Saúde mental é um termo bastante recorrente em rodas de conversa, dentro e fora do mundo corporativo. Tornou-se comum, porém não menos preocupante, a constatação do burnout, o esgotamento físico e mental associado ao trabalho. Quem tem informação e acesso ao tratamento, costuma procurar ajuda. Já, para quem não tem, outros tantos problemas podem surgir.
Não há ainda uma pesquisa ou um levantamento específico ao ecossistema de impacto no Brasil que traga dados quanti ou qualitativos sobre a saúde mental de empreendedores sociais ou de impacto socioambiental. Contudo, pressões, frustrações, mudanças de rotas e problemas são também constantes no universo dos negócios que propõem impacto social positivo – sejam empreendimentos pequenos ou grandes, beneficiários, empresas, institutos, fundações, investidores ou intermediários. O malabarismo pode afetar a saúde mental e o bem-estar de líderes, segundo o artigo “These are the mental health struggles of a social entrepreneur” [“Essas são as lutas de saúde mental de um empreendedor social”], publicado pelo Fórum Econômico Mundial, em 2019.
Mas e quando na soma da imprevisibilidade acrescenta-se uma pandemia de nível global? O Coronavírus tem como uma das medidas de prevenção e para contenção da curva epidêmica o isolamento social. Idosos e portadores de asma, pressão alta e diabetes estão no grupo de risco desta doença que pode acometer qualquer um de nós – e que muda a dinâmica das nossas relações.
Aupa conversou com Lídia Nakamura Teles, psiquiatra e psicanalista, sobre as consequências deste contexto com Coronavírus. O mundo do trabalho, as ansiedades, a desinformação e as ações para o autocuidado são alguns dos temas do diálogo. “A pandemia traz uma série de imposições, restrições e consequências tanto no âmbito físico, quanto no financeiro. É uma mistura explosiva, pois são fatores de risco para a saúde mental”. Confira a entrevista:
AUPA – Com o isolamento social, devido às medidas de precaução ao Coronavírus, com o passar dos dias percebemos o despertar da ansiedade de algumas pessoas, de diferentes maneiras. O que fazer quando este tipo de angústia acontecer?
LÍDIA N. TELES – O cenário atual, ocasionado pelo Coronavírus, trouxe a necessidade de implementação de algumas medidas, como o isolamento de pacientes, a quarentena e o distanciamento social. Tais medidas repercutem de forma significativa na saúde mental das pessoas. Alguns estudos mostraram piora de comportamentos de inibição social, além de sintomas que se assemelham ao estresse pós-traumático e também raiva em situações de pandemia. Há ainda um risco maior de abuso de substâncias. O Coronavírus é uma doença de fácil propagação e de, ainda, poucas informações conhecidas, o que gera apreensão e insegurança. Diante disso, a angústia, o sofrimento, a preocupação, a raiva, o medo e a ansiedade são sentimentos que se manifestam. Reconhecê-los e admitir que fazem parte do contexto atual é um primeiro movimento para lidar melhor com isso. Limitar o exagero pela busca de informações e procurar fontes confiáveis, direcionar-se a uma atividade prazerosa, que consiga promover momentos de distração e técnicas de relaxamento e meditação também ajudam. E se a angústia estiver intensa e frequente, não deixe de buscar ajuda profissional. Lembrando que, quem já tem uma condição psiquiátrica de base, tem grande risco de descompensação deste quadro e precisa manter seu tratamento regular.
AUPA – Parte das preocupações está relacionada ao mundo do trabalho e as incertezas de emprego e renda que a medida de isolamento social projeta. Como isso pode afetar a saúde física e mental e quais procedimentos moradores tanto do centro quanto das periferias podem tomar?
LÍDIA N. TELES – A pandemia traz a preocupação com a repercussão econômica. Com a falta de trabalho, seja pelo acometimento da doença, seja pela quarentena ou pelo isolamento, pode haver um desequilíbrio financeiro súbito, que não fora planejado. Para lidar com isso, é importante acionar uma rede de suporte afetivo e emocional, que inclui família, amigos e comunidade. Engajar-se em grupos de apoio, manter os laços afetivos com amigos e familiares, mesmo que com recursos de comunicação à distância, são formas de lidar melhor com as aflições. Não podemos deixar que o isolamento físico impeça essa interação. Vemos um movimento interessante de incentivo a pequenas empresas, restaurantes locais e pequenos produtores.
