O ambiente acadêmico tem cada vez mais conversado com a agenda de impacto, para além das disciplinas de Administração e Negócios. Esta é a percepção de Juliana Rodrigues, mestre em Ciências da Administração e líder de projetos e consultora do Programa Academia ICE. Juliana é docente na disciplina de Empreendedorismo Socioambiental nos cursos de MBA do Lassu-USP e na disciplina de Inovação Social na FIA.
O Programa Academia ICE tem como objetivo engajar professores e fortalecer a atuação das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras nas temáticas de Finanças Sociais e Negócios de Impacto. A rede do Programa conta com 51% de mulheres. São 132 professores de 70 IES em 21 estados, abrangendo todas as regiões do Brasil.
“Há cada vez mais uma discussão sobre a academia engajada, ao invés de usar a voz, fazer pesquisa com pessoas, ser um lugar também de dar a voz para todas essas pessoas que estão ou não na academia”,
reflete a docente Juliana Rodrigues.
Em um momento em que as IES têm passado por diversas mudanças advindas da pandemia, as universidades ressaltam o papel de espaço que fomenta o ecossistema de impacto. Uma pesquisa da Academia ICE, em parceria com a Ashoka Commons, com 115 professores no Brasil e na América Latina, ressalta esse fato. Entre as principais iniciativas desenvolvidas pelas instituições neste período pandêmico, os docentes destacaram: pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e outros itens de prevenção (67%), produção e doação de máscaras e visores de proteção (63%) e doação de alimentos para comunidades e organizações sociais (55%).
Em entrevista, a docente Juliana Rodrigues reflete sobre esses múltiplos papéis da universidade, da desigualdade de gênero e também da expansão da agenda de impacto para outras disciplinas no ambiente acadêmico.
AUPA – Como você vê a temática de impacto social dentro do ambiente acadêmico?
Juliana Rodrigues – A discussão sobre impacto social está crescendo bastante, no geral. Inclusive, na academia, há uma aplicação do termo impacto social, que é um pouco diferente do que é usado para negócios de impacto, pois a própria universidade tem discutido qual é o impacto social da sua atuação. É um aspecto que, cada vez mais, é exigido e perguntado em pesquisas, em extensão, nos próprios cursos e para a própria universidade: qual é o impacto social daquele projeto? Quando olhamos para os negócios de impacto, o que vemos também é um crescimento dessa agenda, tanto no Brasil quanto no mundo. Não se trata de uma agenda unânime, não tem o mesmo formato e os mesmos conceitos em todos os lugares. Outra questão é que a agenda foi, durante muito tempo, mais forte – e ainda é – nas escolas de Administração e Negócios, porém o que vemos é a tendência de outros cursos discutindo isso. A própria questão da inovação, que tenha um benefício para o bem-estar social, para o bem comum ou para questões ambientais, está se aproximando dessa agenda muito mais tecnológica e de outras ciências, não só das [Ciências] Sociais Aplicadas.
AUPA – Os homens são maioria no comando dos negócios sociais. Como você vê a participação das mulheres neste ambiente acadêmico para o mercado de negócios sociais
Juliana Rodrigues – Quando se fala sobre tais formas de empreendedorismo e de negócios, há uma discussão sobre qual é também a contribuição desses negócios para a agenda de gênero, especialmente em duas vertentes: tanto sobre mulheres empreendedoras e mulheres empreendedoras com impacto social, quanto qual é o valor desses negócios para esses temas.
Há acadêmicas e intelectuais que são mulheres negras periféricas – que são incríveis e não precisam estar na academia também. Nós temos essa troca, mas eu não diria que é maioria. Ainda vivemos em um sistema que privilegia o homem branco heterossexual. Eu, enquanto uma mulher branca, também tenho que reconhecer, na minha interseccionalidade, que falo de um lugar diferente. Eu nunca saberei dizer como é a experiência de uma acadêmica negra ou periférica, por exemplo, mas há espaço e movimento para isso acontecer. Não dá para tapar o Sol com a peneira e dizer que está bom, porque não resolvemos esse problema, mas podemos impulsionar os movimentos que já estão acontecendo. Outro ponto é trazer todas as pluralidades de vozes sempre que possível e isso está acontecendo também. Há cada vez mais movimentos de pesquisa participativas e engajadas que buscam fazer isso.
AUPA – Na sua opinião, qual é o principal papel das instituições de ensino na agenda do ecossistema de impacto?
Juliana Rodrigues – Acredito que a academia tem dois papéis. O primeiro é apoiar e estimular o campo a existir e lidar com seus desafios. É necessário apoiar o desenvolvimento de mecanismos de avaliação de impacto, de modelagem de negócios, além de ferramentas, metodologias e conhecimentos que ajudem a criarmos uma iniciativa de mercado que tenha uma missão social, pois não há modelos e estruturas de funcionamento e de gestão voltados a isso. O outro papel diz respeito à produção de conhecimento, à interação com a comunidade e o campo, também à formação de novos profissionais. Além disso, a academia ainda fomenta o pensamento crítico em relação ao setor, que, muitas vezes, é também averiguar onde estão os pontos cegos, as incoerências e como isso pode impactar uma discussão maior sobre quais sistemas e qual sociedade queremos viver. O papel primário do educador não é ensinar, mas é facilitar para que cada um se torne um aprendiz crítico, que faça perguntas para não aceitarmos o status quo.
AUPA – Como a Academia ICE tem atuado nesse cenário de pandemia, que atingiu completamente as instituições de ensino? Como o Programa tem procurado contribuir, no que diz respeito à relevância da inovação social?
Juliana Rodrigues – A pandemia alterou muito o universo da Educação. Algumas universidades deram uma semana para os professores se adaptarem, outras foram de um dia para o outro, algumas cancelaram as aulas. Foi muito pesado para os professores – e consequentemente para os alunos. Então, não é possível afirmar que houve uma resposta unânime das universidades. As realidades entre cidades são muito discrepantes também no que diz respeito ao acesso. O Programa Academia ICE, logo no começo, fez uma comunidade prática, onde os próprios professores se ajudaram. Foram cinco encontros semanais compartilhando melhores práticas sobre o que fazer neste período. Fizemos uma pesquisa para entender os impactos e tivemos, dentro da nossa rede, uma resposta de que a universidade se engajou bastante nesse processo, sobretudo as áreas que eram muito voltadas à Saúde, como desenvolvimento de vacinas e de exames. Há também muitos professores que trabalham com incubadoras e que fizeram outras ações, como acolhimento de pessoas que não conseguiam ter algum tipo de cuidado, distribuição de face shield e produção de máscaras. As universidades também se mostraram como mais um ator de articulação e de resposta nestes cenários. Além disso, houve grande impacto na pesquisa e na extensão.