Desde que comecei a pesquisar sobre negócios e investimentos de impacto, me deparo com a definição de que eles têm como objetivo, além de gerar lucro, contribuir para a solução de problemas socioambientais. E tenho visto atores do campo elencarem problemas, como a pobreza ou até as desigualdades sociais, enquanto desafios a serem resolvidos pelos negócios de impacto.
Quando vejo essas promessas, fico me perguntando onde foi parar o Estado como promotor de Políticas Públicas que buscam solucionar justamente esses problemas. Não estou dizendo que os negócios e investimentos de impacto não possam contribuir, mas sem uma visão crítica sobre o papel do Estado, qualquer ação com esse objetivo se torna, no mínimo, ingênua.
No âmbito da erradicação da pobreza, a principal ação estatal desenvolvida foi o Programa Bolsa Família. Criado em 2003, a partir da unificação de programas de transferências de renda já existentes, o programa é responsável por garantir que famílias pobres e extremamente pobres tenham um mínimo de dignidade. Contudo, desde 2013 o número de famílias incluídas no Programa Bolsa Família permanece estável, sendo que, desde 2015, já estava sendo identificado aumento do número das famílias pobres.
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Com a pandemia, esse descompasso entre o aumento da pobreza e a diminuição do acesso a Políticas Públicas se tornou gritante. As dificuldades de operacionalização do Auxílio Emergencial expuseram o grande número de pessoas que ficaram vulneráveis em função da pandemia, mas, certamente, teria sido menor se as políticas voltadas à população pobre estivessem acompanhando o crescimento da pobreza.
Mesmo o Auxílio Emergencial teve seu valor diminuído, justificado por um discurso de responsabilidade fiscal, passando a ser cada vez menos capaz de atender as necessidades mais básicas da população que dele precisa. Em virtude disso, atualmente, mais da metade da população encontra-se em alguma situação de insegurança alimentar.
Nas sociedades atuais, a única instituição capaz de universalizar acesso a serviços que garantem direitos é o Estado. Por mais escalável que seja o negócio de impacto, dificilmente um serviço ofertado por uma empresa com fins lucrativos poderá atender às pessoas sem restrições, como é dever do Estado no que se refere às políticas que garantem direitos universais.
Voltando aos negócios e investimento de impacto, um dos principais desafios desse tipo de iniciativa é identificar a causa do problema que se quer resolver. Entre as causas da pobreza, por exemplo, certamente está a falta de oportunidades para as pessoas vulneráveis. Mas é causa desse problema também a falta de garantia dos direitos mais básicos. Por isso, microcrédito produtivo, inserção de pessoas vulneráveis no mercado de trabalho, entre outras ações, podem, sim, contribuir para a solução desse problema. Mas elas precisam vir juntas com a reivindicação por direitos: direito à alimentação, direito aos meios mais básicos de sobrevivência para não ficar à mercê de iniciativas benevolentes que podem acabar a qualquer momento.
Sim, os negócios e investimentos de impacto são importantes. Tem o potencial de fornecer as oportunidades que o mercado tradicional não está disposto a oferecer. Podem resolver problemas que impactam o acesso a bens e serviços por diferentes públicos. Mas eles não podem se pretender substituir direitos.
Sem um discurso crítico sobre as causas dos problemas sociais para os quais os negócios e investimento de impacto pretendem contribuir e sobre qual o papel do Estado e do mercado no desenvolvimento de soluções, corre-se o risco de propor ações voluntaristas e com pouca efetividade.
Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.