Quando a empreendedora social Lilian Wutzke participava das ações de entrega de cestas básicas, na comunidade Parque das Flores, percebia um padrão entre o público-alvo: mulher, mãe solo e chefe de família em vulnerabilidade.
E esse modelo é uma realidade na Região Metropolitana de São Paulo, onde 39% das famílias são chefiadas por mulheres, segundo dados da Fundação Seade. O mesmo estudo revela que mais da metade (57%) das mulheres nessa condição não estão ocupadas – no caso de homens chefes de família, 28% enfrentam o desemprego.
Essa disparidade motivou Lilian a criar a ONG Protagonistas. A organização se divide em projetos que apoiam o desenvolvimento das mulheres com sessões de autoconhecimento, acompanhamento jurídico e psicológico; e as participantes do primeiro projeto recebem cestas básicas.
Confira a jornada da empreendedora social na entrevista.
AUPA – Como surgiu a ideia para iniciar a ONG Protagonistas? Como o programa atua?
Lilian Wutzke – Tudo começou com um projeto de entrega de cestas básicas em parceria com amigos que já atuavam na comunidade. Após um tempo, percebemos um padrão ali: mulher, mãe de muitos filhos, educação básica, mãe solo, chefe de família, relacionamentos abusivos e desemprego. Esse padrão foi o gatilho para percebermos que devíamos ampliar o nosso trabalho.
Com uma visão melhor sobre a raiz do problema, começamos a trabalhar com essas mulheres. Hoje, temos dois programas na ONG: o De Cesta em Cesta, que atua com cestas básicas para 50 mulheres e suas famílias, e o Grupo de Apoio Novo Ciclo, que trabalha para quebrar o ciclo de violência e miséria das mulheres em vulnerabilidade social, de modo a torná-las protagonistas das suas próprias histórias, com foco em desenvolvimento pessoal, autoconhecimento, atendimento psicológico e legal, educação, cursos profissionalizantes e inserção no mercado de trabalho.
“Pra mim duas palavras definem momentos importantes dessa minha trajetória: paixão e maturidade. Quando penso em paixão, o início de tudo em 2017, onde meu coração ficou no Parque das Flores e meu sonho era realizar um trabalho na comunidade. Quando penso em maturidade, nossa aceleração na Glocal, que foi fundamental para o projeto pivotar e focar no trabalho com mulheres em vulnerabilidade social”
AUPA – Como você vê a participação atual das mulheres em cargos de liderança no Brasil?
Lilian Wutzke – Há avanços no meio social e da Economia Criativa, ao mesmo tempo que há também muitas mulheres liderando projetos e negócios – porém, vale ressaltar que é um meio muito específico.
Já em áreas como tecnologia não há tanta representatividade. Já estive em muitas reuniões de trabalho onde eu era a única mulher entre homens brancos e héteros (em sua maioria). Apesar destas vivências, acredito que lideranças femininas trazem mais humanidade, paixão, foco e fluidez às empresas.
AUPA – Quais são os desafios enquanto líder na ONG Protagonistas?
Lilian Wutzke – Atualmente, os maiores desafios são financeiros, devido aos gastos com as doações de cestas básicas e à expansão dos demais projetos para mais mulheres. Precisamos de mais profissionais dedicadas ao projeto, ter espaços físicos permanentes e também equipamentos. Além do enorme desafio que é a jornada ao lado de mulheres que estão na descoberta de seu protagonismo.
AUPA – Quais desafios surgiram para a ONG Protagonistas durante a pandemia de Covid-19? Quais foram as adaptações necessárias?
Lilian Wutzke – O primeiro desafio foi ver o aumento imediato de famílias sem emprego e, consequentemente, sem comida. Logo nos unimos a parceiros de outros projetos para levantarmos maiores doações de cestas básicas para a comunidade toda.
Depois, o desafio foram os encontros que precisaram ser pausados. Adaptamos nosso cuidado às mulheres, utilizamos o WhatsApp ao nosso favor para manter contato e conhecer as necessidades individuais de cada uma em meio à pandemia.
Iniciamos alguns atendimentos com profissionais de psicologia via vídeo com algumas mulheres, continuamos as entregas das cestas básicas, mas adaptamos para cestas básicas prontas, ao invés de comprarmos os alimentos e montarmos manualmente as cestas, como fazíamos. No momento, estamos estudando a melhor forma de realizar encontros reduzidos, com distanciamento social, porque não podemos mais ficar paradas. Enquanto o vírus avança, nossas mulheres regridem em diversos aspectos.
AUPA – O que você acha que devemos refletir neste mês de março?
Lilian Wutzke – Sem dúvida o episódio do incêndio, que é o mais conhecido ligado ao 8 de março, marcou a trajetória das lutas feministas. Mas é importante lembrar que a luta por direitos iguais, direito ao voto e melhores condições de trabalho já havia começado muito antes. É importante que a data não seja apenas comercial, mas que faça-nos lembrar daquelas que lutaram e abriram um caminho, que continuemos a abrir outros caminhos, ao lado de todas as mulheres. A luta é constante, a mudança está acontecendo e cada passo importa.
Ao longo desse mês, a Aupa promove – no site e nas redes sociais – o especial #AupaMulheres. Serão conteúdos com diversas vozes de protagonistas do ecossistema propondo reflexões sobre a atuação e os obstáculos no setor.
No IGTV, o #SigaEssasMulheres traz cinco líderes, nos mais variados pontos de vista do campo, em um debate sobre um mundo mais igualitário.
Não perca!