A Hand Talk foi pioneira ao criar uma solução digital de acessibilidade a deficientes auditivos. Mas demorou para que os potenciais clientes a vissem como um negócio, e não como filantropia.
Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz
“A gente precisou mostrar para as empresas que acessibilidade é uma oportunidade.” Ronaldo Tenório demorou para encontrar o equilíbrio entre ser “missionário” e “mercenário”, como ele próprio costuma dizer. CEO e fundador da Hand Talk, Ronaldo enfrentou o desafio de trabalhar em uma empresa charmosa e com uma causa forte: um tradutor de libras digital para a inclusão de surdos na sociedade. Porém o faturamento não vinha. Potenciais clientes da sua solução viam a Hand Talk apenas como mais um projeto legal, mas demoraram a entender que poderiam contratar seu serviço. A virada veio com uma mudança de mentalidade: falar menos da causa em si para aprender a se vender melhor, enquanto negócio. “Se o negócio for escalável, ganhar dinheiro e gerar impacto é a melhor forma! A turma do bem sempre tem que trabalhar de graça?”, questiona.
A Empresa
A Hand Talk é um dos cases queridinhos do ecossistema de empreendimentos de impacto no Brasil. O primeiro motivo foi seu pioneirismo. Em 2012, Ronaldo e seus sócios Carlos Wanderlan e Thadeu Luz desenvolveram um aplicativo de celular que traduz e ensina libras, a linguagem de sinais brasileira. O projeto inicial nasceu quando Ronaldo, ainda na faculdade, cursando Ciências da Computação, havia bolado o app como projeto acadêmico. Pouco tempo depois, em 2013, a solução havia ganhado um prêmio da ONU como um dos melhores negócios sociais do planeta.
O aplicativo é gratuito e continuará sendo. O modelo de negócios da Hand Talk é construído em torno de uma extensão instalável em navegadores. Por meio dela, o tradutor digital de sinais, Hugo, interpreta textos de sites na internet. Essa solução, especificamente, é um serviço vendido a empresas que desejam comunicar-se com o público surdo do Brasil – um total de 10 milhões de pessoas, segundo o Censo 2010 do IBGE.
Ao longo desses anos, a Hand Talk passou por processos de aceleração e mentoria importantes, como Quintessa, InovAtiva Brasil e Endeavor. Segundo Ronaldo, nos últimos dois anos, a empresa cresceu impressionantes 200% ao ano, alcançou mais de 2 milhões de downloads do app e tornou acessíveis mais de 5 mil sites. Entre seus clientes estão Maxmilhas, Magazine Luiza, Azul Linhas Aéreas, Natura, Samsung e BNG Pactual.
O Erro
Parece difícil de acreditar, mas, apesar do pioneirismo, a recepção à solução da Hand Talk não atraiu dinheiro logo de cara. Ronaldo conta que, no princípio, o jeito de sustentar o aplicativo rodando gratuitamente foi o de buscar empresas para que elas contratassem o serviço do tradutor. Em um primeiro momento, o foco foi chegar a negócios de pequeno e médio portes em modelos de assinatura mensal. Porém não demorou para entender que essas empresas não sentiam a dor de ter que alcançar surdos e nem tinham verba.
“No primeiro mês que apertar, um restaurante corta o serviço do site. A gente apostava mais nos planos via cartão de crédito. Só que vimos que o caminho não era por ali. Não tínhamos fechado nenhum grande case. E a grana do investimento anjo estava acabando”, recorda-se Ronaldo. “É nessa hora que o empreendedor fica criativo: quando o dinheiro acaba.”
Mas, mesmo ajeitando o foco, ainda haveria uma montanha a ser escalada: levar as pessoas a entender como sua solução beneficiaria seus clientes. “A gente percebeu que estávamos pendendo muito pro lado da causa. Falávamos nas reuniões sobre os surdos, como eles eram desprovidos de acesso, como se pedíssemos ajuda para os clientes. Mas a empresa que não é social não entende isso”, analisa. “Eles até se emocionavam nas reuniões, me abraçavam, porém iam embora e não fechavam nenhum negócio.”
O tempo foi passando, o dinheiro foi acabando, e a Hand Talk se viu muito próxima de baixar as portas caso não conseguisse atrair a clientela. A empresa ficou na UTI, respirando graças a uma bolsa de desenvolvimento científico vinda do governo federal. Os sócios pararam de retirar seu pro labore. O fundo do poço estava muito perto.
A Solução
Como ganhar dinheiro e mudar o mundo? A pergunta movimenta o ecossistema de impacto há tempos. No caso da Hand Talk, vender diretamente para o beneficiário iria gerar um conflito com a intenção de impacto, pois o preço poderia ser uma barreira ao acesso ao app. Vender para empresas, então, seria mesmo o melhor caminho a ser seguido.
“Quanto mais serviços vendidos a empresas, mais faturamento, mais lucro gerado, mas também novos conteúdos e espaços acessíveis aos surdos”, relata Anna de Souza Aranha, diretora de aceleração da Quintessa, por onde passou a Hand Talk no início da jornada. “Além disso, percebemos que havia necessidades reais do lado das empresas que a Hand Talk poderia suprir, como entrada em novos mercados.” Só que, dessa feita, em vez de pequenos e médios negócios, a Hand Talk miraria alto e venderia para grandes corporações – que, afinal, têm verba para investir em acessibilidade.
Falar em oportunidades era a chave. O Hugo permitiria que as empresas falassem com 5% da população brasileira que poderia comprar seus produtos. Além disso, os riscos de compliance para as companhias seriam reduzidos e as multas fixadas pela Lei Brasileira de Inclusão (n. 13.146/2015) para quem não possui sites acessíveis seriam evitadas. Ronaldo precisou aprender a trazer a ênfase para esses benefícios. Assim, finalmente, aprendeu a “se vender”, no melhor dos sentidos.
“A mudança no jeito de nos posicionarmos fez a gente amadurecer no mercado. Em 2014 falava-se pouco sobre acessibilidade. A gente mesmo ajudou a criar essa onda e acabamos nos aproveitando dela”, conta. “A gente diz para as empresas que quem não tiver acessibilidade está de fora.”
Para Anna, não existe fórmula única para equilibrar a causa com a busca por faturamento em um negócio de impacto. Mas o segredo pode estar em um olhar mais frio e racional para o modelo de negócios, de modo a entender o que de fato ele oferece como proposta de valor. “A Hand Talk mostrou que solucionar uma demanda social tinha correlação com solucionar necessidades de negócio não atendidas das empresas, alinhando geração de lucro e impacto”, conclui.
Os Desafios
Com a casa arrumada, Ronaldo e sua equipe estão em uma fase de levar o Hugo para fora do país e ganhar em dólar. A Hand Talk pode facilmente ser desenvolvida em outras línguas. Por isso mesmo, estão abrindo escritórios nos Estados Unidos, expandindo a equipe e buscando escalar novos clientes. “Eu tinha até um pouco de receio antes. Como se em um negócio de impacto fosse proibido ganhar grana. Não, cara!”, conclui Ronaldo.