O jargão de que “política, futebol e religião não se discutem” é utilizado quando não se tem mais argumentos em uma discussão. Quando se trata de política, o assunto precisa ser mais do que discutido: é necessário que ele seja entendido.

Com o intuito de construir uma sociedade mais sustentável, onde todos possam ser ouvidos e viver dignamente, a Organização das Nações Unidas criou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a Agenda de 2030. E elas estão intrinsecamente relacionadas com a política e, obviamente, com o desenvolvimento de territórios e comunidades.

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU). Crédito: ODS Brasil.
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Sugestões para eleições 2020 Crédito: Equipe de Arte da Aupa.

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Segundo a Politize, organização da sociedade civil sem fins lucrativos (OSC) voltada para educação política, 91% das pessoas não estão satisfeitas com a democraci­a. E há mais evidências: 41% dos brasileiros acreditam que tanto faz viver em uma democracia ou não e 25% dos cidadãos no país aptos a votar não compareceram às urnas em 2018.

Na eleições de 2020, 34 milhões de brasileiros não foram votar no primeiro turno das eleições municipais, ou seja, 23,14% da população votante. 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou nas eleições de 2020 um aumento de 60,4 mil pedidos de registros de candidatura em comparação com o pleito de 2016. Ou seja, neste ano, foram 557.342 pessoas com desejo de serem candidatos a prefeito, vice-prefeito ou vereador, ao passo que em 2016 o número foi 496.892 brasileiros, ainda de acordo com o TSE. Desses, 528.421 tiveram suas candidaturas aceitas pela Corte eleitoral.

Representatividade na política
O Brasil ocupa a 134ª posição, dentre 193 países pesquisados, no que diz respeito à representação de mulheres na política. Isso quer dizer que há 15% de participação feminina na política, de acordo com o Mapa Mulheres na Política 2019, relatório da ONU e da União Interparlamentar. O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tem 9% de representatividade feminina, com duas mulheres entre os 22 ministros – Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), segundo a Agência Câmara.

Crédito: Equipe de Arte Aupa
Maria Victoria Benevides, socióloga e membro da Comissão Arns, Organização da Sociedade Civil em defesa dos Direitos Humanos. Crédito: Arquivo pessoal.

Para Maria Victoria Benevides, socióloga e membro da Comissão Arns,  Organização da Sociedade Civil em defesa dos Direitos Humanos, a organização dá visibilidade e acolhimento a graves violações da integridade física, da liberdade e da dignidade humana cometidas por agentes do Estado contra pessoas e populações discriminadas. “Nosso trabalho é realizado junto a organizações sociais para detectar esses casos, para dar suporte à denúncia pública dos mesmos, encaminhá-los aos órgãos do Judiciário e organismos internacionais, promover ações específicas junto à classe política e mobilizar a sociedade. Todos têm o direito de ocupar os espaços públicos”, enfatiza a socióloga.

De acordo com Marcelo Rocha, também conhecido como DJ Bola, cofundador da ANIP (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia), as minorias não estão sendo representadas na política e, mesmo que isso esteja diminuindo, a falta de representatividade ainda é gritante. “Hoje, tem muita gente da periferia se candidatando na política, coisa que era muito difícil há 10 anos. Esses espaços precisam de nós. Se sentir representado é importante”, relata Rocha.

Marcelo Rocha, também conhecido como DJ Bola, cofundador da ANIP (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia). Crédito: Arquivo Pessoal
Beatriz Pedreira, cofundadora e diretora de pesquisa do Instituto Update. Crédito: Arquivo pessoal.

Para Beatriz Pedreira, cofundadora e diretora de pesquisa do Instituto Update, organização que estuda a inovação política, existe uma grande barreira no Brasil: é preciso considerar a diversidade, afinal, sem ela não há democracia. “O que temos hoje é democracia decorativa. No Update temos os movimentos de renovação política, como o Tamo Juntas, Muitas e Frente Favela Brasil. São vários grupos, que não são partidos políticos, para engajar a população”, explica.

O Instituto Update tem parceria com outras organizações acerca de estratégias de candidaturas femininas, como a plataforma Impulsa e o Fermenta, um projeto de formação para campanhas políticas inovadoras. “Essas iniciativas são um processo de formação e informação para fazer as pessoas se aproximarem da política”, conta Beatriz.

Democracia no Brasil
Segundo a Comissão Arns, não podemos admitir que estamos vivendo numa democracia. Exemplos do autoritarismo, do desmonte de órgãos de controle, do clima de ódio e da exclusão social são evidentes, assim como a fragilidade do princípio republicano e democrático nos poderes constituídos. 

“O voto é de maior importância e deve continuar obrigatório. É pelo voto que a escolha de um trabalhador rural pode valer o mesmo que o voto de um latifundiário. A opinião política é formada por informação e comunicação democráticas”,

explica Maria Victoria de Mesquita Benevides, socióloga e membro da Comissão Arns.

