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Agentes de Transformação: conheça a história de Buiu, do Projeto Viela

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São Paulo é uma das cinco cidades mais populosas do mundo, com mais de 20 milhões de pessoas, sendo que só no município vivem 12 milhões de habitantes. Proporcionalmente são os seus problemas, desafios e contrastes. De acordo com o estudo realizado em conjunto pela prefeitura de São Paulo com a organização internacional Aliança de Cidades, em 2007, a capital paulista possuía 1.538 favelas, ocupando um território de 30 quilômetros quadrados. O Censo IBGE 2010 apontou que cerca de 2,1 milhões de pessoas na região metropolitana moram em favelas.

Sim, estamos diante de uma enorme desigualdade e, definitivamente, não dá para viver assim. Por isso, os próprios moradores das comunidades se mobilizam para transformar a realidade de seus territórios e muitas iniciativas e projetos começaram a surgir para dar voz e visibilidade ao que antes ficava somente nos extremos da cidade. Aqui contamos as histórias de quatro destas iniciativas. Hoje, especialmente, de Anderson Augustino, o Buiu, do Projeto Viela.

Volta por cima

Sorrisão colado no rosto, brilho nos olhos e jeitão de menino são características que definem bem Anderson Augustinho, mais conhecido como Buiu, 36 anos, morador da comunidade Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

Ao longo de sua jornada, as maiores lições de vida vieram logo na infância e juventude, época em que suas escolhas não o levaram para o melhor caminho. Largou muito novo os estudos  para trabalhar, mais tarde se envolveu com  drogas e, aos 27 resolveu dar a volta por cima.

Participou de um programa de medida socioeducativa para adolescentes, onde teve a oportunidade de fazer alguns cursos, como o de pintura em tela, que o ajudou a desenvolver e investir em um de seus dons – desenhar e pintar. Hoje, ele tem a marca de roupas e bonés Viela  que leva seus traços.

Também foi lá que Buiu recebeu o maior incentivo para voltar a estudar. Fez supletivo e faculdade de Educação Física. “Todos esses impulsos me levaram a pensar em como fazer um projeto de educação na minha comunidade. O aprendizado era tanto que eu voltava para casa com vontade de dividir tudo o que estava aprendendo com os outros jovens. Foi aí que tive a ideia de juntar os conhecimentos que adquiri e criei o projeto Viela Letras e Livros, como chamava no início, que começou com ação de cinema nas vielas”, conta.

Sinta-se em casa

O que na época acontecia na rua, hoje tem um espaço construído especialmente para receber todos os que participam do Projeto Viela – a laje da casa do Buiu. Uma escada estreita  com degraus alternados leva até a sede do Viela.

Lá acontecem as aulas de jiu-jitsu (são duas turmas mistas e uma turma exclusiva de meninas), três turmas de aprendizado de inglês, curso profissionalizante na área de construção civil para adolescentes e pais de alunos e sessão aberta de cinema para toda a comunidade. “A novidade agora, em 2018, é o início do Educa Viela, que surge como complementação escolar por meio de uma metodologia bem lúdica, do aprender por intermédio da brincadeira”, revela com orgulho.

A única iniciativa que acontece fora da sede é o Futebol e Leitura, realizado em parceria com a escola Estadual Comendador Alfredo Vianello Gregório, que cedeu a quadra para as partidas de futebol. Hoje, são cerca de 80 crianças que participam dessa proposta de incentivo à leitura com auxílio da prática esportiva.

O ritual é o seguinte: antes do jogo começar, todos sentam em roda com textos em mãos para um bate-papo que é mediado por educadores. Ali é o momento de leitura e discussão sobre temas que são relevantes para eles.

Em comunidade

Essas atividades foram construídas com a própria comunidade, necessidades que eles trouxeram. No seu oitavo ano, o Projeto Viela vem transformando a realidade de crianças e jovens do Jardim Ibirapuera por meio da cultura e do esporte, acolhendo sonhos e estimulando potenciais.

Atualmente, beneficia cerca de 180 jovens diretamente e um número muito maior quando se pensa no impacto positivo no entorno entre familiares e a própria comunidade. “Ver os meninos do projeto subindo no pódio, ganhando medalha, indo viajar porque passaram no teste, é a concretização do que eu faço. É isso que me dá forças para continuar. Eu fico feliz em poder contribuir e vejo como vale a pena”, confirma.

