Seminário de Legislação de Impacto, no Ministério da Economia. O encontro aconteceu dia 28 de janeiro de 2020. Fonte: Impact Hub Brasília.

Mobilizar mais empreendedores que desconhecem o que são negócios de impacto. Que não sabem quais são todos os critérios necessários para se enquadrar nesse perfil. Esse é o principal objetivo para 2020 da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, importante rede de produção de conteúdo e articulação com atores estratégicos no ecossistema. O movimento é liderado pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e já lançou 20 publicações direcionadas a vários públicos, como empreendedores, investidores e bancos de desenvolvimento. A mais recente delas, “O que são Negócios de Impacto” (2019), traz quatro critérios para classificar um empreendimento como negócio de impacto:

Missão de resolver um problema social e/ou ambiental.

A solução de impacto é a principal atividade do negócio.

Busca retorno financeiro.

Há compromisso com o monitoramento do impacto gerado.

Diogo Quitério, coordenador da Aliança e gestor de programas do ICE, ressalta que mesmo que um empreendimento tenha essas características, isso não significa que seja um bom negócio de impacto. Por isso, o estudo também apresenta alguns compromissos para alcançar resultados financeiros positivos e entregar mudanças socioambientais. “Um dos compromissos é que o empreendedor deveria efetivamente entender o problema no qual está atuando, suas causas, conhecer as políticas públicas existentes, mapear o que já foi testado, consultar o público a ser atendido. Esse é um exemplo que ajuda a superar a boa intenção e de fato discutir eficiência e resultados”, afirma o coordenador.

Muitos empreendedores têm dificuldade para identificar questões como essas. 15 anos após criar a Feira Preta, Adriana Barbosa passou por uma crise no negócio: tinha um investimento para mais de 10 mil pessoas, mas não levou nem 4 mil no evento, e o patrocinador deixou de aportar recursos.

Na série Eu Errei (2019), da Aupa, ela diz que a falha foi não se atentar aonovo contexto social e cultural. “Hoje essa geração quer se ver representada nessa perspectiva de ela já ser preta. Eu fui participar de um curso de remodelagem de negócio e fizeram uma pergunta muito certa: o que você tem para o novo momento? Essa pergunta foi muito importante para falar: sim, preciso remodelar”, admite Barbosa.

Para desenvolver a agenda dos investimentos e negócios de impacto no Brasil, a Aliança definiu 15 recomendações em 2015 com sugestões de metas para 2020. Agora o grupo avalia os avanços e gargalos que podem ser discutidos para os próximos anos. Entre as recomendações estão incentivos à formação de empreendedores, como fez o Sebrae, por exemplo, ao criar um curso voltado para negócios de impacto.

Investimentos e legislação para o setor 2.5

Os investimentos de impacto já chegaram a US$ 239 bilhões no mundo, segundo o relatório mais recente da Rede Global de Investimento de Impacto. Mas, antes de buscar aporte financeiro, os empreendedores precisam ter alguns pontos muito bem definidos. “Saber claramente para que eles querem o recurso, até onde esse recurso pode levar o negócio, qual a natureza de capital mais adequada. Ter os riscos mapeados, qual perfil de investidor é mais aderente para o negócio, a estrutura de governança que está disposto a implantar no day after da captação e o que não está disposto a ceder nas negociações”, explica Marco Gorini, investidor social e sócio fundador da Din4mo.

Os desafios para investimentos no ecossistema de impacto, segundo Marco Gorini. Arte feita no Canva por Mariana Ferrari.

Para fortalecer a economia mundial de impacto, o Global Steering Group for Impact Investment reúne membros de mais de 32 países, entre eles a Aliança, para trocar experiências, mobilizar lideranças e ajudar países a fomentar o ecossistema. Nessa rede, o Brasil é referência no avanço de uma legislação para negócios de impacto. A conexão do tema com o governo federal também é uma das áreas de atuação da Aliança, com uma articulação que já traz resultados importantes.

A Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO) foi criada em dezembro de 2017. Desde então, representantes de ministérios, do setor privado e da sociedade civil participam de um comitê para debater ações que criem um ambiente favorável aos investimentos em negócios de impacto no Brasil.O objetivo é aumentar a quantidade de empreendimentos nesse perfil, a oferta de capital e fortalecer as organizações intermediárias.

No fim de janeiro, uma das pautas das reuniões da ENIMPACTO foi discutir a criação de uma qualificação de negócios de impacto para empresas B, atendendo a alguns critérios. São eles: (1) inserção da promoção do impacto social e ambiental positivo no objeto social da empresa; (2) estabelecimento de órgãos de governança vinculados e responsáveis pela realização do impacto positivo; e (3) relatório de impacto integrante de prestação e aprovação de contas anual.

“Isso é legal, mas não é uma legislação de negócios de impacto, é uma legislação de empresas B. É legal, porque vai criar um grau de consciência empresarial maior. Ajuda o setor de impacto como um todo. Mas a Aliança faz esse contraponto de que isso não é uma legislação de negócios de impacto”,

diz Beto Scretas, consultor do ICE e membro do Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto, que participou do seminário sobre o setor e a ENIMPACTO, no Ministério da Economia, no dia 28 de janeiro.

