A Amazônia está no centro das discussões, em escala mundial. Mas o debate sobre ela não é uma novidade. Por isso, para entender os problemas atuais e as possíveis soluções da região, é importante falar com quem já cuidou disso anteriormente. E sobre este assunto, Denis Minev, co-fundador da Fundação Amazônia Sustentável e ex-Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas, tem muito a ensinar. Ele atesta que esse ciclo de atenção com a Amazônia já aconteceu antes, mas dessa vez tudo pode ser diferente.

De acordo com Denis, os outros ciclos de atenção da Amazônia foram o “Ciclo Chico Mendes” e o “Ciclo Marina Silva”. Eles tiveram méritos e falhas. O ciclo atual tem diversos protagonistas, sendo que um deles surgiu nos últimos meses: Joe Biden, apontado como vencedor da disputa presidencial dos Estados Unidos, costuma falar bastante sobre a Amazônia. Já prometeu ajudar a região financeiramente, mas colocou condições para isso. E segundo Denis Minev, a experiência dos americanos pode ser importante para o Brasil avançar nesse assunto.

Trecho do primeiro debate entre os candidatos à presidência nos Estados Unidos: Donald Trump e Joe Biden. A partir de 5’49”, as queimadas nas florestas tropicais brasileiras e o investimento internacional voltado à Amazônia entram na pauta. Créditos: CNBC.

Quanto ao Brasil, Denis entende que falta desenvolvimento em duas frentes: primeiro é preciso mudar a forma como a população enxerga a preservação da Amazônia. Ele entende que a região não deve ser vista apenas como um parque que precisa ser preservado como está. Além disso, para o ex-Secretário, faltam ações políticas mais eficientes, que envolvam principalmente as prefeituras.

Saiba mais sobre as ideias e propostas de Denis Minev na entrevista a seguir.

AUPA – Quais são os recursos e as ações da Fundação Amazônia Sustentável atualmente?
Denis Minev – A fundação foi estabelecida em 2008. Sou co-fundador e permaneço no conselho. Ela é voltada a dois temas: conservação do meio-ambiente e eliminação da pobreza em unidades de conservação da Amazônia. Ela foi estabelecida com três grandes doadores, a Coca-Cola, o Banco Bradesco e o Governo do Estado da Amazônia, com R$20 milhões. Nós buscamos mais recursos e usamos os juros para aplicar nas áreas de conservação.

AUPA – Como a Covid-19 afetou as ações da Fundação?
Denis Minev – A pandemia foi uma situação nova. A Fundação agilizou doadores para fazer ações de traslado de pessoas doentes e para distribuição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), para as pessoas se protegerem, principalmente as equipes de saúde do interior. Lá, ainda tem um aspecto indígena forte, que são pessoas com menos anticorpos, então foi um desafio significativo.

Ações da FAS durante pandemia. Crédito: FAS.
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AUPA – Em 2012, você foi selecionado como Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial. Como esta experiência influenciou na sua atuação sobre a Amazônia?
Denis Minev – Antes disso, servi ao Governo do Estado do Amazonas. E a seleção foi em grande parte por estar ligado ao Governo. Trabalhei como Secretário de Planejamento e foi um período de grande redução do desmatamento (de 788 km² desmatados em 2006 para 405 km² em 2009), ao mesmo tempo que a economia teve um bom índice de prosperidade. Aquilo chamou atenção do Fórum. De lá pra cá, tenho envolvimento com o Fórum, que é uma instituição global, onde jovens líderes trocam ideias e, para mim, tem sido muito útil ver como outras lideranças estão agindo ao redor do mundo. Tem pessoas que lideraram a Primavera Árabe e enfrentaram problemas que, sob alguns aspectos, eram mais complexos que os meus. Então, tem sido um processo de aprendizagem de liderança.

AUPA – Você tem longa formação no exterior, nas universidades de Stanford e da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Como é a visão americana sobre investimentos e meio ambiente?
Denis Minev – Passei 10 anos nos Estados Unidos e tive a oportunidade de estudar e trabalhar. Sempre foi muito útil essa conexão com os Estados Unidos. Durante o período em que estive no Governo, estabelecemos ligações com o governador da Califórnia, que na época era o Arnold Schwarzenegger. E na época (entre 2007 e 2009) se formou uma união razoável, que envolveu 20 estados e líderes da Amazônia. Aquilo surgiu, em parte, devido ao meu foco de trazer o grau de inovação e empreendedorismo da Califórnia, que são ingredientes que a poderíamos ter na Amazônia, para tentar virar o jogo. Temos um olhar de que a Amazônia é um problema. Essa visão é persistente. Já existia nos governos federais desde 2007. Encarar assim é muito ruim, até para avançar nas soluções. Claro que a Amazônia tem problemas ambientais, sociais, políticos e econômicos.

Mas a resolução disso envolve um conhecimento profundo da região, além de um alto grau de empreendedorismo e inovação. Temos que nos libertar de modelos mentais que imaginam a Amazônia como um parque nacional protegido para visitação.