Mas para chegar até aqui, Buiu contou com o apoio de muita gente. “Sempre falo das cinco mulheres da minha vida que, sem me conhecerem, estenderam a mão e, com isso, tive uma oportunidade. O mesmo eu quero fazer pelas outras pessoas. Tudo o que eu desenvolvi até hoje é fruto de relação”, reconhece.

Anderson continua se desenvolvendo como empreendedor e estreitando laços e parcerias em busca de novos meios para o crescimento e desenvolvimento do Projeto Viela, com o sonho de beneficiar ainda mais crianças e jovens do seu território. Este ano, está abrindo um canal de doação recorrente. “A busca é essa, ir atrás de oportunidades e ofertar isso para as crianças. Elas têm sonhos, mas, muitas vezes, não recebem o olhar cuidadoso para alcançá-los. Como nós temos rede e contatos, através do Projeto Viela, conseguimos abrir as portas para esses jovens”, finaliza Buiu.

Andreas Ufer: “Se sua motivação é resolver um problema social ou ambiental, se certifique que o conhece”

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O campo de negócios sociais de impacto ou setor 2.5 é composto de mentes brilhantes e, acima de tudo, apaixonadas pelo que fazem. Não seria possível descrever de outra maneira Andreas Ufer. Ele se dedica na Sense-Lab, fundada em 2015, a promover a inovação social, ajudar a estruturar novos negócios e vincular as pessoas do campo.

Antes de adentrar nos negócios de impacto e empreender na Sense-Lab, Andreas atuou, por nove anos, em diferentes empresas. Foi, por exemplo, consultor em sustentabilidade em supply chain e planejamento estratégico no Grupo Votorantim. Antes disso, formou-se em engenharia pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade de Aachen, na Alemanha, além do MBA em Gestão Estratégica pela FGV.

Hoje, na Sense-Lab, todo esse conhecimento é colocado em favor da tutoria de empreendedores sociais e do processo de estruturação de novos negócios, principalmente em comunidades de baixa renda. Em entrevista exclusiva para a Aupa, Andreas conta um pouco mais da sua trajetória e oferece alguns de seus aprendizados aos novos empreendedores que também pensam em atuar no setor.

AUPA O Sense-Lab oferece consultoria empresarial e estratégica para iniciativas do setor 2.5. Como você percebeu a importância de investir nesta área?

ANDREAS UFER Percebemos dois fatos. Primeiro, há uma demanda crescente das empresas em resgatarem seu propósito e trabalharem ações e inovações que unam a geração de valor para o negócio e a criação de valor para o coletivo. E essa demanda nasce por vários motivos, como consumidores cada vez mais conscientes e a dificuldade em reter profissionais das novas gerações, que buscam, cada vez mais, atividades com significado,  além de pressões regulatórias, riscos sociais, ambientais, de imagem e reputação. O Sense-Lab enxergou a oportunidade de apoiar essas empresas nessa jornada. Segundo, existe um terceiro setor cada vez mais maduro e estruturado, mas que ainda tem uma carência grande em gestão, estratégias de autofinanciamento e governança de redes de cooperação. A partir desta análise, fomos acumulando competências para apoiar esses processos também.

AUPA Quais dicas você pode dar para quem está começando a empreender com foco em impacto social? E quais cuidados os empreendedores devem tomar?

ANDREAS UFER Em primeiro lugar, se sua motivação é realmente resolver um problema social ou ambiental, se certifique que você conhece o problema e seu contexto e se entende e tem empatia profunda com as pessoas envolvidas. O que mais vemos são soluções artificiais, que não se conectam e não se endereçam, de fato, às questões que sugerem resolver. A proximidade com a causa é essencial, seja por um empreendedor que é parte da população impactada, seja por intermédio de processos experienciais, imersões, entrevistas e cocriações com o público-alvo. Em segundo lugar, desenhe seu negócio com base em quem você é, o que você sabe e quem você conhece. Levar em consideração o perfil de empreendedor facilita muito o lançamento de um negócio. Em terceiro lugar, planeje e saiba qual negócio que você quer lançar, mas vá para prática rápido. Nada valida mais a sua ideia do que o choque com a realidade. E esteja disposto a mudar sua solução quando o mundo lhe disser que  ‘não é por aí….’. Em quarto lugar, finalmente, certifique-se de que você tem o perfil de empreender e viver na extrema incerteza e que está no momento de vida certo. Se você precisa gerar receita e ter uma remuneração nos próximos poucos meses, provavelmente não é hora de você empreender, por exemplo.

