Cinco aspectos fundamentais para entender a gravidade das mudanças climáticas

O planeta está esquentando. De que forma isso impacta nossas vidas? Qual é a nossa responsabilidade e os desafios dos governos para salvar o planeta?

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A mensagem do sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é clara.O nível de certeza, entre 90 e 96%, de as causas estarem relacionadas com a ação humana, subiu para 100%. E ainda assinala na linha do tempo o início dos estragos — na Era pré-industrial, há mais de dois séculos. Desde lá, o mundo esquentou 1,09ºC, e desse total, apenas 0,02ºC podem ser atribuídos a causas naturais. Os 1,07ºC são decorrentes das atividades dos nossos ancestrais.

A primeira imagem foi feita pela Nasa em 4 de fevereiro de 2020 e a segunda em 13 de fevereiro do mesmo ano na região da Eagle Island. Ondas de calor causaram derretimento generalizado nas geleiras. Crédito: NASA

Para piorar, dos 191 países que assinaram o Acordo de Paris, pouco mais de dois terços fizeram a lição de casa. Isso significa que, se somarmos a redução de gases de efeito estufa, considerando o que os países prometeram fazer, ainda é insuficiente para limitar o aquecimento à meta de 1,5°C. Pensando em décadas, até 2030 e 2050, deveríamos fazer uma redução muito maior do que estamos atualmente prometendo. 

Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima. Crédito: OC.
Henrique Barbosa, docente do IF-USP e membro da nova composição do IPCC. Crédito: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

 


Mas será que conseguimos entender realmente o que representa a mudança climática e o impacto sobre a vida na Terra? Pedimos a ajuda de dois cientistas —
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, e Henrique Barbosa, docente do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da nova composição do IPCCpara que todos esses dados não sejam apenas números.

O acumulo de gases de efeito estufa são responsáveis pelas chuvas extremas em diversas partes do Mundo. Crédito: Getty Images

As causas
O relatório do IPCC atribui a intensificação dos eventos meteorológicos e climáticos específicos, como ondas de calor extremas e chuvas intensas, às mudanças climáticas. E o grande vilão para essas mudanças é a emissão dos gases do Efeito Estufa, em especial o dióxido de carbono CO2.

 

Crédito: Equipe de arte Aupa

Há um esforço para se produzir gráficos de fácil entendimento e traduzir a informação científica para uma linguagem mais leiga. No Atlas que o IPCC lançou esse ano, é possível acompanhar interativamente como o globo vai esquentar em cada um dos cenários e como vai mudar a precipitação (chuva, granizo e neve).

Informações com alta precisão ajudam no monitoramento e a cobrança com a preservação. Crédito: IPCC WGI

Mudanças climáticas também estão relacionadas com a produção de alimento, com o fato de você querer que haja todos os alimentos disponíveis em todas as estações do ano – como transportar bananas das Américas para vender na Europa. Ao invés de dar preferência ao consumo de frutas locais e depender de agricultura de pequena escala, de maneira local.

“São estilos de vida que foram cultivados e refletem no padrão de consumo das pessoas. Isso significa uma grande emissão de gases de efeito estufa na atmosfera”, analisa Henrique Barbosa.

Conab vê manutenção da tendência de alta de frutas e hortaliças crédito: pexel

No mundo, 70% da emissão de gases, em média, se devem a combustíveis fósseis, à matriz energética — o carvão mineral, que ainda é queimado para abastecer as termoelétricas.  E também o carro, que usa a gasolina e o diesel.

O principal problema do Brasil é o desmatamento, que ocorre majoritariamente na Amazônia, cujos Estados e Municípios são os principais emissores. Vale dizer que 99% do desmatamento que ocorre no Brasil é ilegal, segundo Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2020. Somos um dos poucos países no mundo onde está se emitindo mais e produzindo menos.

“O mundo inteiro está migrando para uma economia descarbonizada, ou seja, está reduzindo suas emissões e enriquecendo. Nós estamos emitindo mais e empobrecendo”,

afirma Stela Herschmann.


Os entraves
Tomadores de decisão, mais preocupados com eleições, com o impacto e o legado que seus respectivos governos deixarão. Há uma preocupação com fatos concretos: problemas advindos das mudanças climáticas exigem atitudes fortes, de custo político alto, para evitar resultados em uma escala de tempo mais longa do que o seu mandato.

Segundo Stela, isso realmente dificulta que os políticos abracem essa causa, pois não há como mostrar que um governo está evitando algo e trata-se de um custo imediato grande. A mensagem que a academia e os cientistas agora passam é que não há mais tempo a perder. Não há mais espaço para negacionismo, nem entre os cientistas e nem entre os políticos.

