
Fazer negócios na periferia é uma realidade latente e que vem da necessidade local. E na Zona Oeste paulistana não é diferente. São pequenos empreendimentos que aprenderam que na parceria é possível impactar positivamente o território. Partindo de alguns princípios notados na Economia Solidária, como a cooperação, a inclusão social, o comércio justo e o consumo solidário, microempreendedores da região têm gerado desenvolvimento, emprego e, sobretudo, mais qualidade de vida às suas famílias.
O caminho para conseguir as transformações socioambientais está baseado, principalmente, na vivência. Ninguém melhor do que o morador local para estabelecer parcerias, sustentabilidade e inovação social focando em problemas cotidianos que afetam a comunidade e o desenvolvimento do bairro. E, mais do que isso, o protagonismo e a criatividade estão justamente nos empreendedores que atuam e vivem nas periferias urbanas. Contudo, é preciso diálogo e atualização (educação) constantes para manter-se em pé – ou seja, para inovar e angariar recursos para que o negócio caminhe e tenha forças em suas pernas e possa, num futuro, até mesmo ser escalável. Veja mais sobre dores do crescimento nessa matéria.
Partindo deste contexto, destaca-se a Aventura de Construir, que é a única organização atuante na ZO com o objetivo de assessorar microempreendedores locais. Mas como isso ocorre? E por que investir na região?

SER PROTAGONISTA NO TERRITÓRIO
A Aventura de Construir é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) voltada ao desenvolvimento territorial inclusivo e foi fundada em 2011, a partir do apoio da Fondazione Umano Progresso (FUP). Ancorada em pesquisa, a fundação detectou que havia uma concentração do dobro de microempreendimentos da Zona Oeste de São Paulo em relação à média brasileira. E, partir destes dados, notou-se um potencial para o desenvolvimento de negócios locais, devido aos novos bairros que surgiam. Este movimento está ligado também à atuação da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST/SP). Hoje, a Aventura de Construir funciona a partir de parcerias.
Se, a priori, o acesso ao microcrédito parecia a solução, logo a organização percebeu que era preciso um trabalho de capacitação e assessoria locais. “Ninguém fazia este trabalho na ZO. Nossa metodologia surgiu a partir da realidade local, a partir das necessidades do território”, explica Silvia Caironi, fundadora e presidente da Aventura de Construir. Em média, a organização assessora diretamente 40 microempreendedores por mês. Desde a fundação, foram realizadas 1685 assessorias e 253 capacitações, tendo 6.400 impactados diretamente e 32.000, indiretamente. Sua área de atuação está nos bairros de Perus, Pirituba, Jardim Canaã (Anhanguera), Sol Nascente (Anhanguera), Turística (Jaraguá) e Vila Aurora (Jaraguá), além da cidade de Cajamar. Você pode ver a localização geográfica desta região no Mapa Digital da Cidade de São Paulo.
Dentre as maiores dificuldades que os empreendedores assessorados pela Aventura de Construir enfrentam estão aquelas relacionadas com a divisão de finanças pessoais e dos negócios, a visão de futuro, o planejamento, a autoestima e a própria afirmação destes sujeitos enquanto empreendedores. “É perceptível a dificuldade em identificar-se como protagonistas de seu próprio negócio e também enquanto liderança local”, comenta Mayara Cabeleira, consultora de sustentabilidade institucional da OSC. Diante deste cenário, a organização realizou a expografia Identificam-se Protagonistas, em parceria com o fotógrafo Diego de Jesus, que pode ser conferida nas Estação do Metrô de SP (exposição itinerante – verificar roteiro nas estações).
A Aventura de Construir é a articuladora do #ProtagonizaAí, oportunidade onde empresários que atuam nas periferias da Zona Oeste paulistana, principalmente, são incentivados a desenvolverem seus trabalhos e o protagonismo em seus territórios. “Se tornando protagonista do empreendimento, a pessoa se torna também protagonista da própria vida”, afirma a fundadora da OSC, que ainda lança a indagação: “Como há recursos parados para negócios de impacto ao mesmo tempo que há necessidade, sobretudo, na periferia?”. Nem todos os empreendimentos assessorados pela organização são negócios de impacto formalmente definidos, porém muitos já buscam soluções socioambientais que beneficiem seu entorno. A criatividade a partir do encontro entre a periferia e os negócios de impacto, aliás, foi tema do webdocumentátio Perimpacto, exibido na ocasião.
Desde como fazer um pitch, a montagem de portfólio até a inscrição em editais e a termologia características do universo de impacto, repleta de termos do mundo da economia e anglo-saxônicos, o evento serviu como uma oportunidade aos 30 empreendedores para alavancarem seus negócios a partir de novas ideias e operações.
“Se eu gero emprego, eu já gero impacto positivo. Além disso, testar e validar ideias também são importantes”,
aconselha Cabeleira. Houve muita troca de cartões (o famoso networking) entre os empresários locais para parcerias, enquanto degustavam o buffet dos Mensageiros da Esperança (OSC parceira da Aventura de Construir) ou enquanto participavam das mesas de debate no formato World Café. Os temas eram planejamento futuro, parcerias e vendas, tendo como facilitadoras Caironi, Taynara Alves (consultora da área técnica de Desenvolvimento Econômico e Social, responsável pelas assessorias) e Raquel Santos (coordenadora da área técnica de Desenvolvimento Econômico e Social, responsável pelas capacitações), respectivamente.