AUPA E como se dão os processos de apoio a empreendedores na Sense-Lab?

ANDREAS UFER Temos diversos processos de apoio a pessoas, empreendedores e empresas que trabalham com a lógica de aliar sustentabilidade financeira e impacto socioambiental positivo. Nossas iniciativas contemplam consultorias para empresas e organizações do terceiro setor, passando por cursos para quem quer conhecer mais sobre o chamado setor 2.5 e quer entender a lógica e o processo de criação de negócios de impacto. Nós temos até programas que apoiam e assessoram startups e negócios de impacto em desenvolvimento. Neste último caso, trabalhamos com processos de tutoria individualizada e também com programas para grupos de empreendedores, em geral, em estágio inicial. Temos um programa chamado EnAction, que ajuda pessoas que têm uma ideia de negócio de impacto a formatar, desenvolver e testar seu modelo durante cinco encontros ao longo de 1 mês. Temos também o Empreendedores da Mudança, um programa que trabalha o desenvolvimento de negócios de impacto já existentes com encontros mensais ao longo de 10 meses.

“DESENHE SEU NEGÓCIO COM BASE EM QUEM VOCÊ É, O QUE VOCÊ SABE E QUEM VOCÊ CONHECE.”

AUPA Hoje, percebemos mais pessoas falando em/sobre negócios de impacto socioambiental. Como você vê as projeções do setor? E quais as grandes dificuldades para quem quer empreender e investir nesta área?

ANDREAS UFER Vejo o setor de negócios de impacto em um movimento ascendente, trazendo cada vez mais atores e pessoas do mainstream para sua órbita, incluindo organizações como Itaú, BID, BNDES e também grandes empresas como Coca-Cola, Braskem, Natura e Facebook. Mas, principalmente, vejo um número crescente de jovens e pessoas em meio de carreira mudando sua trajetória profissional, em busca de um trabalho com mais propósito e que agregue mais para o coletivo. Se fizesse uma aposta, diria que este setor será muito maior e mais estruturado em 10 anos. O principal desafio ainda é aumentar a quantidade de negócios de impacto consolidados e estáveis financeiramente, além de criar mais caminhos profissionais dentro do setor para quem não tem perfil de empreendedor.

AUPA Como você vê a relação entre negócios de impacto social e a geração millennials? Quais novas mudanças os lideres desta geração trazem para os negócios de impacto social?

ANDREAS UFER Vejo relação direta entre a expansão do movimento de empreendedorismo social e as aspirações e a visão de mundo das novas gerações, que entram e começam a avançar em sua vida profissional. Há estudos que mostram que o propósito da empresa e do trabalho tem ganhado relevância e até ultrapassado a remuneração como motivador dos jovens ao escolherem um trabalho ou carreira. Nossos problemas coletivos – sejam eles sociais, éticos ou os limites naturais sistêmicos do nosso planeta – têm ganhado visibilidade crescente e passam a ser uma pauta cada vez mais relevante para as novas gerações. E, com razão, já que os limites dos modelos anteriores estão ficando cada vez mais evidentes.

AUPA Como você vê o setor de negócios de impacto social hoje?

ANDREAS UFER O setor de negócios de impacto social, que começou a tomar corpo no Brasil há pouco mais de 10 anos, passou por um processo de rápida expansão, aprendizado e diversificação. Hoje, está muito mais estruturado, robusto e com maior visibilidade – se comparado com alguns anos atrás. Há, atualmente, milhares de negócios de impacto e dezenas de fundos, aceleradoras e incubadoras trabalhando com foco neste tipo de organização. Também há diversas instituições de ensino superior que possuem professores e centros de estudo dedicados a temática, como é o caso da FEA/USP, FGV, ESPM, Insper, UFSC, entre outras. O grande desafio ainda é a expansão da quantidade de negócios consolidados do ponto de vista financeiro – em especial, que tenham porte para gerar impacto em uma escala mais ampla.

