O auxílio emergencial de 600 reais – criado para aliviar o impacto da pandemia nos trabalhadores informais – colocou de vez na mesa o debate sobre a renda mínima. Ao longo das últimas semanas, em diversos artigos de jornal e lives, escutamos versões distintas desse tipo de proposta, assim como manifestações críticas derivadas de preocupações com a situação fiscal do País.

O debate emergiu porque o Brasil “descobriu” com a pandemia que mais de 40% dos seus trabalhadores eram informais. E esse é um dado de janeiro de 2020, anterior ao início da crise. A discussão é oportuna, pois a informalidade gera enorme instabilidade econômica para comunidades inteiras. As receitas do trabalhador informal flutuam de modo substancial ao longo do ano – o que o torna particularmente vulnerável a situações de queda mais aguda do nível de atividade econômica, como a que vivemos agora.

Quando nos referimos à informalidade, estamos falando dos milhões de trabalhadores que não contam com a proteção proporcionada pela CLT: ambulantes, cabeleireiras e manicures, faxineiras, produtores culturais, pedreiros, doceiras, motoristas de aplicativo, feirantes, pescadores e centenas de outras ocupações mais ou menos conhecidas. Além da renda flutuante, esses trabalhadores não contam com os diversos benefícios que contribuem para a redução do estresse econômico dos empregados formais, como férias, 13º, vale-alimentação, seguro saúde, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, indenização por rescisão contratual e aposentadoria. A verdade é que não é mole viver em contexto de permanente insegurança econômica.

O pior é que essa situação se perpetua ao longo do tempo e pode piorar no futuro. Por um lado, dos milhões de jovens desempregados neste momento, a maioria nunca vai conseguir uma posição estável no mercado de trabalho. E, em algumas periferias, já estamos observando taxas de desemprego próximas a 50% para jovens de 18 a 24 anos. O que o País tem a oferecer a essa geração?

Por outro lado, os rápidos avanços tecnológicos em curso – como robótica, inteligência artificial e internet das coisas – prometem eliminar milhões de empregos que hoje são ocupados por trabalhadores menos qualificados. Depois de instalar terminais de autoatendimento, algumas lojas já demandam menos vendedores. Os estoques de grandes organizações estão sendo automatizados, reduzindo substancialmente a demanda por estoquistas. Máquinas estão substituindo indivíduos na linha de montagem e na agricultura, e a inteligência artificial já diminuiu a necessidade de profissionais de telemarketing. Infelizmente, nesse tipo de contexto, em geral, os demitidos são os menos escolarizados – aqueles com mais dificuldade de se adaptar às novas tecnologias.

Em outras palavras, não apenas já temos milhões de trabalhadores informais e desempregados, mas o futuro aponta para um cenário em que o mercado de trabalho será ainda mais restritivo.  E, enquanto ignorarmos essa dura realidade, continuaremos a reviver sem trégua o ciclo de reprodução de periferias, gerando mais desigualdades, mais violência, mais condomínios fechados (na busca por segurança) e mais pressão sobre as políticas sociais.

Promover o empreendedorismo é importante, mas é ilusório imaginar que essa seja uma solução estrutural para resolver a situação econômica de 50% da população brasileira.

E, embora a renda mínima não vá acabar com nossos graves problemas sociais, ela pode funcionar como um importante colchão de amortecimento, inclusive para os milhões de microempreendedores que perdem tudo em situações de crise.

A exitosa experiência do Bolsa Família já oferece algumas lições relevantes. É essencial termos um olhar diferenciado para famílias com crianças e para mulheres chefes de família. Precisamos de cadastros de qualidade para reduzir fraudes e atuar com justiça. E o fortalecimento da rede socioassistencial criada pelos municípios permite ao Estado atuar de forma diferenciada nos locais com maior concentração de problemas.

Em um país desigual, como o Brasil, a única objeção séria a um programa desse tipo diz respeito à situação fiscal. Mas o País já escolheu formular políticas ousadas em situações fiscais extremas – caso da criação do SUS no início dos anos de 1990. Para financiar a política de renda mínima, será necessário rever isenções como as voltadas para gastos de saúde e educação no imposto de renda. Precisaremos eliminar o privilégio exorbitante dos mais ricos de não serem taxados quando da distribuição de dividendos. E podemos reduzir incentivos fiscais para setores que vão muito bem, como a agricultura. Tudo isso vai mexer no meu e no seu bolso.

Mas precisamos falar sério se quisermos um País de verdade, não é mesmo?

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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