O Pantanal nunca queimou tanto. Em 2020, o fogo já incinerou 3,4 milhões de hectares. Cada hectare corresponde aproximadamente ao tamanho de um campo de futebol oficial. Em 2019, no mesmo período, o fogo alcançou menos da metade dessa extensão: 1,5 milhões de hectares. Essa crise atingiu mais de duas mil espécies de plantas diferentes. Também impactou mais de mil espécies variadas de animais. São números que impressionam. Mas falar só de números não basta. É preciso contar histórias para entender o tamanho real dessa tragédia.

Comparação entre hectare e campo de futebol. Crédito: Equipe de arte Aupa.

No Mato Grosso, na comunidade de Barra do São Lourenço, uma queimada atingiu dezenas de casas. Enquanto tentava fugir, uma criança de 2 anos caiu no rio e morreu. O corpo só foi encontrado dois dias depois. Portanto, em pouco tempo, os pais perderam a casa e um filho. Agora tentarão reconstruir a vida de forma dramática.

Mas eles contarão com uma ajuda importante: o Projeto Comitiva Esperança acompanhou o caso e está agindo de diferentes formas na região. Começou em março, distribuindo proteção para Covid-19. E agora já trabalha em diversas frentes. “A gente precisa se unir nesse momento para começarmos a construção de abrigos emergenciais. É mais uma necessidade que vai surgir”, conta Beatriz Coelho, co-fundadora do projeto.  “Comitiva Esperança” é uma música de Almir Sater, que pertence à cultura pantaneira.

Beatriz Coelho, co-fundadora do projeto Comitiva Esperança. Crédito: Comitiva Esperança.
Beatriz Coelho, co-fundadora do projeto Comitiva Esperança. Crédito: Comitiva Esperança.

Ouça a canção que inspirou a Comitiva Esperança.

 A letra fala de um coletivo que chega para animar diversas regiões. “Queremos passar esse sentimento para as pessoas, para elas se sentirem abraçadas em um momento de dificuldade”, explica Beatriz, que é dona da Angí, uma empresa que produz chocolates orgânicos e veganos. Ela ficou mais preocupada com o Pantanal depois que ouviu os relatos do amigo João Mazini, que foi até Campo Grande quando a pandemia de Covid-19 estava começando. Comunidades pobres, que viviam basicamente do turismo, estavam ficando isoladas e sem assistência.

A Comitiva Esperança começou a ajudar com informações, máscaras, itens de higiene e alimentação. Eles organizam recursos para fazer essas doações. Só não podem doar álcool, por preocupação com dependentes alcoólicos. Ainda assim, o controle da Covid-19 tem sido bem sucedido, principalmente por acontecer em regiões que têm pouco contato externo.

Mas depois começaram as queimadas, que fugiram do controle. Novas dificuldades surgiram, assim como novas histórias tristes. “Ainda estamos na contenção de danos. Há famílias que perderam tudo. Tiveram até balsas queimadas. Então, colocamos entre as nossas demandas comprar novas balsas. Estamos vendo a questão do saneamento básico também. As pessoas moram sem caixa d’água. Vivem com tambores de 200 litros abastecidos por um caminhão pipa, mas não tem abastecimento com frequência. E essas pessoas estão respirando fumaça. É fuligem preta. Eu passei um final de semana no pantanal, respirando essa fumaça e, quando voltei, estava rouca, com sensações de tontura e passando mal. Imagina o impacto para quem vive lá todo dia”, relatou Beatriz. 

Mapa de progressão de queimadas em comparação a 2019. Crédito: LASA/UFRJ.
Gráficos das queimadas 2020. Crédito: LASA/UFRJ.

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Flora e fauna
Flávia Altenfelder Santos também enfrentou fogo e fumaça de perto. Ela fez parte de uma pequena equipe que combateu um incêndio de grandes proporções no interior de São Paulo. Foram só 11 pessoas inicialmente, com pouco ou nenhum treinamento, tentando apagar chamas que não paravam de se espalhar. Durante quase uma semana de trabalho árduo, as pessoas acumularam dor no peito, dor nas costas, arranhões e outros ferimentos leves. O problema só foi resolvido por causa da ajuda de um helicóptero. Flávia é gestora de comunicação de um projeto de agricultura sustentável, a Fazenda Malabar.