José Marcelo Zacchi: “Há um largo espaço para avançar no fortalecimento dos negócios de impacto”

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A fala serena e tranquila de José Marcelo adiciona, com leveza, uma vastidão de conhecimento a cada resposta. Secretário-geral do GIFE, a associação de investidores sociais do Brasil, José Marcelo recebeu a Aupa para uma entrevista no terceiro e último dia do X Congresso GIFE, realizado entre os dias 4 e 6 de abril em São Paulo.

No começo de nossa conversa, José Marcelo destacou o balanço positivo das discussões no Congresso que, nesta edição, teve como tema Brasil, Democracia e Desenvolvimento Sustentável. “Além de 2018 ser o ano do décimo Congresso GIFE, também marca o aniversário de 30 anos da Carta Constitucional de 1988 e da experiência democrática brasileira”, recorda José Marcelo. “E vivemos um momento que nos desafia, primeiro, para não perder de vista o que caminhamos e construímos nesse período de vivência democrática, do ponto de vista institucional, social e da cidadania, da inclusão econômica e ambiental.”

Nesta entrevista exclusiva, José Marcelo também comenta sobre a posição do investimento social privado no que se referem os negócios de impacto socioambiental, os quais se fortalecem.

“Classicamente, você diria que não poderia haver contato entre essas partes. De um lado, não existe atuação no mercado, e, de outro, visa-se o lucro e resultados privados”, comenta. “Todavia, basicamente, cabe à filantropia e ao setor de investimento privado apoiar essa outra dimensão de forma positiva ao criar uma zona entre as partes.”

AUPA Sobre esses desafios da agenda pública, a gente está num ano especialmente conturbado. Apuramos, por meio da Aupa, que existem alguns projetos de regulamentação dos negócios de impacto socioambiental, mas estão parados. Que tipo de estratégia pode-se traçar para superar esse momento e voltar a propor essas pautas?

JOSÉ MARCELO ZACCHI Não será função de ninguém sozinho dar conta disso. Acho que todos somos parte disso, e isso extrapola a agenda imediata e as capacidades imediatas de todos nós. Trata-se de refazer as próprias condições de ação coletiva, cidadania, institucionalidade, de processamento do debate público e formação com efetividade da agenda pública e da pauta de política pública do país, tanto no legislativo quanto no executivo. Quer dizer, um contexto de crise institucional como a gente está vivendo interdita o avanço nas mais diversas áreas. Você, por exemplo, traz a situação da dificuldade de avançar com a tramitação numa pauta de regulação dos negócios de impacto, e poderíamos, também, trazer exemplos de outras áreas diversas. Eu lembrei, agora, de uma carta que a Ana [Luiza Vilela] e Marcos [Nish], que dirigem o Instituto Alana, fizeram para a rede de associados, por ocasião do lançamento de uma série que se chamou Política – Modo de Usar, veiculada pelo canal de TV fechada Globo News. A carta diz basicamente o seguinte: o Alana atua na agenda de crianças e adolescentes, de direitos, educação. A série não é uma agenda de institucionalidade pública, política. Então, por que estamos apoiando isso? Porque estamos vivendo um momento em que a plataforma está travada.

AGORA, EU CONSIGO CRIAR PROPOSTAS DE ATENDER, NESTE CASO, POR EXEMPLO, À POPULAÇÃO DE MENOR RENDA EM SOLUÇÕES QUE SE SUSTENTAM NO MERCADO. COM ISSO, TEM-SE UM ELEMENTO A MAIS NO REPERTÓRIO QUE PODE SER MUITO POSITIVO.

