A pandemia de Covid-19 e seus impactos representam uma oportunidade histórica para reformar os impostos corporativos globais e transformar nossos sistemas fiscais para melhor atender às necessidades das pessoas e do planeta. É inconcebível que as soluções oferecidas pelos países da elite mundial sirvam apenas para reforçar as desigualdades no regime tributário global, que há muito tempo excluem a voz e os interesses dos países em desenvolvimento e das pessoas do Sul Global.

A Global Alliance for Tax Justice e muitos outros no movimento por justiça fiscal criticaram a designação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um clube dos ricos, como líder na reforma das regras tributárias internacionais. Para conferir legitimidade a essa liderança, foi criado um Quadro Inclusivo que, até agora, apenas endossou o “acordo dos ricos”, Grupo dos Sete (G7). As propostas anunciadas em 1 de julho para novas regras tributárias globais não propõem soluções para os problemas fundamentais da atual arquitetura tributária internacional. Elas foram projetadas para acomodar o recente acordo do G7 sobre uma alíquota de imposto global mínimo às multinacionais de 15% e ignora as sugestões, propostas e comentários que vários países em desenvolvimento apresentaram ao longo de muitos anos de trabalho.

As propostas não cortam pela raiz os problemas de práticas e as regras atuais, que incentivam a transferência de benefícios e facilitam a evasão fiscal com impunidade. Limitar o escopo do Pilar 1 da OCDE/Quadro Inclusivo a um cento de empresas multinacionais não permitirá que os países em desenvolvimento coletem mais receita tributária de todas as multinacionais. O imposto mínimo global de 15% no Pilar 2 é muito inferior à média global de impostos sobre o lucro das empresas (que é de acima de 25%) e se aproxima mais dos 12,5% propostos por jurisdições de baixa ou nenhuma tributação. Definir o mínimo global neste nível não beneficiará o grande grupo de países em desenvolvimento que têm alíquotas de impostos corporativos muito mais altas. Em vez de acabar com a competição tributária, essa alíquota baixa colocaria os países numa corrida para diminuí-la ainda mais. Além disso, conforme proposto pela OCDE, o Pilar 2 daria a maioria das novas receitas aos países onde as sedes das multinacionais estão localizadas, e não aos países de baixa renda que mais perdem sua receita tributária devido às falhas das regras fiscais atuais.

Longe de garantir os direitos tributários dos países em desenvolvimento, as propostas vão limitar o direito de tributar dos países de origem a uma pequena proporção dos lucros de empresas multinacionais, e consolidar os direitos tributários dos países sede sobre os lucros globais. O arranjo institucional no qual essas propostas são “negociadas” carece de legitimidade, transparência e responsabilidade. As negociações a portas fechadas expõem os representantes dos países em desenvolvimento à pressão política e à manipulação para aceitar o acordo dos ricos.

Uma solução acordada em um processo politicamente enviesado e opaco, fora do sistema das Nações Unidas e sem a devida representação dos países em desenvolvimento, não pode ter legitimidade para ser um acordo internacional vinculante.

Um acordo global justo só será possível em um processo intergovernamental aberto, totalmente inclusivo e transparente, em que a sociedade possa responsabilizar os negociadores por propostas e decisões, e em que os projetos de acordos estejam abertos ao escrutínio público. Isso só será possível no âmbito de uma negociação intergovernamental na ONU, na qual todos os países possam participar igualmente.

Reiteramos nossa demanda pelo estabelecimento de uma comissão tributária intergovernamental universal e uma Convenção Tributária na ONU para abordar de forma abrangente os paraísos fiscais, o abuso fiscal por empresas multinacionais e outros fluxos financeiros ilícitos. Pedimos aos países que superem o bloqueio para trazer a reforma das regras tributárias globais para a ONU e que trabalhem juntos por um processo de negociação verdadeiramente inclusivo e transparente.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa. 

 

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