Sandra Portella é mais que uma artesã. É uma marca. Procure lá no Facebook: “Sandra Portella Arte em Crochê”, com logo e tudo. Vende também pelo WhatsApp e pelo Instagram. Além disso, desde julho, comercializa através de sua vitrine virtual na mais nova plataforma de comércio justo do artesanato brasileiro, a Entusiasta. Não, não se trata de mais uma loja on-line de produtos artesanais. A venda de artigos é só parte de um projeto muito maior, ambicioso até: transformar milhares de artesãos brasileiros em empreendedores sociais. Sandra Portella já é uma delas.
Nasce uma artesã
Moradora de Santa Cruz, bairro da zona oeste carioca, Sandra precisou trabalhar duas décadas como auxiliar de escritório para então ficar desempregada. Só então enxergou uma saída em um velho talento adormecido desde a infância, quando aprendera a manejar com a mãe as agulhas de crochê.
Sua história como artesã começa tarde, só depois dos 40 anos de idade, e devagar. Suas primeiras vendas foram para os professores da escola onde o marido trabalhava como inspetor, em 2006. De lá para cá, foram dez anos produzindo bolsas, roupas e acessórios de crochê para grandes marcas cariocas, como Farm e Cantão. Mas sempre escondida por trás de alguma grife ou designer. Certo dia, ao ver uma bolsa tecida por ela, a ficha caiu: “Engraçado, não tem meu nome em lugar nenhum…”.
Campo de oportunidade
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), existem cerca de 10 milhões de artesãs e artesãos no Brasil. A vasta maioria produz obras em modo anônimo. Ou, na melhor das hipóteses, revendidas nas grandes capitais a um custo muito acima do valor de produção.
Para eles é que foi criada, em 2005, a Rede Asta, negócio social sediado no Rio de Janeiro que estimula grupos artesanais em todo o Brasil a transformar resíduos industriais em objetos de moda e decoração. Hoje, mais de mil profissionais fazem parte da rede. E, sim, tudo que eles produzem chega ao mercado com o devido crédito, vendido pela Rede Asta através de loja física, loja virtual ou negociação com o cliente final.
Neste mesmo meio, tem-se outra ficha que caiu, desta vez é a de Alice Freitas, cofundadora e diretora executiva da Rede Asta: “Em 2015, fizemos uma avaliação de impacto e percebemos que éramos nós que operávamos o varejo. Ou seja, as artesãs continuavam dependentes da gente. Nosso modelo simplesmente não alavancava sua carreira como empreendedoras.”
Daí a ideia: por que não reunir toda a experiência acumulada em dez anos e repassar o conhecimento às artesãs para que elas mesmas encontrassem o caminho do mercado? Em 2017, surge a Entusiasta. E Sandra Portella entra na história.
Saindo do anonimato
Sandra já conhecia a Rede Asta havia alguns anos, mas não fazia parte da rede. Até então, a empresa só aceitava grupos produtivos, como cooperativas e associações. A plataforma Entusiasta foi criada justamente para cobrir essa lacuna e permitir que também artesãs e artesãos individuais pudessem ter acesso ao mercado.
Como? Em primeiro lugar, por meio da chamada Escola de Negócios, na qual Sandra se inscreveu “sem pretensão alguma” no final de 2017. Para sua própria surpresa, acabou fazendo parte de uma das seis turmas presenciais criadas como piloto da iniciativa. “Quando me ligaram perguntando se eu não queria participar, achei até que era trote”, recorda a Sandra.
Tanto não era que, em poucos meses, Sandra criou seus canais de venda digital, aprendeu a tirar fotos bonitas dos produtos e retomou o contato com as marcas com as quais havia trabalhado. Agora como empreendedora, não mais como artesã. De quebra, graças a uma parceria com uma universidade local, ganhou todo o projeto visual de sua nova marca, incluindo logotipo, etiquetas e cartões de visita.
“Antes do curso, eu nem sabia que existia tudo isso”, confessa. Alice Freitas, por sua vez, comemora o sucesso da Escola de Negócios. “Em seis meses, formamos 700 artesãos”, ela diz, referindo-se apenas às turmas presenciais.