Se cada um de nós não pensar como se contribui para destravar o ambiente institucional onde as propostas e o debate público se faz, convertendo-se em políticas, haverá muita dificuldade para impulsionar e avançar em qualquer tema. A carta era um convite a uma reflexão, na rede, sobre a necessidade de nos conectarmos mais. Num marco que é a valorização da diversidade da pluralidade como um ativo, não como um problema. Quer dizer, o fundamento da ideia democrática é termos aqui atores com perfis variados, trajetórias, ideias, pontos de vista, programas distintos. A soma tanto da flexão entre essas ideias quanto da identificação entre elas, emerge mais no público no fim do dia. Outro ponto: é como avançar na criação de condições de novas formas de pacificação de transparência, de controle na vida pública, de aprimoramento das instituições públicas para que possamos, também, ter uma nova camada de construção, de aprofundamento, de qualificação da nossa vida institucional e democrática. Sem isso, não é possível avançar e, em regra, o paciente pode morrer.

TEMOS ACOMPANHADO A DISCUSSÃO DE CRIAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA NACIONAL DE APOIO PARA NEGÓCIO DE IMPACTO, INDÚSTRIA DE DESENVOLVIMENTO. ESTA INICIATIVA NOS BENEFICIARÁ MUITO.

Entrando especificamente na pauta de negócios de impacto, eu diria que é preciso manter a ação acompanhando aquilo que tem a ver com a funcionalidade pública, governamental e legislativa. Além disso, identificando, também, formas de caminhar e, naquilo que for pertinente, conter o retrocesso. Mas este momento, em especial, temos pouca margem para caminhar. Nesta circunstância que vivemos , o objetivo é trabalhar a sociedade para o fortalecimento dessas pautas e temas. Temos acompanhado a discussão de criação de uma estratégia nacional de apoio para negócio de impacto e indústria de desenvolvimento. Esta iniciativa nos beneficiará muito. É possível dizer, ainda, que a gente tem largo espaço para avançar, e eu diria mais: que o crescimento viria por meio do fortalecimento do macro sistema de negócio de impacto no país, ou seja, com empreendedores colocando novos negócios e atores de polinização, intermediação e fortalecimento do setor. Este é, ainda, um passo anterior ao da regulação, que é na própria disseminação da ideia e do conceito que está por trás do fundamento do negócio de impacto.

AUPA Ainda no assunto de negócios de impacto, como as fundações e a filantropia podem se encaixar nesse paradigma de impacto socioambiental por ferramentas de mercado?

JOSÉ MARCELO ZACCHI Classicamente, diríamos que não poderia haver contato entre essas partes. De um lado, não existe atuação no mercado, e, de outro, visa-se o lucro e resultados privados. E é bem neste ponto que um tipo de “muralha chinesa” foi construída. É possível perceber que um gerará receitas no mercado e o outro, mesmo não gerando receitas, produzirá apoio de recursos e doações de indivíduos, fundações etc.. Todavia, basicamente, cabe à filantropia e ao setor de investimento privado apoiar essa outra dimensão de forma positiva, criando uma zona entre as partes. A partir disso, a gente cria um dégradé da situação. Nele, há a ideia de que é possível produzir resultados de interesse público atuando no mercado, sendo essa uma ideia muito bem-vinda. Na perspectiva de negócios de impacto nasce, então, a reflexão: ‘como eu, na minha atuação de mercado, vou tentar conjugar o resultado econômico com o resultado para a sociedade’. Nesse sentido, os negócios de impacto são um passo adiante na reflexão sobre o lugar das empresas e do setor privado na coletividade. Já na perspectiva da filantropia, a reflexão que procede é: ‘na minha atuação orientada a causas de interesse, como incorporo no meu repertório e no meu baralho de alternativas, a possibilidade de arquitetura de mercado com sustentabilidade e produzindo com potencial de escala’. Essa constatação, todavia, soará familiar para nós aqui e para boa parte dos leitores da Aupa. No entanto, é um conceito que ainda tem muito para avançar na nossa formação clássica. É como um mantra mental: reconhecer que essas duas “casas” não precisam ser estanques. Entretanto, a ideia de responsabilidade social, ambiental e corporativa, de um lado, é chamada de muito positiva para o mercado como um todo , mas neste estágio estamos, basicamente, no ponto de abster-se de produzir efeitos negativos. Depois, entramos no momento onde o indivíduo (eu e você, por exemplo) , parcela da coletividade, deve aportar recursos para fazer sua parte na construção e na ação coletiva na sociedade. Depois disso, a gente chega ao terceiro ponto, que incorpora a possibilidade dessa inserção positiva na sociedade no próprio modelo de negócio e na própria atuação. Com isso, a ideia de que o mercado existe tanto na sociedade quanto na coletividade, faz com que cada cidadão passe a buscar e a perseguir resultados sejam privados, sejam públicos. Isto é algo muito bom. Uma dimensão disso, que gosto muito de destacar, é a convocação do mercado a cumprir seu melhor papel conceitualmente. O vigor dessa atuação é a grande vitória do mercado, assim como sua capacidade de identificar demandas de alguma forma não atendidas, possibilitando a inovação na sociedade e respondendo diretamente a ela.

