As autoridades internacionais de Saúde, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), concordam que a obesidade infantil é um dos problemas de saúde pública mais sérios do século XXI e afeta a maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A prevalência da obesidade infantil está aumentando a uma taxa considerada alarmante. Os números afirmam essa constatação. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que 3 de cada 10 crianças de 5 a 9 anos atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estão acima do peso, um total de 4,4 milhões. Do total de crianças, 16% (2,4 milhões) estão com sobrepeso, 8% (1,2 milhão) com obesidade e 5% (755 mil) com obesidade grave. Abaixo de 5 anos, são 15,9% com excesso de peso.
E a pandemia causada pelo novo coronavírus, a partir da recomendação de isolamento social, teve um efeito negativo na saúde, pois houve um aumento dos índices da obesidade infantil. Foi o que apontou a Pesquisa da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em artigo publicado no Jornal de Pediatria.
Mas como a sociedade civil pode, em conjunto com Políticas Públicas, atuar nesse sentido? Quais as ações que estão sendo feitas? E como os pais e a sociedade podem cobrar uma agenda de prevenção da obesidade infantil no Brasil? Estas são algumas das perguntas que guiam esta reportagem.
Prevenção da obesidade infantil e distribuição de renda
A obesidade é definida como excesso de gordura corporal e o melhor tratamento para a obesidade infantil é a prevenção. E isso significa atuar nos primeiros anos de vida, estabelecendo hábitos de vida saudáveis, alimentação balanceada e promoção da atividade física. Mas como fazer isso, quando os fatores sociais que contribuem para a obesidade infantil vão muito além do controle da criança?
O Instituto Wellesley, dos Estados Unidos, aponta que as pessoas que enfrentam a pobreza ou outras formas de desigualdade e exclusão social têm pior saúde. As pessoas mais vulneráveis têm maior probabilidade de não ter acesso a serviços e apoios que possibilitem uma boa saúde. Por exemplo, as taxas de obesidade são mais baixas em bairros com acesso a locais que vendem alimentos nutritivos. Ainda assim, as comunidades mais pobres tendem a ter mais restaurantes fast-food e menos opções de venda de alimentos naturais para serem comprados.
Segundo a pesquisa “Reducing Childhood Obesity in Ontario through a Health Equity Lens”, organizada pelo Instituto Wellesley, “Um dos maiores desafios para lidar com as iniquidades em saúde é que as crianças sofrem um impacto particularmente negativo”, de acordo com a avaliação de Steve Barnes, analista de políticas do Instituto. Vale ressaltar que a pesquisa tem como recorte o estado canadense de Ontário. Logo, crianças em famílias e bairros mais pobres têm maior probabilidade de ter problemas de saúde e os resultados negativos para a saúde continuam ao longo de suas vidas. A desigualdade social também colabora para a piora da saúde de crianças aqui no Brasil. É o que afirma o estudo “Crianças, alimentação e nutrição: crescendo saudável em um mundo em transformação” da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). As crianças pobres são cada vez mais afetadas devido à ingestão de “calorias baratas”, como a farinha e o açúcar.
Fato é: a obesidade infantil é um problema de saúde pública. Assim, o trabalho em conjunto entre a população, os profissionais de saúde e os gestores públicos é muito importante para combater o seu aumento. É o que alerta Maiara Brusco, doutora em Nutrição e assistente de pesquisa do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), instituição que realiza pesquisas para analisar as práticas de aleitamento materno, consumo alimentar, além do estado nutricional de bebês e crianças.
“Isso vai muito além do consumo alimentar, tem relação com a renda, acesso ao saneamento básico, assim como acesso aos alimentos de qualidade e informação”, pontua.
Ou seja, os determinantes sociais da saúde, como desemprego, racismo e acesso inadequado aos serviços sociais, interagem e se reforçam no combate da obesidade infantil.
Ações em conjunto dos pais e sociedade civil
Acerca da obesidade infantil, há os seguintes fatores: o componente físico, uma vez que esta doença impede a criança de desenvolver atividades de forma normal com o restante dos amigos e colegas de escola; e risco de outros tipos de doenças derivadas da obesidade, como diabetes, hipertensão ou problemas coronários, entre outras.