Sim, porque o foco da Rede Asta agora é desobstruir o trânsito entre o fazer artesanal e o consumidor final por meio da tecnologia. “Descobrimos que 46% dos artesãos no Brasil nunca usaram nenhuma tecnologia para vender seus produtos”, informa Alice.
Esse gargalo, segundo Alice, é uma das razões pelas quais os objetos artesanais não chegam ao mercado. “Nossa coordenadora visitou 274 lojistas no Rio de Janeiro para tentar entender porque eles não compram produtos dos artesãos. 95% deles responderam que simplesmente não sabem como achá-los. É uma desconexão muito grande.”
Artesãos da era digital
Assim, somando inclusão social com inclusão digital, a plataforma da Rede Asta chegou, em julho de 2018, com grandes aspirações. Em um único site, também disponível na forma de aplicativo, o artesão encontra uma vitrine virtual para vender seus artigos e uma rede social temática para troca de informações. Tipo um Facebook de artesanato. Além disso, fica à disposição a tal Escola de Negócios na forma de videoaulas gratuitas, sobre temas que incluem modelos de comercialização, planejamento da produção, montagem de coleções e pesquisa de tendências, entre outros.
A Rede Asta ainda lançou um aplicativo complementar à plataforma, destinado a ajudar as artesãs e artesãos a precificar seus produtos. “É tudo automático”, diz Alice Freitas. “Você cadastra os custos fixos, informa quanto precisa vender por mês para gerar renda e o aplicativo já manda o orçamento para o cliente com o preço final do produto.”
Sandra foi uma das primeiras a baixá-lo e, de cara, descobriu que o valor de seu trabalho era muito maior do que calculava. “Antes eu botava preço multiplicando por três, o custo do material. Hoje, eu sei qual é o valor da minha hora trabalhada. Até baixei o cronômetro no meu celular para saber o tempo que estou levando.” Traduzindo em números: antes, ela vendia uma colcha que lhe tomava um mês de trabalho por 180 reais; de agora em diante, graças ao aplicativo, a mesma colcha custará “no mínimo 1500 reais.”.
Daí o sucesso: menos de um mês depois de lançada, a Entusiasta já tinha mais de mil artesãos inscritos. “Queremos chegar a 20 mil no ano que vem”, afirma Alice Freitas. “E, em cinco anos, a 100 mil”. Para alcançar esse objetivo, incubaram a plataforma em uma aceleradora de tecnologia, a AbeLLha. Como mentora, contrataram Ana Julia Ghirello, fundadora do site Bom Negócio, hoje OLX, cujo desafio será o de conduzir a Rede Asta pelos caminhos da expansão como negócio social.
Para chamar investimentos
Segundo Alice, este é o momento para se testar modelos de financiamento. Entre as opções, estão a inscrição em editais, buscar fundos de investimentos de impacto e, mais adiante, a possível cobrança de uma assinatura dos usuários para acesso à plataforma. Por ora, continua tudo gratuito. “A gente quer que os 10 milhões de artesãs e artesãos do país usem, entrem e experimentem a plataforma”, diz Alice.
A julgar por Sandra Portella, a plataforma tem tudo para dar certo. Há pouco tempo, a artesã-empreendedora fez sua primeira venda pela internet. “Fiquei até surpresa”. Sem conhecê-la, nem ter visto os produtos ao vivo, uma mulher de Copacabana encomendou pela página do Facebook sete cactos de crochê para decorar a cozinha. Sandra não botou muita fé, mas enviou os produtos pelo correio e torceu para não tomar calote. Até porque o dinheiro não só imediatamente caiu na sua conta como a mulher ainda encomendou mais sete cactos. “Virou cliente”, comemora Sandra.
Ela diz que está chegando perto do sonho que há muito vem alimentando, o de ser reconhecida. “Queria que as pessoas soubessem que foi a Sandra quem fez.” Agora já sabem! E, para o caso de alguém ainda não saber, ela logo avisa: “Quer que eu mande meu portfólio”? Sim, Sandra Portella agora tem portfólio em PDF. Inclui breve biografia, fotos dos produtos, os links de suas páginas e até linha do tempo.
Eu sou artesão fabrico artesanatos de çipo e palhas em São Pedro da Aldeia Regiao dos Lagos