NA PERSPECTIVA DE NEGÓCIOS DE IMPACTO NASCE, ENTÃO, A REFLEXÃO DE COMO ‘EU, NA MINHA ATUAÇÃO DE MERCADO, TENTAREI CONJUGAR O RESULTADO ECONÔMICO COM O RESULTADO PARA A SOCIEDADE’.

AUPA Mas, a seu ver, a solução para os grandes dilemas passam sempre por esse vigor da iniciativa privada?

JOSÉ MARCELO ZACCHI Do ponto de vista da produção de bem público, a gente sempre gosta de dizer, que resolver tudo no âmbito do mercado ou dos negócios é evidente que não conseguiremos, nem temos que pensar nesses tempos. . Quer dizer, temos uma série de situações relacionadas à vida comunitária, com a formação da vida cidadão, a vida democrática com enfrentamento de quadros que estão na esfera pública. Mas por outro lado, tem uma série de dimensões de demanda em que o negócio de impacto abre caminho para a resposta. Poderia dar vários exemplos, mas ninguém pode supor que, em nenhum lugar do mundo, é possível resolver a demanda de habitação social sem políticas públicas muito rigorosas de regulação urbana. Isso depende de política pública, que naturalmente depende da atividade acadêmica, da formação de massa crítica para essas políticas de regulação, da movimentação social para o debate e para a construção e disputa dessas políticas. Mas é possível conseguir criar propostas para atender, por exemplo, a população de menor renda em soluções de aprimoramento habitacional, de produção habitacional, que se sustentam no mercado etc.. De fato, a partir dessas ações há elementos a mais no repertório, o que pode ser muito positivo.

AUPA: Porque a maior ferramenta de distribuição de renda continua sendo o salário…

JOSÉ MARCELO ZACCHI Exatamente. E aí, quando se fala de repertório, acho que a beleza e a dificuldade de se falar de agenda e soluções públicas é que nunca haverá uma solução. Quer dizer, eu acabei de exemplificar uma situação onde se mobiliza atores, ferramentas e elementos diversos. E, isto, é um verdadeiro desafio, pois em cada tema e contexto é preciso encontrar o melhor balanço, a melhor composição entre eles. Daí surge a pergunta: O que a gente precisa no plano de regulação? Bom, você mesmo falou sobre as leis. Há outras perguntas que se levantam: E o que se necessita no plano da produção de conhecimento e da formação do debate público? O que se pode fazer no plano de negócios e mercados? Como é possível fomentar e apoiar isso? E de posse dessas respostas, podemos encontrar o melhor balanço e melhor composição, ou seja, se está no melhor dos mundos na capacidade de produção, mas acho que tudo que estou colocando aqui também dialoga com o lugar específico do GIFE, porque para nós é isso. Daí, quando eu falo de mapa mental, estamos na zona de investimento social, da profissão de bem público. Para nós, o papel é desenvolver projetos que não se remunerarão no mercado, e sim apoiar a ação civil em projetos dessa natureza. Na verdade, por tudo que a gente falou aqui, incorporar esse repertório é chave e pensamento positivo.

Agentes de Transformação: conheça a história de André Luiz, da TV Doc

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São Paulo é uma das cinco cidades mais populosas do mundo, com mais de 20 milhões de pessoas, sendo que só no município vivem 12 milhões de habitantes. Proporcionalmente são os seus problemas, desafios e contrastes. De acordo com o estudo realizado em conjunto pela prefeitura de São Paulo com a organização internacional Aliança de Cidades, em 2007, a capital paulista possuía 1.538 favelas, ocupando um território de 30 quilômetros quadrados. O Censo IBGE 2010 apontou que cerca de 2,1 milhões de pessoas na região metropolitana moram em favelas.