É uma região para 20 mil pessoas, que estão tentando ganhar a vida. Isso não é compatível com uma visão de parque. Quando nos livrarmos da visão de parque, vamos entender que a necessidade de desenvolvimento econômico e social precisa estar embutido na conservação ambiental.

Floresta tropical amazônica. Crédito: Google Maps.

AUPA – Você acha que, quando falamos da Amazônia, ainda faltam informações sobre a realidade do território? Isso influencia nas medidas de impacto para a Amazônia?
Denis Minev – Atrapalha muito. Cria uma falta de empatia com os habitantes locais. O mundo externo tem um elevado grau de empatia com o tema ambiental, mas falta empatia com os habitantes. Assim, na hora de conceder licença para manejo florestal, mesmo um para um projeto sustentável, vem alguém com preocupação ambiental e tende a criar entraves. O resultado é um sistema no qual os empresários, mesmo aqueles que se preocupam em seguir as regras e obedecer as leis, não conseguem operar. E dentro desse sistema, quem consegue operar é quem escolhe informalidade e ilegalidade. É quem escolhe o caminho da propina, do suborno e do transporte ilegal na calada da noite. Isso impera na região e precisa ser contonardo e vencido. Não vai ser vencido com o envio do Exército apenas. Eles são importantes, mas isso vai ser vencido com outras alternativas, com cidades inteira tendo atividades econômicas.

AUPA – O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, fala muito sobre a Amazônia. Como você vê o posicionamento dele?
Denis Minev – A Amazônia passa por ciclos de atenção internacional. Vou chamar o primeiro ciclo de “Ciclo Chico Mendes”. Com ele e com a morte dele, o mundo despertou para a Amazônia, nos anos 1980. Depois teve um segundo ciclo, que vou chamar de “Ciclo Marina Silva”, que é entre 2003 e 2005. Até tivemos um pico de desmatamento, mas com uma redução grande depois. Agora vivemos um terceiro ciclo. Já está virando rotina. De 15 em 15 anos, o mundo desperta para a Amazônia. Nos ciclos passados, cometemos erros de desenho que fizeram com que não conseguíssemos resolver problemas. O problema é não ter encontrado um modelo econômico que permita prosperidade com conservação. A esperança é que agora encontre. Com Biden, provavelmente, a Amazônia terá um alto grau de atenção. Essa atenção pode tomar várias formas.

A esperança é que tome uma forma que se preocupa não só com a conservação, mas com eliminação da pobreza. A economia subsiste na Amazônia, é apenas por programa de transferência de renda, como o Bolsa Família, do Governo Federal. Isso não é economia de verdade. Economia de verdade é aquela onde as pessoas produzem.

A esperança é que, com esse clima internacional, se adquira compreensão mais profunda da região para entender os mecanismos que a gente precisa desenvolver. Para não voltar ao cenário anterior e falar disso em 2035.

Chico Mendes foi um seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro. Crédito: Xapuri Socioambiental.
Marina Silva é historiadora, professora, psicopedagoga, ambientalista e política brasileira Crédito: Wikipédia.

AUPA – E no Brasil? Como vê a atuação da política brasileira sobre a Amazônia?
Denis Minev – Minha leitura é de que falta empatia nacional. Na eleição de 2018 o povo da Amazônia votou em massa em um candidato da direita. Tem um motivo evidente. A partir de 2013 ou 2014, quando encerrou o superciclo de commodities, o Brasil entrou em uma fase ruim. A Amazônia dependia de repasses e entrou em depressão. Como a região é grande, a depressão é distribuída. Ainda hoje há lugares onde essa depressão acontece. As cidades são quase ilhas e têm depressão desde 2015. A Amazônia nunca saiu daquela crise que saímos, de 2015, que levou ao impeachment da Dilma. Tudo isso teve implicações regionais enormes. A Amazônia continua convivendo com elas. Por isso o povo votou pela mudança. Isso, obviamente, em uma leitura rasa. O resto do Brasil olha pra Amazônia e não entende por que acontece desmatamento. Mas ninguém desmata por desmatar. A maior parte está ligada a algum grau de atividade econômica que precisa existir. E quando isso não acontece, eles buscam meios ilegais. Um dos erros, durante a gestão da Marina Silva, foi o alarmismo, porque se instituiu em muitas leis que se tornaram dificuldades enormes para as atividades econômicas. Isso fez com que se buscasse a informalidade, que hoje é a principal fonte de renda. Quando mandam exército para abrandar e interromper atividades,  em geral, isso não terá apoio local. Esse é o problema. Sempre insisto que o prefeito é ator principal e mais relevante. E eu posso dizer que o tema ambiental não está na vista maioria dos prefeitos hoje. Já esteve no passado, quando o Governo Federal fazia convênios com as Secretarias de Meio Ambiente. Fez isso de 2005 a 2008. O dinheiro capturou a atenção dos prefeitos. Você teve dinheiro alinhado para redução do desmatamento. Mas o prefeito hoje sabe que o dinheiro não vem do Governo Federal. Essa é a falta da compreensão do problema político da Amazônia. 

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