Logo, os pais que têm um papel importante nessa atuação, também enfrentam dificuldade em montar um cardápio e oferecer algo mais saudável aos filhos, segundo as nutricionistas Debora Narana Chaves e Jaqueline Augustin Prates, da Alecrin Educação Nutricional. “A falta de tempo é sempre a maior desculpa dos pais sobre a alimentação dos seus filhos. A praticidade de alimentos industrializados ricos em gorduras e açúcar é algo diário na mesa das famílias brasileiras”, explicam.
Vale dizer que o acesso ao fast-food contribui para esse cenário. Por isso, é importante essa observação dos pais e da rede de apoio, segundo a nutricionista Jaqueline Augustin Prates. “As crianças só vão conhecer esse tipo de alimento se um adulto lhe apresentar. É fundamental que os pais evitem que esse tipo de alimento seja substituído por uma refeição completa e equilibrada nutricionalmente”, ressalta.
A nutricionista explica ainda que os pais podem contribuir com o próprio ambiente escolar. “É possível exigir que as escolas tenham um nutricionista que faça um cardápio equilibrado nutricionalmente e que realize supervisão semanal. É necessário também inserir atividades que envolvam as crianças com atividades e treinamento aos professores para que tenham esse incentivo diário dentro das escolas e nas suas casas”.
Por isso, a importância de um trabalho em conjunto entre a sociedade civil e o Poder Público, como enfatiza a Monica Lopes, presidente da Associação Alagoana de Nutrição (Alnut), filiada à Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN) e professora na Universidade Federal de Alagoas: “Compete aos profissionais de saúde e ao Poder Público promover a importância dos bons hábitos alimentares, principalmente durante os primeiros mil dias de vida da criança – período este que vai desde a gestação, passa pela lactação e continua até os dois anos”.
Políticas Públicas atuantes no combate à obesidade infantil
Nesse sentido, o redimensionamento de políticas de nutrição é de extrema importância no combate à obesidade infantil. Entre as ações de Políticas Públicas no Brasil que contemplam o enfrentamento está o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é regulamentado pela Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009 e atende aos alunos matriculados na Educação Básica da rede pública de ensino.
Há também uma agenda de prevenção da obesidade infantil no Brasil. O Unicef trabalha com parceiros para desenvolver e implementar intervenções estratégicas com foco na saúde. Por sua vez, o Ministério da Saúde tem lançado campanhas e divulgado materiais com o objetivo de prevenir a obesidade infantil no Brasil. Entre elas está a campanha 1, 2, 3 e já! Vamos prevenir a obesidade infantil, que tem como objetivo incentivar as crianças a seguirem três passos simples para evitar o sobrepeso: a ingestão alimentação saudável, a prática de atividade física e as brincadeiras longe das telas e da TV, celular e jogos eletrônicos. Além disso, em muitas escolas do país há aulas de aprendizagem nutricional, onde os alunos aprendem a ler os rótulos dos alimentos.
A boa notícia é que trata-se de um problema que pode ser evitado. Sem dúvida, parte importante da tarefa recai sobre as famílias, a começar pela importância do aleitamento materno precoce e exclusivo durante pelo menos os primeiros seis meses de vida.
O que ainda pode ser feito? Os serviços de creches e a Educação Infantil podem incorporar a observância rigorosa das diretrizes de alimentação saudável aos padrões de qualidade dos atendimentos. E mais: intervenções para apoiar pais, mães e cuidadores familiares nas tarefas de cuidar dos filhos devem dar mais atenção à questão nutricional como uma chave essencial para um bom desenvolvimento.
Sugestão de leitura
Guia Alimentar para a população brasileira
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Agenda de prevenção da obesidade infantil no Brasil – Unicef
Muito Além do Peso: O documentário Muito Além do Peso (Way Beyond Weight) aborda como a má alimentação está adoecendo crianças brasileiras, que cada vez mais cedo apresentam problemas cardíacos, de respiração e até mesmo diabetes.