270 mortos no rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG).
195.049 focos de queimadas no país, sendo quase metade na Amazônia.
4.700 toneladas de óleo espalhadas pelo litoral brasileiro.
Estes são alguns dados sobre crimes ambientais de grande repercussão que ocorreram no Brasil, em 2019, e que trazem consequências diretas a todos: seres humanos, animais, florestas, rios, mares e clima. E também aos negócios. Não à toa, a palavra do ano, escolhida pelo Dicionário Oxford, da Inglaterra, foi “emergência climática” . Segundo a publicação, é preciso agir com urgência para evitar danos ambientais possivelmente irreversíveis.
Urgência, aliás, é uma das premissas quando se pensa em soluções socioambientais. Um exemplo prático é a data do Dia da Sobrecarga na Terra em 2019: 29 de julho. Desde a entrada do planeta em déficit ecológico, nos anos 1970, o padrão de consumo de recursos naturais nunca foi tão alto, de acordo com a Global Footprint Network. Além disso, as consequências do aquecimento global e os inúmeros incidentes no céu, no mar e na terra ligam o alerta do ecossistema de impacto.
Afinal, trata-se do hoje e do amanhã de um planeta que entrou em contagem regressiva para o fim dos recursos naturais. Mas como negócios de impacto socioambientais podem contribuir?
O desafio do ecossistema está em equilibrar os objetivos das agendas ambiental e de negócios, sem desconsiderar a desigualdade como agravante. Ricardo Gravina, diretor da Climate Ventures, em entrevista ao ICE, destacou a crescente consciência social global sobre a emergência climática e a necessidade para que os atores do ecossistema de impacto ajam de forma orquestrada – bem como a importância do apoio governamental na regulação de temáticas, como a bioeconomia. A Climate Ventures é um importante ator no empreendedorismo climático, com chamadas que protagonizam negócios que efetivam ideias voltadas ao verde, em seu vasto leque de atuação. Um exemplo disso é a parceria com a ClimateLaunchpad para apoiar e mapear as ideias de negócios verdes no Brasil. Foram finalistas desta competição mundial empresas como Amana Katu, Green Mining, Global Forest Bond, Milênio Bus, Programa Mais, Conterra e Biohack.
A agenda de políticas, ações e negócios com impactos voltados ao meio ambiente foi a pauta da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 25, realizada em dezembro, em Madri. Com a participação de 200 países, foram definidos compromissos para a redução de gases poluentes emitidos. Contudo, a regulamentação do mercado de carbono ficou para ser decidida em 2020, o que frustrou representantes de governos, sociedade civil e empresas.
As políticas ambientais discutidas em âmbito global partem de experiências e dados de realidades locais, de bons exemplos para preservação e uso de recursos naturais, uma vez que desastres atingem ecossistemas e biomas. Para entender os contextos, como o brasileiro e os movimentos de seu ecossistema de impacto, é preciso considerar a mensuração de dados, assim como as ações de governos, sociedade civil, negócios, academia e demais centros de pesquisa. A seguir, conheça o panorama brasileiro de 2019 e as articulações em busca de soluções para os impactos negativos provocados pelo vazamento de óleo que cobre a costa do país do Nordeste ao Sudeste.
Contexto brasileiro
O mar de lama em Brumadinho atingiu o rio Paraopeba que abastece mais de dois milhões de pessoas e uma das últimas reservas de Mata Atlântica e de Cerrado na Serra do Espinhaço (MG), onde vivem animais ameaçados de extinção. Outro fator que coloca espécies em risco são as queimadas. No país, os focos aumentaram 50% no último ano em relação a 2018, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Nos oceanos, os corais são fundamentais para a vida marinha. Mas estão em risco com o derramamento de óleo. Uma pesquisa da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que monitora corais em quatro praias do estado há mais de 20 anos, conseguiu identificar que, após a chegada do petróleo nessas regiões, houve redução de 47% na biodiversidade.
“Esses efeitos não se manifestam da noite para o dia. Existe uma fase aguda, mas existe uma fase crônica. Estamos falando de compostos altamente tóxicos e os animais sofrem muito com isso”, alertou o professor Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia durante um seminário com professores da UFBA que trabalham com o tema.
Florestas e corais, junto com outras vegetações marinhas, absorvem cerca de metade das emissões de carbono de atividades humanas, segundo relatório da União Europeia, “O papel da natureza nas alterações climáticas”. Portanto, são essenciais para controlar o aquecimento global, provocado pelo aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Vale lembrar que o combate à poluição do ar é um dos 17 objetivos da Agenda 2030, acordo entre 193 países que prevê ações contra a mudança global do clima e para a proteção dos oceanos.
Óleo no litoral
Até o dia 17 de dezembro, o petróleo chegou a 966 locais, entre praias, rios e manguezais. As primeiras manchas apareceram na Paraíba em 30 de agosto. Porém, o Plano Nacional de Contingência para combater a poluição por óleo na água só foi acionado pelo governo 41 dias depois.
Voluntários se uniram às equipes locais e às Forças Armadas para reforçar a limpeza nas praias. Em Cabo de Santo Agostinho (PE), por exemplo, um biogel à base de compostos naturais foi usado para remover o óleo. “Testes em campo comprovaram que não há impactos negativos na utilização do composto nas áreas de limpeza”, destacou Leonie Sarubbo, pesquisadora do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação, que é financiado por empresas do setor energético.