No Brasil, a MP da Eletrobras, aprovada em junho, está contratando emissões futuras para o Brasil. Haverá investimento em termelétricas e em gás, além de que será construída uma infraestrutura que deve demorar de 20 a 30 anos para se pagar. “Estamos indo na contramão: o mundo está se livrando de termelétricas e o Brasil está se comprometendo a construir”, resume a especialista do Observatório do Clima.

Termoelétrica de Sergipe. Crédito: Celse – Centrais Elétricas de Sergipe S.A
Crédito: Equipe de arte Aupa

O que está sendo feito
O mundo ainda é muito dependente de combustíveis poluentes. Por exemplo, a China é a maior consumidora de carvão e tem o maior número de termelétricas no mundo. Contudo, em sua participação na Assembleia da ONU, o presidente Xi Jinping anunciou que o país deixará de construir usinas termoelétricas a carvão no exterior. A China é, também, o país que mais instala painéis solares. 

Essas mudanças levam tempo, pondera Stela, mas os chineses possuem uma característica de “prometer menos e entregar mais”, o contrário do que costuma acontecer no Ocidente.

A Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC) da China informou que autorizou a abertura de 153 minas desde o mês passado para aumentar sua capacidade de produção em 220 milhões de toneladas. Crédito: pixabay

Na Europa, embora ainda exista uma dependência enorme, é possível observar compromissos grandes e ambiciosos em um espaço de tempo que permita essa transição. Por exemplo, a Alemanha tem feito ações positivas nesse sentido, como a atualização de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), prometendo o compromisso de neutralidade de carbono de 2050 para 2045. Hoje, o país projeta a realidade de 100% dos veículos elétricos nas suas cidades, a partir de 2030. Ou seja, banirá completamente a fabricação e a venda de carros movidos a combustão interna.

“Temos grandes emissores, como Estados Unidos e Europa, se comprometendo, mas o orçamento de carbono está bastante apertado”, avisa o docente do Instituto de Física da USP.

O que o mundo precisa fazer
Reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 45%, até 2030. Já será um salto tremendo. Para o mundo, isso significa iniciar um processo transformador de matrizes energéticas nos sistemas de transporte.

Passar para uma economia livre de carbono, até 2050. Ou seja, ter uma meta evidente de quando um país será neutro em termos de emissão de carbono. Não significa ter emissão zero, mas que qualquer emissão consiga ser neutralizada. Isso quer dizer, encontrar um balanço entre emissão e remoção de gases de efeito estufa, o que é ainda mais desafiador. Em suma, é cortar pela metade em oito anos e zerar até o meio do século.

Segundo as projeções das Nações Unidas, a população global já ultrapassa hoje 7,5 bilhões de habitantes e atingirá 9,7 bilhões em 2050. Crédito: Pixabay

Mudar as matrizes energéticas. Não é só tecnologia de painéis e placas solares e de hélices a ficarem em oceano ou terra firme, mas desenvolver tecnologias capazes de prover cada vez mais energia. E, além da distribuição dessa energia, tornar os eletrodomésticos eficientes no uso dessa energia.

O fator Amazônia
Uma das metas de curto prazo é proteger as florestas. Evitar o desmatamento e reflorestar. Afinal, florestas são importantes sumidouros de carbono. “Tínhamos um desmatamento médio de 6.500 km², na década de 2010. Em três anos do atual Governo, a média subiu para 10.000 km². São números não vistos desde o início dos anos 2000”, constata a especialista do Observatório do Clima.

Um país com 750.000 km2 de áreas degradadas, o dobro da área de soja plantada hoje, não tem justificativa para desmatar. Crédito: Mayke Toscano/Gcom-MT

A Amazônia é um dos elementos do sistema climático terrestre que os cientistas chamam de checkpoint, um ponto de equilíbrio instável. O caso é que não sabemos ao certo onde está esse limite em termos do desmatamento para a Amazônia. Se o ultrapassarmos, a floresta acabará morrendo, porque se quebrará o ciclo de chuva e evaporação que realimenta e transporta a chuva e a umidade mais adentro do continente.

Leia aqui sobre a importância das florestas para o equilíbrio do clima 

Pensar e olhar para o coletivo
Acerca do consumo, Stela Herschmann afirma que o impacto individual é muito pequeno. Ele só é sentido quando há um movimento grande, como o que está tendo na Europa para não se comprar mais carne do Brasil, devido à escalada do desmatamento. “Precisamos de ações sistêmicas. Aí se começa a mexer nas engrenagens dos negócios”, explica.

Individualmente, os dois cientistas concordam que o mais importante é usar o poder do voto com consciência. Não podemos nos dar ao luxo de escolher políticos, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo, que não tenham preocupação com a questão ambiental e climática. Está em nossas mãos.

 

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