O evento contou ainda com o diálogo de diferentes frentes para a articulação de empreendimentos, sobretudo, que se proponham ao impacto positivo socioambientalmente. Neste painel, Fábio Deboni, (Instituto Sabin), Paulo Roberto Ribeiro (AdeSampa) e Alvimar e Aline Silva (Jaubra). Deboni, em sua explanação, destacou que há diferentes tipos de negócios de impacto, a importância de sair da informalidade e também que é possível lucrar e ter impacto socioambiental. “O desafio é gerar impacto positivo e também fazer o empreendimento se manter em pé”, comentou o diretor executivo do Instituto Sabin que ainda ressaltou a importância de mensurar esse impacto e a busca por programas de aceleração para que os empreendedores possam aprimorar a gestão e ter acesso a investimentos.
Enquanto representante do Poder Público, pois a Agência São Paulo de Desenvolvimento (AdeSampa) foi criada por lei em 2013 e é um serviço social autônomo, Ribeiro destacou a importância da transparência e na criação de redes. “Sendo transparente, mais pessoas investirão na sua empresa”, comentou ele acerca da lógica da ADE SAMPA. A agência também dá um empurrãozinho com o VaiTec, que é um programa que ajuda pequenos negócios, a partir de um investimento semente. Para 2020, segundo a Prefeitura de São Paulo, a ADE SAMPA e a São Paulo Paulo Negócios (SP Negócios) serão extintas e integrarão a Agência Paulistana de Desenvolvimento e Investimentos, a SP Investe. Esta será vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET).
O depoimento da família Silva, proprietária do Jaubra, aplicativo de mobilidade urbana, destacou a importância em alinhar a vivência e o conhecimento sobre o cotidiano na periferia, tecnologia e o direito à mobilidade. “A ideia para o aplicativo surgiu da necessidade de táxis dentro da Brasilândia – os aplicativos tradicionais não atendiam a região. Hoje, além de suprir a deficiência em mobilidade urbana, o Jaubra fomenta e faz o dinheiro circular na região, além de gerar empregos”, comenta Aline Silva. O Jaubra hoje conta com 400 motoristas, cerca de 20 mil clientes cadastrados e atende a outros bairros da periferia das zonas Oeste e Norte. Lemuel Simis Pilnik, cofundador da Firgun, também marcou presença apresentando a plataforma que permite o empréstimo entre pessoas físicas, aliando microcrédito e investimento social acessível.
O IMPACTO DO MINI MERCADO CARVALHO
O mini mercado Carvalho é um exemplo de empreendedorismo em periferias urbanas, com iniciativas que impactam positivamente seu território. O estabelecimento está localizado no Parque das Nações Unidas, no Jaraguá, no térreo da construção onde, no segundo pavimento, reside a família dona do mercado.
“A ideia do mercado surgiu quando nos mudamos para o bairro. Eu e meu marido trabalhávamos em empregos formais e percebemos que aos finais de semana não havia um comércio para vender refrigerante, água ou cervejas para os pedreiros ou donos de terrenos na região”,
explica Sabrina dos Santos Carvalho. Ao lado do marido, Maciel Manoel da Silva, que trabalha como promotor de vendas, ela começou a vender tais produtos e o negócio foi crescendo. O negócio não possui funcionários, sendo a equipe formada pelo casal e seu filho, o adolescente Isaac Carvalho da Silva, de 16 anos. O jovem auxilia a mãe depois que chega da escola. A partir do meio da tarde quem assume o comércio é o pai, após chegar de seu emprego formal. Antes de trabalhar à frente do mercado, Carvalho era professora de Ensino Fundamental I. O empreendimento conta com a assessoria da Aventura de Construir que, segundo Carvalho, os ajudou a organizar o caixa e deu ideias de equipamentos para adquirir. “O nosso negócio traz a comodidade de um comércio familiar onde tratamos os clientes pelo nome, com proximidade, pois conhecemos suas histórias. As famílias se reúnem para bater um papo ou mesmo comprar pão – antes isso só era possível depois de uma caminhada de 15 minutos”, explica a empreendedora sobre ganho de qualidade de vida para seus clientes.

Um dos diferenciais do mini mercado Carvalho são as atitudes ecologicamente corretas que eles adotaram – que geram impacto socioambiental no próprio bairro. Por exemplo, eles juntaram a reciclagem com o impulsionamento de vendas de latas de cerveja e garrafas. Cada vez que os clientes devolvem este material, eles ganham um desconto. As latinhas para reciclagem são vendidas e as garrafas são negociadas com os fornecedores, que cedem descontos na compra de novos engradados. Ou seja, uma relação clara de ganha-ganha, afinal, todo mundo economiza, o dinheiro dos moradores é incentivado a circular no território, além de trazer benefícios aos serviços do próprio bairro.
E a formação de Carvalho contribuiu para que houvesse essa iniciativa para mudar o modo de pensar e as atitudes (o mindset) da comunidade. “Até por ser professora, eu sempre reciclei meu lixo. Então, por que não repassar isso à minha comunidade?”, explica ela. “Não o fiz pensando no lucro, mas, sim, no meio ambiente, embora a iniciativa tenha retornos lucrativos também”. E as atitudes vão além dos negócios: como a empreendedora é reconhecida em seu território pela preocupação com a reciclagem, a vizinhança, voluntariamente passou a levar outros materiais a ela, mesmo aqueles não relacionados com alguma promoção no mini mercado. Vale ressaltar que o caso do empreendimento da família Carvalho e Silva atende 3 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ODS/ONU) para a agenda 2030.
ODS vinculadas ao projeto apoiado pela “Aventura de Construir” que também participa do Pacto Global e também está alinhada à Agenda 2030
ODS 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
ODS 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos.
ODS 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
Veja aqui o Relatório Final sobre o evento #ProtagonizAí”