O Brasil tem nove startups valendo mais de US$ 1 bilhão e todas remam em direção contrária aos  negócios de impacto. Unicórnios sociais não existem; melhor não buscar o que não vai encontrar.

Negócios de impacto estão mais para coalas do que para unicórnios. Na fauna, os bichanos australianos existem e têm muito a ensinar sobre os efeitos da ação humana e seu impacto social. Já os unicórnios, nunca passaram de fábulas inventadas por alguém atrás de uma tela de planilhas de lucros da bolsa de Nova York. Eu nunca vi unicórnios ou investidores bilionários realmente comprometidos em diminuir a vergonhosa desigualdade social que só cresce no Brasil e no mundo. Pelo contrário, quanto mais unicórnios aparecem, mais estragos eles fazem.

Último relatório da OXFAM traz a assombrosa conta que os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres da África. Isso mesmo. É surreal, bizarro e inimaginável, assim como os unicórnios. Enquanto esses 22 homens buscam startups para investir e encher ainda mais o bolso, o mundo entra em colapso. Não há argumentação racional ou moral para justificar esse acúmulo. Quem busca impacto, busca equidade e igualdade de oportunidades. Em pleno século das fake news, quem acredita no conto de fadas do “estou gerando emprego” é, no mínimo, mal informado. Acreditar que ser grande é ser socialmente justo é tão real quanto os pôneis de um chifre colorido.

Apenas para ficar em um dos exemplos. O brasileiro iFood foi considerado unicórnio em 2018, com aporte de US$500 milhões. O estrago e o impacto negativo que essa empresa causa são enormes. “Ah, mas ela democratizou a entrega e dá empregos para quem não tem,” argumentam os que confundem tecnologia com exploração. Não. O iFood explora jovens que pedalam mais de 10 horas por dia, sem condições de segurança, para ganhar menos de R$ 1.000,00 por mês, sem nenhum direito trabalhista. A lista* das nove startups que geram apenas lucros (iFood incluso) é diversa: Wildlife, EBANX, Loggi, QuintoAndar, Gympass, 99, Nubank e Movile. Pesquise e tire suas conclusões.

Spoiler 1: nenhuma destas empresas resolve um problema social de impacto e não está nem aí para isso. Spoiler 2: todas são lideradas por homens brancos.

A lógica do mercado é essa. E a lógica do impacto é e deve ser diametralmente oposta a isso. A missão dos negócios de impacto é crescer e escalar para resolver melhor e mais rápido nossos problemas como sociedade, não crescer para virar bilionário. Arrisco a dizer que a diversidade de iniciativas comunitárias conjuntas somadas a força de um Poder Público catalizador e regulador gere mais impacto social do que um neoliberalismo desenfreado. E isso não tem a ver com Karl Marx ou Adam Smith. Isso tem a ver com empreender politicamente o futuro que queremos. Tem a ver com pensar no coletivo e não no próprio umbigo.

Por isso, antes de dizer que gostaria de ver unicórnios sociais nascerem, pensem nos coalas praticamente extintos da Austrália, que morrem por incêndios causados – entre outros motivos – pela mudança climática ocasionada pela ganância humana misturada com a vaidade em receber um Big Mac em casa às 2h da manhã. A esperança não está em encontrar um novo Google ou Facebook. A esperança está em encontrar um mundo melhor e mais justo. E os negócios de impacto podem e devem nos ajudar com esse desafio.

 

*Lista baseada na reportagem de capa “O ano dos unicórnios” da revista Exame, publicação da editora Abril. Edição 1199, de 12/12/2019.

**Créditos da colagem: Murilo Mendes.

 

1 comentário

  1. Claro que tem a ver com Karl Marx. Você já o leu? Acho ruim a gente ficar o tempo todo com esse debate despolitizador. Isso é problema do capitalismo, sim! Precisamos superar o capitalismo, siiiim!

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