Inicio este texto em meio ao caos do Covid-19. Embora tenha muito a falar sobre a pandemia, neste momento minha cabeça pensa conforme os meus pés pisam, ou melhor, conforme minha mente vaga nas leituras e nos escritos de outros povos. Ao ser questionado sobre a possibilidade de estar presente numa aula no início da pandemia, um grupo indígena respondeu: “Há quinhentos anos que os índios estão resistindo a todas as doenças dos brancos, não será essa a nos impedir”. Outro povo também indígena respondeu sobre os desarranjos políticos do governo brasileiro: “O povo indígena tem 500 anos resistindo, estamos preocupados como os brancos vão escapar dessa”. E é sobre estes dois trechos que chamo a nossa atenção: será se temos condições de olhar para esses anos e compreender as formas de sobrevivência e as estratégias de viver frente a tantas formas de violência?
Nunca ficou tão evidente que somos definitivamente diferentes, que não somos iguais frente às possibilidades e tão pouco frente às desigualdades. Será mesmo que somos empáticos? A empatia é se colocar no lugar do outro, será mesmo que temos condições de sermos embaixadores de como o outro ou a outra se sente? Tenho acordado nestes dias com a seguinte frase: “O que posso fazer para melhorar hoje?”. Isto mesmo, eu, enquanto ser humano, no que posso melhorar? Essa busca, mais do que nunca, se faz necessária, por muito tempo acreditamos que compartilhar os espaços e os lugares de fala, nos colocava como igual. Será?
Aílton Krenak, líder indígena, escreveu no livro Idéias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras, 2019): “Se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir a nossa mente para alguma cooperação entre os povos e não um salvar o outro, mas salvarmos a nós mesmos”. Faço esse convite: como eu ou você podemos alterar os rumos do que temos feito a partir de uma reflexão do que, de fato, para nós é essencial? O que é preciso para ser feliz hoje? Meu consumo é racional, impulsivo ou compulsivo? O que meu Negócio de Impacto, sendo ele da periferia ou não, propõe solucionar? Como eu tenho desenvolvido essa solução? Minha prática empreendedora dialoga com o meu consumidor final ou meu produto ou serviço é pensado para este, sobre este e não com o este? Já se perguntou se faz seu trabalho para o outro ou com o outro?
Refletir sobre esses pontos, talvez (e só talvez), nos potencialize a passar por essa crise mundial e ajudar na construção de um outro mundo, centrado no fazer cooperado, nas ações conjuntas e justas. Há muito temos questionado, em ambos os lados da ponte, sobre quais os privilégios e a escassez que cada um carrega. Hoje, refletindo sobre esse cruzar das pontes, posso perceber o quanto colocamos as nossas réguas para mensurar a outra e o outro. O que é para você, pode não ser pra mim e que bom que é assim. Precisamos recuperar a ideia de sonho como caminho de aprendizado, de autoconhecimento sobre a vida e a aplicação deste conhecimento na sua interação com outras pessoas. Nossos desejos de mundo melhor têm que transcender o nosso fazer. Digo sempre que o dia mais importante das nossas vidas foi o que nascemos e o segundo dia mais importante é quando descobrimos o nosso propósito. Já se perguntou qual é o seu? Frente a você mesmo, não ao que os outros esperam que faça.
O que é tudo isto que estamos vivendo? Por que estamos enfrentando a dor de ficar em casa, sem saber, às vezes, como agir com os nossos, sejam eles filhos, esposos, pais e mães? Onde nos perdemos de nós mesmos? Por que garantimos tantas entregas e estamos exaustos ou vazios de nós mesmo? Quais são as nossas referências genuínas, que nos fizeram ser e não ter? Fica agora essa reflexão dentro do tempo e do espaço que o universo nos oferece neste momento. Quais caminhos seguir, quais outros deixar para trás? O que reinventar no meu empreendimento, no meu fazer cotidiano, qual mercado quero atender, a partir de agora? Que mundo empresarial eu quero: o que coopera ou o que compete? Abriremos os mercados e as estratégias de sobrevivência financeiras ou ficaremos fadados ao acúmulo que nos trouxe até aqui? E aí, como reinventar nossas relações com o universo? O que você pode fazer para melhorar hoje? São algumas perguntas e inquietudes para o curto e o longo prazos.