Flávia Altenfelder é gestora de comunicação de um projeto de agricultura sustentável, a Fazenda Malabar. Crédito: Fazenda Malabar
Flávia Altenfelder é gestora de comunicação de um projeto de agricultura sustentável, a Fazenda Malabar. Crédito: Fazenda Malabar

As plantações ficam em uma tríplice fronteira entre Campinas, Itatiba e Morungaba. “O fogo chegou em uma mata mais rala e mais bloqueada. O parecer do Corpo de Bombeiros é que ele só seria apagado com helicópteros, mas toda frota estava em Águas de Prata, onde tinha outro incêndio. Por sorte, um vizinho nosso se ofereceu para bancar um helicóptero e apagar o fogo por horas. Sem isso não teria apagado, porque eram muitos cipós e matas íngremes”, explica Flávia.

Tríplice fronteira entre Campinas, Itatiba e Morungaba. Crédito: Google Maps.

Questionada qual foi a principal consequência para a agricultura, Flávia explicou que não é algo visível imediatamente. “A nascente de um rio, que já está em uma área de muita urbanização, sente isso e passa a secar com o passar do tempo. São danos muito mais ecológicos do que diretos. Precisamos tomar atitudes, como fazer reflorestamento, para ter água daqui a 10 anos”.
A ONG Ampara Silvestre organizou uma “vaquinha” para ajudar apenas nas questões relacionadas ao Pantanal. A meta era arrecadar R$1,1 milhão e foi atingida com sobras, pois já somou R$2 milhões. Mas a ONG continua recebendo doações, pois planeja ampliar as ações no Pantanal. A doação pode ser feita no site Ampara Animal. A Comitiva Esperança também recebe doações para compras de cestas básicas e outros itens, que são entregues aos moradores de regiões isoladas do Pantanal.

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“Os vídeos da Duda (Eduarda Fernandes) chegaram ao nosso veterinário, Jorge. E ele já atuou na região. Então, perguntou se podia ir até lá como voluntário, com a Ampara bancando os custos. Ele foi e percebeu que a situação era grave. Então começamos a atuar em resgates de animais”, explicou Marcele Becker, uma das donas da ONG, que organizou um financiamento coletivo para ampliar o atendimento no Pantanal.

Marcele Becker, uma das donas da ONG Ampara Silvestre
Marcele Becker, uma das donas da ONG Ampara Silvestre

   Marcela explica as dificuldades de atendimento aos animais: “Duas onças resgatadas tiveram que ser levadas para Goiás. Antas estão em uma universidade, que não é o local adequado. A gente sente falta de um centro especializado para receber os animais”, conta ela. Outras duas dificuldades para quem atua na região são os acessos restritos, onde só é possível chegar de helicóptero, assim como a total falta de comunicação. “Não tem sinal. Enquanto estive lá, mal tive acesso ao telefone”, lembra Marcela.

Onça resgatada. Crédito: Eduardo Leporo.
Onças resgatadas em ação contra as queimadas Crédito: Eduardo Leporo.

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Apesar de todas essas dificuldades, o governo brasileiro demorou para agir. Marcela contou que Eduarda Fernandes  pediu apoio às autoridades inicialmente, mas não foi atendida. Depois pediu ajuda a outras organizações de impacto social e começaram surgir resultados. As ONGs deram mais visibilidade para essa causa, as imagens passaram a aparecer nos jornais e finalmente o governo começou a agir. “Hoje a situação está um pouco melhor, porque o governo ajuda com a Marinha e o Exército. Tem helicópteros e aviões jogando água, por exemplo”, comemora Marcela.

Mas nem toda ajuda do governo chegou ao Pantanal. O Auxílio Emergencial, criado para melhorar as condições dos brasileiros durante a pandemia, não foi entregue para muitos moradores da região. “A Comitiva Esperança tem zero ajuda do governo. E as pessoas não estão conseguindo o auxílio. Elas estão sendo assessoradas por nós e pelas igrejas para pedir. Mas não conseguem a aprovação. O meio rural está esquecido. São invisíveis sociais”, define Beatriz.

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É assim a vida no Pantanal atualmente: sem ajuda do governo, muitas vezes sem casa e praticamente sem fauna e flora. A partir de setembro, a tendência é que as chuvas sejam mais comuns e, aos poucos, as queimadas vão diminuir. O Pantanal vai aparecer menos nos jornais. Mas os problemas não vão acabar. Não são apenas números. São pessoas, animais e plantas que precisam de mais cuidados.

Crédito: Equipe de Arte Aupa.

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