Embora o Brasil se revele fértil para o desenvolvimento de negócios de impacto socioambiental, a ausência de regulamentações sobre o assunto o torna arriscado – sob a ótica jurídica – para atores importantes do setor, como acionistas, investidores, consumidores finais, além do Poder Público.
O Grupo Jurídico B, braço de Políticas Públicas do Sistema B, uma aliança internacional por uma economia mais sustentável, trabalha para modificar as leis existentes, a fim de apoiar aqueles que buscam maior propósito em seus empreendimentos. Um dos primeiros trabalhos foi a elaboração nacional das Cláusulas B, conjunto de ações jurídicas que as empresas certificadas pela rede adotam. Adequadas ao contexto local, as cláusulas existem em todos os países onde o movimento global “B” atua.
Tendo como referência as benefit corporations (empresas de benefícios) existentes em países como Estados Unidos, Colômbia, Reino Unido e Itália, em 2017, o grupo redigiu um esboço de lei trazendo essa proposta ao jurídico brasileiro.
“Existe um problema sistêmico da forma como o direito societário (empresarial) olha a atuação da empresa, que é a visão do não causar dano (impacto). A empresa pode fazer ‘qualquer coisa’ desde que ela não gere um dano”, conta Rachel Avellar Sotomaior Karam, coordenadora do Grupo Jurídico B. “Assim, as empresas trabalham com impacto neutro, porém (ele) desconsidera os efeitos colaterais de qualquer atividade, que não necessariamente é um dano”, completa.
Rachel vê como desafio – através dessa nova qualificação jurídica (a exemplo de Ltda., S.A. e EIRELI) – que o impacto não precisa ser neutro, ou que só o neutro não é suficiente.
“Comprovadamente, o impacto neutro não está criando desenvolvimento propriamente para o nosso país. Precisamos ter uma alternativa, virar para o impacto positivo”,
afirma Rachel Avellar Sotomaior Karam, coordenadora do Grupo Jurídico B.
Contribuições na ENIMPACTO
Parte da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, o GJB lidera o quarto eixo da iniciativa, visando uma “promoção de um normativo favorável” ao impacto, ou seja, legislação mais próxima aos empreendimentos de impacto. Entre as ações com colaboração do Grupo estão: o Projeto de Lei 338/2018, do senador Tasso Jereissati (PSDB), para regulamentação dos Contratos de Impacto Social, a Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos e a Política Estadual de Investimentos e Negócios de Impacto Social do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Minas Gerais e em outros estados (ainda em elaboração).
“Contribuímos com a revisão das propostas, no Rio Grande do Norte entramos depois da aprovação da política. Já no Rio de Janeiro participamos do debate, inclusive fomos à ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e apresentamos nossas considerações. Em Minas Gerais também, assim como em outros estados que estão discutindo essa possibilidade”, comenta Rachel sobre a participação nas políticas estaduais a favor da agenda. “Buscamos oferecer a visão nacional e a visão de integração dos estados entre si e depois dos estados com municípios, para que as leis não fiquem escassas e desconexas. Propondo que utilizem sempre a mesma nomenclatura, conceituação, estrutura, etc”, completa.
Esvaziamento dos termos
Rachel ressalta a importância de um nivelamento de termologia para impulsionar a temática: “Existe uma preocupação do Grupo para que os conceitos e termos não sejam esvaziados, pois eles não têm definição legal e são usados por cada um dentro de um contexto, querendo dizer algo determinado. Para o Direito, se você faz isso, ao longo do tempo, você esvazia o conceito”.
Como exemplo, ela cita um termo que vem ganhando força, o capitalismo do stakeholder, que preza pelos interesses de toda a comunidade impactada, direta ou indiretamente, pelas atividades de uma empresa. “Para nós, isso foi desenvolvido e sedimentado há bastante tempo. Não acredito que vamos barganhar com nenhuma onda nova. Temos uma visão muito clara do que é, de como que isso pode ser incluído no Direito brasileiro. E existe uma proposta sobre o tema em tramitação no Ministério da Economia. Para as organizações que estão começando a se aproximar agora, elas podem se aproveitar dessa bagagem que já foi desenvolvida, afinal são seis anos de dedicação do GJB neste tema”, diz Rachel.
Pedro Telles, gestor de relacionamento e comunidades do Sistema B Brasil, acredita que construir a pauta com pontos sólidos é importante para estabelecer o debate no Brasil. “Vejo como grande valor, porque, como ainda é um tema que está sendo muito discutido, as pessoas estão começando a conhecer. De vez em quando, pipoca um termo novo, aí todo mundo migra. Precisamos de um direcionamento mais evidente”, avalia ele.
O trabalho nas comunidades locais
Da porta para dentro da casa, o GJB realiza trocas locais com as Comunidades B e seu Círculo de Advogados B. “Com as Comunidades, o Sistema B encontrou a forma de expandir o trabalho para os outros estados, além de São Paulo, com maior solidez”, explica Pedro.
Essa ponte permite conhecer e apoiar as comunidades em questões formais, melhorar a interface com Legislativo e executivo locais, promover discussões jurídicas, além de disseminar conceitos fundamentais. “Sendo o objetivo do Sistema B, de maneira geral, é muito importante conectar essas pontas com toda discussão feita a nível nacional. Temos o desejo de continuar aprofundando essa relação, trazer novos avanços estaduais e o aprofundamento da agenda pelo Brasil”, comenta Pedro, contente com os resultados conquistados até aqui.
As Comunidades B abordam todos os assuntos, não só o jurídico. Nesses grupos, as pessoas se engajam de maneiras diferentes. De acordo com as possibilidades, elas vão se articulando. “Por exemplo, quando tentamos passar uma lei estadual – como já conseguimos, algumas vezes -, nos apoiamos também nesse círculo local para ajudar, em conjunto com o GJB (a nível nacional), os principais direcionamentos”, diz Pedro.
Covid-19
Ao virar a página dessa pandemia, a sociedade deseja um mundo muito melhor do que está agora. Rachel vê no contexto atual uma oportunidade de tratar esta melhoria esperada, de forma técnica e mais objetiva. “O melhor não se encerra na boa intenção. Não é ‘quero algo melhor’ e pronto: é necessário instrumentos concretos”.
Dentro da proposta do GJB sobre as empresas de benefícios, alguns instrumentos são propostos: um diretor de impacto, um comitê de stakeholder, o comitê indicar um membro do conselho de administração para ter coparticipação e um relatório de impacto aprovado junto com a aprovação de contas anual a que uma empresa está obrigada. “O convite é olhar a empresa como parte da solução dos problemas, e não única e exclusivamente como a criadora do problema que a filantropia e o governo vão resolver”, explica Rachel e completa: “A empresa pode ser a criadora do problema e também ter a capacidade de propor soluções. Algumas ainda não se dedicaram a isso. Precisam olhar, mensurar, encontrar, criar instrumentos dentro da sua própria governança e colocar em prática”.
Como Sistema B, algumas iniciativas de curto prazo foram criadas, como o CoVida-20, programa de financiamento para pequenas e médias empresas de impacto. A organização também flexibilizou e adaptou todas as cobranças e anuidades para as empresas B e várias outras campanhas.