Mozart Ramos é enfático: “O Brasil precisa aprender com o próprio Brasil”. Ele é professor e ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tem uma trajetória de mais de quatro décadas destinada à Educação. Neste especial “Educação na pandemia”, o educador defende que o Brasil precisa investir fortemente na formação de professores e gestores escolares, com foco na aprendizagem dos estudantes. Mozart ainda destaca a necessidade de criação de uma agenda positiva e de se buscar alternativas como forma de superar a crise.
A importância da continuidade política também é um dos pontos abordados por Ramos. Por exemplo, em Pernambuco, no que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o estado conseguiu saltar da 21ª colocação, em 2007, para o primeiro lugar, em 2015.
Sobre o ecossistema de impacto, Ramos afirma que o Terceiro Setor vem investindo dinheiro na Educação e destaca que: “A Educação é o vetor essencial para o desenvolvimento sustentável de cada país”.
A seguir, confira a entrevista com Mozart Ramos sobre sua carreira, os impactos da pandemia na Educação, os desafios e a polêmica sobre o Fundeb.
AUPA – Você estudou em universidades públicas e trabalha em uma hoje. Como vê a relação entre ciência, inovação e a busca por investimentos?
Mozart Ramos – Toda a minha formação foi na universidade pública e na carreira pública também. Me formei na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também fui reitor. Por 13 anos, trabalhei com o Terceiro Setor, no Todos Pela Educação e no Instituto Ayrton Senna, e, a partir de janeiro deste ano, eu assumi a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Polo do Instituto de Estudos Avançados de Ribeirão Preto (IEA-RP) da Universidade de São Paulo (USP). Naturalmente, o que fica evidente é que qualquer país que quer ser protagonista precisa investir em Educação. O país deve levar a sério a Educação Básica, porque o que difere um país de outro são as pessoas. Então, é preciso formar os jovens na Educação Básica. Porém, Temos uma Educação Básica sem qualidade na aprendizagem. Por isso, é fundamental que a universidade pública também entenda essa importância, equilibrando esse trabalho. E a universidade pública precisa olhar para a Educação Básica, que precisa ser de mais qualidade, para que os resultados lá no topo se realizem.
Aupa – Você trabalhou com inovação e articulação no Instituto Ayrton Senna. O que pode comentar sobre a atuação do ecossistema de impacto? O que este setor pode melhorar?
Mozart Ramos – O Terceiro Setor vem conseguindo cumprir um papel estratégico na Educação. No próprio Instituto Ayrton Senna se costuma dizer com muita frequência que se trabalha com inovação. E inovação é tudo, pois ela empurra para a fronteira do conhecimento. Por isso, é preciso ter capacidade de resposta mais rápida na universidade. E o Terceiro Setor vem investindo dinheiro na Educação, como a Fundação Lemann e o Itaú Social. O Terceiro Setor ocupa espaço estratégico na tomada de decisões.
Aupa – Acha que, após a pandemia, a população, no geral, se mostrará mais interessada na pesquisa?
Mozart Ramos – A questão da ciência foi bastante ressaltada. Ela pode ser fundamental para problemas ideológicos e de outras vertentes, afinal desempenha um papel relevante. Por isso, a produção da vacina e o monitoramento do desenho da pandemia ganharam relevância – e, de fato, os governantes viram como estratégia do país. Mas estamos vendo o governo do Estado de São Paulo tomando uma decisão contrária. Eu represento a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), então olhamos a ciência mostrando um papel importante e o governo do estado tomando uma decisão de tirar dinheiro da ciência e da universidade pública. Essas coisas são incongruentes.
Saiba mais: no dia 8 de outubro, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP) informou que o governo do Estado de São Paulo excluiu as universidades estaduais paulistas e a Fapesp do PL 529/2020, que previa o recolhimento de seus respectivos superávits financeiros ordinários, referentes ao ano de 2019. Leia o comunicado completo aqui.
Aupa – Pensando na agenda 2030 da ONU, qual ação focaria no que diz respeito à Educação e à infância?
Mozart Ramos – A primeira infância ganhou relevância mostrando que essa faixa etária é fundamental para o desenvolvimento pleno da criança. A própria creche tem recebido atenção e qualidade, acerca daquilo que é oferecido. No passado, a creche era assistência social. Hoje, o cuidar é o binômio central para o desenvolvimento da criança. Então, a qualidade do ensino que tem a ver com a agenda brasileira. O país colocou as crianças na escola sem qualidade. Como colocar qualidade e quantidade? A educação é o vetor essencial para o desenvolvimento sustentável de cada país. A Educação tem capilaridade com outros elementos como trabalho, renda, desempenho social e saúde. Por isso, a Educação é central.
Aupa – Em outras entrevistas, você já falou sobre a importância de melhorar a qualidade da Educação Básica e que “só botar para dentro da universidade não basta”. Poderia falar mais sobre essa relação, por favor?