Mas em outras praias muitas pessoas recolheram a substância sem proteção e tiveram sintomas como dor de cabeça, náuseas e dificuldades para respirar. O petróleo encontrado no litoral possui hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, chamados HPAs, que estão associados a certos tipos de câncer, como pulmão, pele, bexiga e esôfago, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
A pesca é um dos setores mais atingidos pelo crime ambiental, além do turismo. O Ministério da Agricultura afirma que não há risco para o consumo de pescado, porém, testes em laboratório feitos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela UFBA já identificaram contaminação nos animais de áreas afetadas. Segundo o laudo mais recente, divulgado pelo governo de Pernambuco duas espécies de peixes, entre 55 amostras, apresentaram níveis altos de HPA. Nessas regiões, o governo federal suspendeu a pesca e trabalhadores artesanais começaram a receber o seguro-defeso no valor de um salário mínimo. Até janeiro, eles também terão direito a um auxílio emergencial de R$ 1.996,00.
Futuro nas áreas atingidas
Agora os esforços estão em pesquisas para tentar minimizar os impactos do óleo e propor soluções para o meio ambiente. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por exemplo, investirá R$ 1.360.000,00 em trabalhos nessa área que sejam desenvolvidos em até dois anos. Na maioria dos estados, o petróleo retirado das praias foi vendido para fábricas de cimento. Na Bahia, ele também é transformado em carvão, a partir de uma técnica adaptada de produção de fertilizante orgânico com restos de alimentos.
“Pode ser usado como insumo industrial, como carga na massa asfáltica e como combustível alternativo em produção de cimento. É uma solução limpa e eficiente, um processo rápido e de baixo custo”, explicou Zenis Novais, pesquisadora da UFBA.
Na mesma universidade, outro estudo utiliza plantas naturais e microorganismos para acelerar o processo de degradação do óleo em manguezais. A técnica foi originalmente desenvolvida para recuperar a vegetação atingida por um acidente com óleo na Baía de Todos os Santos, na década de 1990. Três meses depois de aplicar essa técnica, houve remoção natural de 87% de óleo nos sedimentos do manguezal. “Tivemos bons resultados de remoção de metais. Trabalhamos também com economia circular, que nada mais é do que agregar valor em cadeias locais e gerar biomassa de valor agregado, como biodiesel e biopolímeros”, disse Ícaro Moreira, professor da UFBA.
Outra preocupação de pesquisadores é preservar espécies de animais. Na Bahia e em Sergipe, o Projeto Tamar acompanha tartarugas marinhas que se reproduzem entre setembro e março. Nos locais de maior risco, os ninhos foram transferidos para outros pontos da praia ou levados para um cercado de incubação do Projeto. “Devido à presença significativa de óleo em áreas consideradas prioritárias para reprodução e conservação da tartaruga-oliva, da tartaruga-cabeçuda e da tartaruga-de-pente, as equipes aumentaram significativamente o esforço de monitoramento para garantir que os filhotes não ficassem presos nas manchas de óleos”, afirmou Luciana Medeiros, bióloga marinha e assessora científica da Coordenação Nacional de Pesquisa e Conservação do Projeto Tamar.
No Rio Grande do Norte e Ceará, tartarugas, aves e golfinhos passam por descontaminação do óleo e reabilitação no Projeto Cetáceos da Costa Branca. Eles recebem soro, antibióticos, sondas e lavagens para retirar o excesso da substância no corpo. Depois são monitorados na sede do Projeto para saber se conseguem se alimentar e nadar. O processo tem duração de dois a quatro meses, no mínimo, e custa de R$5.000,00 a R$10.000,00 por mês por animal.
Segundo Flávio Lima, coordenador do Projeto Cetáceos, que tem apoio da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, as equipes aceitam doações de materiais como luvas e botas, remédios e apoio de voluntários para ajudar também no trabalho de educação nas comunidades atingidas pelo óleo. “Nós temos um trabalho de informação, de conscientização e de comunicação com pescadores, marisqueiras e moradores das regiões de praia no sentido de eles serem parceiros dessa luta e contribuírem também no resgate dos animais”, afirmou Lima.
Diante deste panorama, é inevitável pensar em ações conjuntas entre a sociedade civil e suas organizações, empreendimentos voltados ao impacto positivo, centros de pesquisa e governos. O desafio em busca de soluções socioambientais é constante e os recursos naturais são escassos. Contudo, cabe ao setor 2.5 articular, dialogar e criar propostas conjuntas – afinal, um dos termos-chave deste milênio é urgência climática. Movimentos de negócios pensando a pauta ambiental já existem. O que, portanto, o setor pode fazer para aumentar esta escala?
Legenda: Antes e depois da chegada do óleo na Praia de Suape (PE). Imagens feitas por Camille Panzera e Salve Maracaípe. Montagem no Flourish Studio feita por Mariana Ferrari.
Créditos da imagem de capa: IBAMA.
Matéria excelente, que nos faz refletir nos impactos das tragédias ambientais para o ecossistema, e uma maior conscientização para melhorarmos como seres humanos para cuidar do planeta em que vivemos.
Parabéns.