Financiar ou reformar, eis a questão

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O Moradigna nasceu para levar reformas de cômodos insalubres para a população de baixa renda, parcelando em doze vezes. Parcelar foi a parte difícil.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Não dá para assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.” Dessa maneira Matheus Cardoso sintetiza o seu maior erro – e o maior aprendizado – à frente do Moradigna. A empresa já realizou mais de quinhentas reformas em cômodos e residências insalubres nas periferias de São Paulo. Mas se dar conta de qual era o problema no negócio não foi tão direto e simples quanto enunciar um ditado.

Fundada em 2015, o Moradigna nasceu para oferecer reformas à população de baixa renda no sentido de conferir mais conforto e dignidade à vida das pessoas. Uma obra pela empresa custa em torno de R$ 5 mil – muito dinheiro para pagar de uma vez só. Então, desde o início o Moradigna passou a financiar as reformas diretamente junto aos clientes, parceladas em até doze vezes, via carnês. E assim começou o erro. “Ou a gente criava uma financiadora para a população de baixa renda ou uma empresa de reforma. Os dois juntos é muito complexo”, conclui Matheus.

A Empresa

Segundo o Censo 2010 do IBGE, aproximadamente 2,2 milhões de pessoas da região metropolitana de São Paulo moram em habitações classificadas como “submoradias”. No Brasil todo, 8 milhões moram em áreas de alagamentos e enchentes, conforme dados desse mesmo ano. Brasileiros que vivem, diariamente, pela falta de dignidade, segurança e saúde, além do flagrante problema ambiental que isso gera.

Matheus foi forjado nessa realidade. Durante sua infância e juventude, o bairro de Jardim Pantanal, na Zona Leste da capital paulista, foi sua morada. A região é uma área da várzea do rio Tietê ocupada irregularmente no fim dos anos 1980. Basta o verão chegar, e pronto: as chuvas volumosas alagam o bairro e tornam insalubres as moradias de parte dos 135 mil habitantes do entorno.

Ao concluir o curso de Engenharia Civil, em 2015, Matheus decidiu atuar na sua vizinhança realizando reformas que tirassem a população daquela situação. E o pacote era completo: ao contratar o serviço do Moradigna, a empresa entregava mão de obra, materiais de construção e a gestão de todo o projeto – feita pelo Matheus. E ia além: até 2017, a própria empresa financiava a reforma para o cliente.

O Erro

“No começo, era uma lua de mel. Como eu atuava no meu território, o financiamento acabava acontecendo porque eu estava muito próximo das pessoas. Mas, em escala, era insustentável”, recorda Matheus. O processo de avaliação de crédito no Moradigna era simples até demais: uma checagem do nome da pessoa e sua renda. Uma vez aprovado, tudo certo, e a obra começava. Mas, conforme a quantidade de clientes crescia, apareciam os problemas.

“No começo, era uma lua de mel. Como eu atuava no meu território, o financiamento acabava acontecendo porque eu estava muito próximo das pessoas. Mas em escala, era insustentável”

De um lado, ao optar pelo financiamento direto, o Moradigna passou a ter dificuldades em gerir o caixa. A reforma era realizada em cinco dias com todos os fornecedores pagos. Já o cliente só quitava o serviço em doze meses. Para piorar, a análise de crédito não era eficiente. Resultado: a inadimplência. No pior momento, a taxa de pagamentos não realizados chegou a 27% do total dos contratos fechados, o que começou a causar prejuízo. A empresa pagava seus fornecedores, mas não recebia de seus clientes.

“Por mais que fosse uma empresa que fizesse reformas, percebemos que a operação de crédito era muito relevante no modelo de negócios da Moradigna”, comenta Anna Aranha, diretora da aceleradora de negócios de impacto da Quintessa. Matheus e o Moradigna passaram por processo de aceleração na Quintessa em 2017, e lá começaram a mexer nos vespeiros. “Também havia o questionamento do quanto o preço era suficiente para cobrir os impostos, despesas, lucro e também o custo financeiro que eles tinham a partir dos empréstimos que financiavam a operação”, complementa Anna.

É nessa hora que fica perceptível o tamanho do desafio de ser um empreendedor social. Além de entender se a necessidade do cliente é relevante, se a solução é adequada e se impacto social acontece, a empresa “também precisa entender de forma lúcida se modelo de negócio é sustentável financeiramente”, ensina Anna.

E, no caso do Moradigna, o entendimento passou por assumir que o financiamento exige um conhecimento que a empresa não tinha. E a especialidade de Matheus é obra, não é carnê. “A minha ingenuidade foi achar que era simples esse processo de acompanhar o empréstimo, a perda, a inadimplência… Financiamento é um universo! Por não conhecer esse mercado, não fazíamos nem o beabá”, recorda o engenheiro.

A Solução

Segundo Anna Aranha, há algumas dificuldades mais comuns na hora de bolar o modelo de negócio. Uma das mais delicadas mora nas análises financeiras. Ou seja, entender de onde vem e para onde vai o dinheiro.

Ao olhar com lupa a distribuição de receita, uma empresa pode perceber, por exemplo, que é muito mais atuante em um segmento de mercado do que em outro. Ou, ao estudar seus custos, perceber quais são seus fornecedores cruciais e decidir quais competências podem ser terceirizadas e quais devem ser internalizadas.

O Moradigna passou por esse processo. Assumiu-se que, com essa dificuldade de entradas, era preciso abrir mão da operação de crédito. Com isso, Matheus buscou bancos especializados em crédito para baixa renda. Agora eles analisam o perfil do credor, emprestam e acompanham a dívida. Hoje, estão juntos com ele Creditas Virtus Pay, a SP CRED, o braço de microcrédito do Itaú e o banco Pérola.

A decisão fez bem para o caixa: o que antes o Moradigna recebia em doze vezes, agora é pago pela financiadora à vista, que, por sua vez, recebe dos clientes a prazo e com juros amigáveis.

Os Desafios

O erro deixou algumas cicatrizes. Para segurar as contas, a empresa contraiu uma dívida ainda no modelo de negócios antigo, a qual agora se esforça para pagar. Segundo Matheus, a insistência pelo financiamento causou uma retração no negócio, mas o horizonte é positivo. Faturou R$ 800 mil no ano passado e a expectativa é chegar à casa do milhão em 2019. Manter o fluxo de caixa continua sendo um obstáculo, mas pelo menos agora a conta fecha.

 

O objetivo também é expandir o atendimento do Moradigna. Atualmente, toda a Zona Leste de São Paulo pode contratar seus serviços. Indo além, a intenção é abrir unidades nas zonas Norte e Sul da cidade e, possivelmente, uma no Rio de Janeiro. “Sempre tive que transitar muito entre territórios. É essa vida de tentar hackear esse sistema e pensar como criar pontes e fazer movimentações acontecerem”, conclui Matheus.