Beatriz Pedreira, por sua vez, destaca que é preciso mudar no sistema a renovação dos partidários. A diretora do instituto Update e o DJ Bola concordam  sobre a criação de leis que obrigam os partidos a serem mais transparentes e terem cotas para representatividade. “Democracia interna dos partidos seria uma forma das pessoas se engajarem também. Democracia é vida e é melhor com ela do que sem ela, mas precisamos atualizar esse sistema político que foi criado no século XX para atender as demandas do século XXI”, enfatiza Beatriz.

“O processo devia ser mais humanizado, além de obrigar os partidos a receberem as minorias e, assim, todos poderiam ser representados – pois isso, sim, é uma representação democrática”,

explica o DJ Bola.

Beatriz ainda afirma que é um desafio engajar a população, que está distante do entendimento do que é política. Segundo a co-fundadora do Instituto Update, os partidos não cumprem suas funções e precisamos de leis para cobrá-los, para que possam atuar de forma mais transparente.

Analfabetismo político
A democracia existe para que as pessoas possam escolher os seus representantes, mas, se não houver a fiscalização, os direitos e as promessas não podem ser cobrados. Para isso, é preciso entender sobre o assunto – e, justamente por este motivo e visando a prática cidadã, existe a educação política.

Segundo Marcelo Rocha, o processo precisa ser mais humanizado, indo além da época de candidaturas e é necessário dar mais oportunidades e fazer investimentos para quem quer se candidatar.“Deveria ter cotas de mulheres, LGBTQI+, negros e periféricos – e, assim, todos serem representados”, afirma.

Vale dizer que o analfabetismo político se aplica aqueles que não se interessam, não pesquisam, não se informam e não participam como se espera da política. Por outro lado, a educação política é um processo de transmissão de informações e conhecimentos, cuja finalidade é disponibilizar ao cidadão um repertório que lhe permita compreender os diálogos dos debates políticos. Por isso, há organizações que oferecem cursos de formação política para a população.

Para a Comissão Arns, a construção de uma sociedade melhor decorre de um esforço coletivo, não só da sociedade civil, mas do conjunto dos poderes constituídos, como Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público.

Política na periferia
Segundo o DJ Bola, os movimentos políticos na periferia ainda são tímidos e não tem mecanismo para cobrança de direitos. Não existe um diálogo simplificado para que as pessoas da periferia acessem os centros. Os movimentos periféricos têm tentando conscientizar a população e, mais do que isso, fazem doações de comida, material escolar e o que mais as pessoas precisarem – coisa que o governo deveria fazer”, destaca ele.

Maria Victória Benevides, da Comissão Arns, completa: os grupos de periferias têm o direito de ocupar espaços públicos para expressarem livremente suas reivindicações. “São justamente tais minorias as mais atingidas pela atual ‘tempestade perfeita’ da crise sanitária, social, econômica, ambiental, política e da violência policial”, explana.

O cofundador da ANIP reforça ainda que há diversos tipos de desigualdades, relacionadas ao social, à econômica, à Educação, à qualidade de vida.  E a má política é causa de todas elas: “Isso precisa acabar e as pessoas precisam reconhecer seus privilégios. É necessário rever a taxação de impostos, pois os mais pobres pagam mais impostos e ficam cada vez mais pobres. O governo tem que investir em Educação, acesso à tecnologia e olhar para a diversidade”, enfatiza Rocha.

Mundo pós-pandemia

Com tantas questões pendentes no setor da política durante uma pandemia e com as mudanças trazidas por um ano atípico, surge uma pergunta: “Como será quando tudo isso passar?”. 

Bruna Toni, historiadora e professora. Crédito: Arquivo pessoal.

As dúvidas quanto ao futuro têm feito parte da vida muita gente e segundo a historiadora Bruna Toni, muitas adaptações vieram para ficar.“O que podemos esperar do dito novo normal é um mundo que vai rever o home office, pois antes as empresas tinham medo de como seria e hoje está dando certo. Mas ao mesmo tempo, as pessoas acreditavam que o ensino on-line seria bom, mas tem gente prezando pelo presencial. Então, fomos obrigados a experimentar o que funciona e pode continuar”, explica Toni.

A historiadora Bruna conta que a economia pode demorar para se estabilizar. “Até todo mundo voltar a ter emprego e as pessoas viverem com a redução de salários, vamos continuar nos adaptando. Os brasileiros tendem a se preocupar mais no coletivo. As pessoas precisam estarem dispostas a mudanças e pensarem nas futuras gerações, precisamos cuidar de onde vivemos para deixar um mundo melhor e se todo mundo pensar assim, os problemas sociais vão ser revistos”, conta Toni.

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