“Entendemos que a proposta é benéfica para toda a nova economia na medida em que institucionaliza a mensuração, reporte e promoção de impacto positivo nos negócios, por meio do estabelecimento em lei dos elementos mínimos comuns às atividades de transformação da nossa economia em prol do desenvolvimento”, afirma Marcel Fukayama, fundador do Sistema B Brasil.

O projeto de lei, desenvolvido pelo Sistema B, já está no Ministério da Economia para análise e busca criar no Brasil uma figura equivalente às benefit corporations adotadas em 39 estados dos Estados Unidos. A proposta não traz nenhum tipo de agenda secundária, como benefícios fiscais por parte do governo federal, e prevê que a qualificação dos negócios seja autodeclarável. “O projeto é importante, porque está muito alinhado com o conceito de negócios de impacto definido pelo decreto que institui a ENIMPACTO. E vale ressaltar que a ENIMPACTO definiu os negócios de impacto como aqueles empreendimentos que possuem impacto socioambiental positivo e retorno financeiro de forma sustentável. E esses elementos estão previstos nessa legislação das sociedades de benefícios”, explica Lucas Ramalho Maciel, coordenador da ENIMPACTO.

Diogo Quitério
Coordenador da Aliança e gestor de programas do ICE.
Marco Gorini
Investidor social e sócio fundador da Din4mo.
Beto Scretas
Consultor do ICE e membro do Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto.
Marcel Fukayama
Fundador do Sistema B Brasil.
Lucas Ramalho
Coordenador da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto.
Graziella Comini
Economista com livre-docência em Administração pela FEA-USP e conselheira da Academia do ICE.
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“Ter ido rumo à autodeclaração foi um caminho acertado. Seria um risco enorme você ter que creditar isso a alguém, porque hoje são são limitadas as opções de atores capacitados para fazer isso. O mercado tem que se autorregular daquele que se qualifica como tal”, diz Scretas.

O projeto de lei também inclui instrumentos de autocumprimento para mitigar riscos para o setor, como transparência na aprovação de relatórios de impacto com sócios e criação de comitês de impacto para qualificar decisões no curto e longo prazo. Mas Scretas ressalta que a proposta discutida na ENIMPACTO não é uma legislação de negócios de impacto.

“Esse projeto de lei tem como objeto o universo de todas as empresas. Qualquer empresa pode, desde que atenda aos critérios, se tornar uma sociedade de beneficio. O nosso universo de atuação é mais restrito. Nem toda empresa de sociedade de benefício será um negócio de impacto”, explica o consultor do ICE.

Diogo Quitério destaca que a Aliança tem participado de fóruns de discussão sobre uma possível certificação ou criação de uma personalidade jurídica para negócios de impacto. “É preciso, sobretudo, ter clareza sobre os ganhos e riscos de uma legislação, o processo de implementação desse processo, quem certificaria e como a existência ou não da lei poderia esvaziar o entendimento sobre impacto. Esse é um debate que está aceso e temos acompanhado”, explica ele.

Em 2020, o Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto também deve discutir temas como fundos de impacto, contratação de consultores e valorização de práticas acadêmicas nessa área.

Negócios de impacto nas universidades

Os negócios de impacto têm ganhado cada vez mais espaço nas universidades. De Norte a Sul, nas cinco regiões brasileiras, cerca de 100 professores participam de uma rede de troca de conhecimentos sobre o tema.

No Programa Academia do ICE, são feitas reuniões para engajar docentes, além da criação de disciplinas voltadas ao ecossistema de impacto e a promoção do debate de questões que podem ser abordadas em sala de aula com os estudantes, Há ainda o  compartilhamento e o estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e artigos, muitos financiados pelo próprio programa. “A gente vê como os sistemas estão sendo apropriados, o que está sendo debatido, quais são as grandes preocupações em cada uma dessas regiões que também têm as suas diferenças locais. Se um professor quer criar um curso de empreendedorismo social, de negócios de impacto, isso ele consegue facilmente obter na plataforma e adaptar para o seu contexto”, explica Graziella Comini, economista com livre-docência em Administração pela FEA-USPe conselheira da Academia do ICE.

 

Iniciativas como essa só reforçam a importância de esclarecer o que são negócios de impacto. Para aumentar o interesse de estudantes nessa área. Para que empreendedores tenham mais sucesso no negócio e segurança na busca por aportes financeiros. Para que investidores possam acreditar mais no potencial desses empreendimentos. E para que governos se envolvam no desenvolvimento do setor.

 “O principal desafio é superar uma cultura de décadas que educou a sociedade a olhar apenas para o lucro máximo como indicador de sucesso, independentemente do que se gera de impacto negativo. Ou seja, o maior desafio de todos é de consciência”,

 finaliza Marco Gorini.

 

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