Cristine, Vanda e Kerexú são mulheres indígenas que vivem em lugares diferentes, mas com a mesma causa na mente e no coração. Todas sentiram a força do impacto negativo dos não indígenas em suas aldeias e, juntas, decidiram contra-atacar. Inspiradas na ancestralidade dos antepassados que resiste há séculos no Brasil, as três guerreiras se preparam para ocupar outros territórios. O poder vem da palavra e a força de suas etnias, os Maxacali, os Witoto e os Mbya Guarani. São três mulheres e seus povos, na luta contra dois alvos: o pensamento do homem branco e as instituições. Elas querem ocupar o debate público, Brasília e outros espaços de poder. E, só vão parar quando os seus povos estiverem protegidos do impacto mortal do modo de vida das grandes cidades.
 

Com a palavra, a sabedoria e a força das guerreiras: K

Por que os povos originários devem ocupar espaços de poder dentro das instituições? 

 
Os povos originários detêm um conhecimento muito sagrado. Sabemos o que é ser sustentável e como se relacionar com todas as formas de vida de uma maneira respeitosa. O conhecimento dos diversos povos que resistem no nosso país está amparado por uma memória ancestral. É essa memória e esses conhecimentos que são transmitidos para as futuras gerações. É essa ancestralidade que já ocupa os espaços de poder. Nesses últimos anos temos assistido muitos povos indígenas, de diversas etnias, ocupando espaços em universidades, por exemplo. Sejam como alunos, e também como professores. Temos indígenas doutores que estão assumindo cargos importantes e assim transmitindo nosso conhecimento e sabedoria. Significa que os professores indígenas estão formando novos professores. Serão médicos e advogados, e há uma ampla atuação dos povos indígenas dentro das instituições. Nos museus fazendo curadoria e produzindo arte indígena contemporânea na Bienal, além de produções literárias e de cinema. Tudo isso traz a possibilidade da sociedade brasileira passar a respeitar. Porque muito do desconhecimento gera o preconceito. E se até hoje existe o racismo e o preconceito, é porque muitos desconhecem o passado. A escola não está dando conta de ensinar a verdadeira história dos povos indígenas e toda a riqueza cultural, espiritual, política que tem nessa ancestralidade transmitida em nossa memória. Eu vejo que a contribuição dos povos indígenas para o futuro da sociedade é fundamental. São povos de resistência que vem dialogando com todas as formas de vida, não somente as humanas. Por isso e, cada vez mais, a ocupação dos povos indígenas nos mais diversos lugares dentro das instituições é uma contribuição para uma sociedade mais justa, mais respeitosa e mais equilibrada.
 

Cristine Takuá é do povo Maxakali, professora e artesã, formada em Filosofia pela UNESP. Ministra aulas de Filosofia, Sociologia, História e Geografia na EE Indígena Txeru Ba’e Kua-I. É membro fundadora do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp), representante no Núcleo de Educação Indígena da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, fundadora e conselheira do Instituto Maracá. Cristine é proveniente da terra indígena Rio Silveira, localizada na divisa dos municípios de Bertioga e São Sebastião.

Como a visão de mundo dos povos originários pode fazer parte da solução para todos?

 
Nós não temos somente uma visão de mundo. Nós temos uma vivência relacionada com a natureza que a sociedade não indígena não compartilha mais. A gente acredita nesse modo de vida e se enxerga como natureza, fazendo parte da mãe terra. E acreditamos que é esse modo de vida com milhares de anos, que tem garantido a própria existência do nosso planeta. Por isso é importante trazer esses povos para o centro da discussão e da construção de políticas públicas. Historicamente, os povos indígenas ficaram ausentes dos processos de decisão ou das eleições. Sempre fomos marginalizados pelo Estado, uma vez que éramos tutelados e considerados incapazes de gerirmos nossos territórios, de conduzirmos nossas culturas, de fazer um controle social dos nossos povos. Hoje, a partir do momento que esses povos têm se organizado, temos compreendido sobre a necessidade de ocupar esses espaços de poder para tentar fazer que as politicas públicas já existentes sejam efetivadas nos nossos territórios. Mas não somente isso. A gente quer contribuir contra o aquecimento global e as mudanças climáticas que tem impactado a vida, o planeta e os animais. A gente sente isso na pele. Os nossos velhos tem nos dito sobre esses desequilíbrios causados por ações humanas como o desmatamento. Há o consumo desordenado e uma produção que não para e que polui. Esse acúmulo de riquezas tem gerado muitos problemas e para solucionar isso nós temos saberes ancestrais e uma tecnologia social que necessita ser compartilhada com quem desconhece isso. Precisamos olhar para esses conhecimentos como algo capaz de garantir a existência não só de nossos povos e não somente da floresta. Nossa luta se dá nessa direção. De garantir a vida de todos nesse planeta. 
 
Vanda Ortega Witoto é indígena da etnia Witoto, funcionária pública e técnica de enfermagem no Amazonas. Ela foi a primeira indígena vacinada no Estado e fez ampla campanha de mobilização pela vacinação no bairro do Parque dos Tribos, onde vive, em Manaus. Pré-candidata a Deputada Federal pela REDE por Amazonas. 

Por que os povos originários devem se candidatar nas eleições em 2022? 

 
Decidimos ocupar esses espaços depois de uma avaliação da conjuntura política atual e do ataque aos direitos dos povos originários. Esse momento de reflexão nos trouxe isso. Temos uma lacuna na demarcação de terras e uma brecha aberta para que governos entrem nesses espaços e ataquem os povos indígenas. Desde 2018 já houve um despertar com candidaturas que se apresentaram com força para ocupar esses espaços. Tivemos a eleição da Joenia Wapichana que vem fazendo uma defesa fundamental por direitos indígenas, demarcações das terras e a questão ambiental. Agora, em 2022, a gente se apresenta novamente para ocupar esses espaços. Percebemos que não basta existir o apoio de pessoas se não demarcarmos as terras. Para isso, precisamos ter alguém nosso que faça isso. Precisa da gente lá dentro do Congresso Nacional e em outras esferas da política brasileira. Nossa atuação e proposta é reforçar isso. Trouxemos isso no Acampamento Terra Livre em abril com o tema Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política. A ideia é não parar e ocupar. Precisasmos retomar os processos que estão paralisados na Funai ou no Ministério da Justiça. Por isso, candidaturas indígenas precisam ocupar, participar e decidir. Como candidata, estou levando esse propósito dos povos para dentro, para fortalecer políticas públicas como educação e saúde indígena. Hoje, tem gente que ocupa esses lugares e é contrária a tudo isso. Precisamos paralisar os projetos de leis e emendas constitucionais que são criados com intúito de exterminar os povos. Precisamos de uma Funai terrivelmente indígena para garantir a implementação de políticas de promoção de uma economia indígena e um modelo de produção etnosustentável e agroflorestal.
 

Kerexu Yxapyry é uma liderança indígena da etnia Mbya Guarani. É coordenadora da comissão Guarani Yvyryupa e coordenadora Executiva da APIB. Pré-candidata a Deputada Federal por Santa Catarina pelo Psol.

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