Mozart Ramos – No Brasil, de cada 100 alunos do Ensino Fundamental, metade chega ao Ensino Médio. Dos que concluem o Ensino Médio, apenas nove aprenderam o que se espera em Matemática. Isso tanto em escola pública quanto na particular. Por isso, a própria universidade fica com a qualidade comprometida. São universidades sem alunos preparados. A universidade precisa entender que isso respinga na sua qualidade. Há um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) sobre o acompanhamento de estudantes do ensino superior. De cada 100 estudantes que começou em 2010, 57 abandonaram a universidade. Ou seja, aquele problema de Educação Básica, nós temos no Ensino Superior, consequentemente. Parte disso tem a ver com a Educação. O Brasil precisa olhar para toda Educação ou o país não terá um desenvolvimento sustentável no cenário mundial. Tudo está relacionado com a qualidade da Educação oferecida.
Aupa – Em um artigo, você afirma: “Para resolver problemas complexos, é importante haver o compromisso entre pessoas e instituições de diferentes setores na construção de uma agenda comum”. Você poderia falar mais a respeito, por favor?
Mozart Ramos – O mundo traz muitas incertezas e o grande desafio de viver nesse mundo é produzir inovação a partir de problemas complexos e trabalhar em colaboração, em redes colaborativas. Ninguém resolve nada sozinho. Hoje, trabalhar em rede é central para resolução dos problemas. E como enfrentar problemas complexos com muitas incerteza? Você tem hoje uma sequência de complexidade cada vez maior. É necessário trabalhar de forma colaborativa e com pessoas que desempenham sua competência. Trabalhar em equipe, com criatividade e ter pensamento crítico é fundamental para isso.
Aupa – O que acha das startups de tecnologia voltadas à Educação, que auxiliam os educadores e as redes de ensino? Como enxerga as possibilidades de uso de tecnologia e onde elas estão disponíveis para a efetiva incorporação em seus processos educacionais?
Mozart Ramos – Em primeiro lugar o mundo não é digital. A tecnologia é um meio importante para vivermos. No caso, as startups produzem conhecimento e elas têm flexibilidade. Você não inova quando acerta tudo. As startups têm capacidade de desenhar a tecnologia em aspectos digitais e isso em várias áreas, como a Educação, dentre outras.
Aupa – Apesar da satisfatória presença de comunidades de empreendedorismo tecnológico em sua extensão territorial, ainda existe elevada concentração no Sul e no Sudeste. Como pode ser feita essa articulação entre empreendedores, grandes empresas, sociedade e instituições governamentais são beneficiadas.
Mozart Ramos – O Brasil é assimétrico. Há muita desigualdade. E isso ficou evidente na pandemia. As escolas privadas assumiram rápido o protagonismo. E essa assimetria se observa no país em várias áreas. Na Educação, na economia e na centralidade das regiões Sul e Sudeste. Todavia, começamos analisando algumas outras linhas de frente. Em Recife, o Porto Digital é referência para o mundo. E o Ceará é exemplo na educação infantil. É preciso olhar o país de forma mais sistêmica.
Aupa: Poderia falar sobre o Fundeb e as polêmicas sobre onde esse dinheiro será aplicado?
Mozart Ramos: O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) ainda está tramitando. O Fundeb tem sua característica e é um financiamento da Educação Básica central para a maior parte dos municípios e para tornar mais equânime a oferta educacional. Dessa forma, o Fundeb foi central para valorizar o professor. O novo Fundeb também aumenta dos atuais 10% para 23% a participação da União no Fundo. Será elevada de forma gradual: em 2021 começará com 12%; passando para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026. Isso amplia a participação do Governo Federal. E tem a novidade dele ser melhor distribuído, quando se olha, por exemplo, os municípios.
Aupa – Você já falou de modelos e estratégias bem-sucedidas de municípios de pequeno e médio portes, que, muitas vezes, com verbas escassas, obtêm resultados surpreendentes. Por que é difícil esses modelos se espalharem pelo Brasil?
Mozart Ramos – Porque tem características próprias. Por exemplo, no Ceará é um trabalho de muitos anos e que fez a diferença. O Brasil precisa aprender com o próprio Brasil, e isso já está acontecendo, com as escolas de tempo integral. Já há experiência, mas precisa de escala. Infelizmente, o país sofre com o descuidado das Políticas Públicas a cada governo. É preciso mobilizar a sociedade e trabalhar com evidências.
Aupa – Como enxerga o ecossistema de impacto no cenário da Educação, especialmente projetos de expansão dos negócios locais?
Mozart Ramos – Tudo tem a ver com Artigo 205 da Constituição Federal do Brasil. A Educação é dever do Estado e da família. É necessário que a Educação se desenvolva em colaboração com a sociedade, oferecendo iniciativas, seja de uma organização social ou não. Veja só: de cada 100 jovens, só 25 vão para o Ensino Superior! E também contribuir no campo cultural. Essas iniciativas fundamentam a ciência, a cultura e a inovação para o desenvolvimento pleno de nossa juventude. Essas iniciativas complementam onde o Estado não chega.
Não podemos esquecer que, para o enfrentamento da Educação, a qualidade do professor é muito importante – afinal, tudo passa pelo professor. É necessário a valorização do docente e que ele tenha as condições de trabalho para desenvolver todo o seu potencial. Temos que colocar a figura do professor central nesse cenário. Sem esse conhecimento não tem como ele ensinar. Após ser protagonista, se precisa de ciência, mas se precisa também de um professor bem formado. Um professor valorizado para que seus alunos possam se desenvolver.