Um artigo do início de abril, publicado no The New York Times, discute a sensação de “burnout” que a maioria de nós vem sofrendo após um ano de pandemia – e sem expectativas concretas de melhoria, ao menos no Brasil. De uma forma mais irônica e ácida, um vídeo recente do grupo de comediantes Porta dos Fundos também aborda o tema. Na esquete Doente de Brasil, o personagem de um médico informa ao paciente que vem sofrendo dores de cabeça, enjoos, taquicardia e insônia que ele contraiu o “Brasil de 2021 – uma variante um pouco pior do Brasil de 2020”.

Brincadeira do grupo à parte, o fato é que estamos todos mais cansados, mais preocupados, mais entediados e menos produtivos. E nos sentimos culpados por isso. O texto do The New York Times inicia a abordagem justamente sobre a falta de concentração que estamos enfrentando e como estamos produzindo menos, apesar de trabalharmos mais. Eu, por exemplo, estou mais de um mês atrasada para enviar este texto de colaboração ao portal Aupa, e agradeço por não terem me cobrado, mas me sinto culpada pela demora.

Nos tempos pré-pandemia não emendávamos uma reunião na outra, havia, ao menos, o tempo de deslocamento de um lugar para o outro, do qual, muitas vezes, reclamávamos e hoje sentimos falta. Não passávamos 10, 12 horas ou mais na frente do computador sem, ao menos, o momento de descontração do cafezinho ou do almoço com os colegas. Não tínhamos a preocupação de compartilhar a intimidade de nossas salas (e vidas) com estranhos, sem saber se o cachorro vai latir, o filho vai chorar ou o vizinho vai quebrar a parede na hora da reunião virtual. E, claro, não recebíamos diariamente a notícia de que milhares de pessoas morreram no país – algumas você pode até mesmo conhecer.

Com tudo isso acontecendo, não é de se estranhar que estejamos menos concentrados e produtivos. Ainda assim, nos cobramos para sermos mais produtivos, até mais do que na pré-pandemia, talvez porque não tenhamos que “perder” tempo nos deslocando, talvez para compensar os milhões de desempregados e “justificar” que ainda tenhamos nossos empregos, talvez porque haja tanta coisa a ser feita para melhorar, ao menos um pouquinho, a sociedade – especialmente, no nosso caso, que trabalhamos com impacto social -, talvez porque trabalhando mais pensamos menos nos problemas externos.

Neste exato momento, tenho que parar de escrever para entrar em uma reunião virtual e, após uma hora, tentarei retomar a linha de raciocínio, que inevitavelmente já se quebrou.

Voltando ao texto 57 minutos depois. Deixa eu reler desde o começo de novo.

Enfim, proponho aqui que nos cobremos menos, um pacto não de mediocridade, mas de sanidade mental.

Estamos demorando mais para fazer as mesmas coisas, estamos sem a mesma energia para trabalhar, estamos com mais preocupações e menos diversões, vamos, ao menos ser mais tolerantes com alguns prazos e pequenos erros. Na ponteAponte, por exemplo, decidimos atualizar o Mapeamento de campanhas e outras iniciativas contra a Covid-19, que lançamos em abril do ano passado, bem como elaborar um novo relatório a partir dele e de consultas com atores do campo, como fizemos, também no ano passado, com o relatório Os primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil – tendências em filantropia, investimento social e o campo de impacto social. Porém, esses produtos serão lançados “assim que possível”, pois não temos como nos comprometer hoje com a mesma data em que lançamos em 2020. Outra ação que faremos em breve é uma roda de conversa com toda a equipe sobre saúde mental, com apoio de consultoria externa. Falar sobre como estamos nos sentindo nesse momento é tão ou mais importante do que discutir o que temos de entregar na semana.

E agora preciso fazer algo de almoço, pois daqui a pouco tenho outra reunião. 

Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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