinhas, em grande parte dos lares, o cuidado com a casa e com a família, o que termina por comprometer muitas vezes sua trajetória profissional. Na pandemia, as mulheres também se tornaram parte do grupo mais vulnerável por estarem vinculadas aos setores mais afetados pela crise, como manufatureiro, hotelaria, comércio e alimentação, e também pelo fato de, durante o fechamento prolongado das escolas, terem acumulado o cuidado com os filhos, o que comprometeu seu desempenho laboral.
Em relação aos jovens, as consequências dos impactos da pandemia são enormes e podem se perpetuar em suas vidas profissionais, configurando as características de uma “geração lockdown”. Eles estão concentrados em três eixos principais: na interrupção da educação e no treinamento e na aprendizagem para o trabalho; 2) na maior dificuldade de entrada no mercado de trabalho, devido à redução de postos e à competição com profissionais mais experientes que perderam o emprego; e 3) na perda do emprego e da renda na crise, juntamente à deterioração da qualidade do emprego.
AUPA – As soluções apontadas para os jovens normalmente são de longo prazo. Como fazer essa educação a curto prazo em um momento de crise?
Vivianne Naigeborin – Não há bala de prata e é importante que as soluções sejam pensadas localmente. Mas, o cerne de qualquer medida empreendida para promover a inclusão produtiva da juventude brasileira deve incluir o jovem no centro do debate. Ele precisa ser escutado. O que já se sabe é que é importante oferecer formações para o mundo do trabalho, com formato e linguagem mais atraentes ao universo jovem, que desenvolvam competências socioemocionais e não só técnicas e que os estimulem a “aprender a aprender”.
Governos, setor educacional, sociedade civil e setor privado precisam unir esforços para compreender onde estão as maiores dificuldades e onde há oportunidades concretas de empregabilidade no curto e médio prazos, e construírem, em conjunto, programas educacionais com conteúdos relevantes e atuais, bem como políticas de conexão com oportunidades de trabalho em consonância com as oportunidades locais.
AUPA – Empreendedores e grandes investidores estão cumprindo o papel adequado para realizarmos a inclusão produtiva?
Vivianne Naigeborin – Temos observado um interesse crescente de grandes empresas, fundações e institutos e várias delas já adotam a causa da inclusão produtiva como seu eixo principal de atuação.
Cresce a compreensão de que o desafio da inclusão produtiva é um desafio de país. Que somente um país próspero e menos desigual pode avançar e se desenvolver.
E que a promoção de oportunidades de geração de trabalho e renda é o melhor caminho para destravar o enorme potencial produtivo de que dispomos. Além disso, muitas empresas já perceberam que os avanços tecnológicos que estão em curso no mundo só serão realidade aqui, se tivermos talentos capacitados para ocupar esses novos postos de trabalho. E que isso só acontecerá se houver investimentos em educação e formação profissional, além de políticas efetivas de inserção laboral.
AUPA – O empreendedorismo “à força”, pela necessidade, tem crescido durante a pandemia. É cada vez mais comum as pessoas abrirem os próprios negócios, porque não conseguem outra solução. Quais são as vantagens e desvantagens desse processo?
Vivianne Naigeborin – Realmente, houve um aumento expressivo do número de Microempreendedores Individuais (MEI) durante a pandemia (foram mais de 2,6 milhões MEIs criados em 2020, com total de 11,3 milhões ativos em todo o Brasil), acompanhado por uma queda na sua renda média (de 20,1%, de acordo com pesquisa da FGV, realizada em outubro do ano passado), sugerindo o crescimento do empreendedorismo por necessidade. Foi a saída que muitos encontraram para lidar com os momentos de crise e ter alguma fonte de renda. A maioria destes empreendimentos, no entanto, são especialmente frágeis e, muitas vezes, carecem de habilidades de negócio necessárias para serem bem-sucedidos.
Por isso, é importante fortalecer esse empreendedor no âmbito pessoal e também nos temas relacionados ao negócio, especialmente aqueles mais críticos, como educação financeira, gestão, letramento e inclusão digital, acesso a novos mercados, entre outros.