AUPA – Pode-se esperar um maior número de pacientes com depressão a partir do contexto de hoje?
LÍDIA N. TELES – O confinamento traz limitação de espaço, há uma série de precauções de contato, mudança brusca de rotina. Sintomas depressivos e ansiosos são esperados nesse contexto, como uma forma natural de reação a incertezas e medos. Entretanto, precisamos nos atentar à evolução desse quadro. Às vezes, aquilo que estava dentro do esperado, exacerba-se e começa a trazer um impacto importante na vida do indivíduo, com grande sofrimento. É nessa hora que entra a patologia. Nota-se em algumas pessoas, uma certa distorção de percepção de risco, exacerbando o medo da contaminação. Um estudo feito em pessoas isoladas ou em quarentena em uma epidemia anterior, causada por outro tipo de Coronavírus no Oriente Médio, chamado MERS, encontrou taxas de mais de 40% de necessidade de intervenção psiquiátrica. Este número e bastante elevado quando se pensa em dados de prevalência da OMS do ano passado, em que uma em cada cinco pessoas que vivem em áreas de conflitos, tem algum distúrbio em saúde mental. A quarentena da SARS, no Canadá, em 2003, que durou cerca de 10 dias, trouxe um impacto de 29% dos indivíduos com sintomas de estresse pós-traumático e 31% com sintomas depressivos.
AUPA – Onde moradores das periferias ou mesmo aqueles da base da pirâmide socioeconômica podem encontrar ajuda psiquiátrica hoje via SUS? Quem não pode pagar uma consulta no psiquiatra ou nem mesmo comprar remédios, qual a alternativa?
LÍDIA N. TELES – O fluxo orientado pelo Ministério da Saúde para indivíduos que necessitam de atendimento em saúde mental visa identificação de necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias. O atendimento pode acontecer em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), formada por várias unidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de saúde. Integram a RAPS: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental. Quanto à aquisição de medicações pelo SUS, algumas são disponibilizadas em UBS (Unidade Básica de Saúde), CAPS e farmácias de alto custo.
AUPA – No que diz respeito, à saúde mental, qual a responsabilidade de um governo sobre as pessoas quanto a informações especulativas ou mesmo a dos cidadãos espalhando fake news neste contexto?
LÍDIA N. TELES – Em tempos de informações disseminadas de forma quase instantânea, especulações e fake news se proliferam. Pensando em termos de saúde mental, o esclarecimento adequado sobre a pandemia tem grande impacto na saúde emocional das pessoas. Pensamentos antecipatórios e catastróficos no cenário atual podem ser intensificados por notícias falsas. É de extrema importância que os órgãos de saúde pública sejam transparentes com a população, ao fornecer dados sobre a doença e condutas a serem tomadas se a pessoa apresentar sintomas. Recomenda-se sempre buscar informações de fontes oficiais e nunca encaminhar uma mensagem de conteúdo suspeito ou duvidoso.
AUPA – Qual mensagem, enquanto médica psiquiátrica, você pode passar à sociedade neste contexto pandêmico?
LÍDIA N. TELES – O isolamento imposto pela pandemia é bastante sofrido, em vários aspectos. Precisamos de estratégias para lidar melhor com este período. Informar-se, mas sem excesso, restringindo a busca de informação para uma ou duas vezes ao dia, no máximo. Consuma notícias de fontes confiáveis, jamais repasse uma informação de fonte incerta. Redirecione a atenção para uma atividade prazerosa. Higienização constante, sempre que possível. Alimentação adequada, estabelecer uma rotina, cultivar um bom padrão de sono, praticar alguma atividade física, meditação, técnicas de relaxamento. Não deixar de reforçar laços afetivos. Não pode visitar a avó? Ligue para ela. O vizinho não está conseguindo comprar seu remédio? Ofereça ajuda. Em situações de estresse, exercer a empatia nos traz um sentimento de conforto, pensando que podemos ajudar outras pessoas a não se contaminarem, em especial àqueles mais vulneráveis. Essa ajuda vem não somente com o distanciamento social, mas também com gestos solidários aos vizinhos, amigos ou desconhecidos.