Sim, estamos diante de uma enorme desigualdade e, definitivamente, não dá para viver assim. Por isso, os próprios moradores das comunidades se mobilizam para transformar a realidade de seus territórios e muitas iniciativas e projetos começaram a surgir para dar voz e visibilidade ao que antes ficava somente nos extremos da cidade. Aqui contamos as histórias de quatro destas iniciativas. Hoje, especialmente, de André Luiz, da TV Doc.

Um talento, uma oportunidade

Luz, câmera e ação – a TV Doc está no ar! A primeira televisão do Capão Redondo foi criada por André Luiz. “Uma iniciativa para dar voz aos jovens da região e desenvolvê-los por meio dos meios de comunicação multimídia, tornando-os protagonistas da narração de suas histórias”, explica.

Durante o ensino médio, André teve a oportunidade de dirigir o programa de rádio da escola. Foi quando ele descobriu seu talento e resolveu pensar no seu próprio programa de televisão – em 2012 criou a TV Doc Capão. Com a ajuda de amigos e um pouco de improviso, André montou um estúdio no próprio quarto e, de lá, aos poucos, tudo começou a ganhar forma e ser visto não só pela comunidade, mas por todo o Brasil.

Em várias frentes

O projeto de mídia independente é fruto de quatro iniciativas pensadas para impactar a comunidade de alguma maneira: TV Doc, Doc Inclui e a produtora Prodoc. A ideia com a TV Doc é tornar visível as histórias positivas das pessoas e iniciativas do território. O conteúdo é exibido no canal do Youtube em uma grade mensal de três programas e na página do Facebook. “Este ano tivemos mais uma conquista, inauguramos a TV Doc Butantã  na Liga Solidária”, acrescenta com orgulho.

André conta que o Doc Inclui veio para abraçar mais meninos e meninas, então começou a realizar oficinas itinerantes de audiovisual alcançando outros jovens da região. Já a produtora Prodoc desenvolve serviços audiovisuais e foi idealizada com o intuito de gerar sustentação financeira aos outros projetos.

Por fim, o Centro Jovem de Comunicação (CJC) é um projeto que está sendo construído pelos comunicadores do Capão Redondo e oferecerá para 30 jovens, durante nove meses, cursos de jornalismo, publicidade e propaganda e rádio. “A importância de dar esse passo para um curso livre-técnico eleva a posição dos jovens que sonham em trabalhar com comunicação e traz uma bagagem que antes não existia na comunidade”, explica André.

Tímido, jamais!

Além de persistência, resiliência e colaboração, André também conta com ousadia. Sim, ousadia. Em 2013, ele foi aprovado pelo Programa de Valorização de Iniciativas Culturais, da prefeitura de São Paulo. Com isso, acabou cruzando o caminho de Fernando Haddad, prefeito na época, e de outras figuras públicas, como ex-senador Eduardo Suplicy. O que ele fez? Ligou a câmera e, sem hesitar, começou a entrevistá-los.

Foi com a mesma espontaneidade que André encarou a ex-presidente Dilma Rousseff, durante um encontro de jovens empreendedores do país. O garoto que saiu do Capão Redondo e chegou até Brasília não perdeu tempo. Com uma câmera na mão, pediu licença e dirigiu-se até Dilma já fazendo um convite: visitar a juventude do Campo Limpo/Capão Redondo. Apesar de ela ter aceitado, isso nunca aconteceu, mas a entrevista foi exibida em um dos programas da TV Doc chamado Correndo Atrás de Quem Manda e virilizou na internet.

Ele não para!

Em 2017, ele lançou o Doc Show, um programa independente com plateia para o público jovem. “O objetivo é possibilitar a interação entre o público e os convidados, como um talk show que a gente vê na televisão, mas a diferença é que somos nós, pretos periféricos, fazendo”, explica André.

Hoje, com 21 anos e cursando comunicação, André borbulha de ideias. Além de todas essas iniciativas, ele ainda promove cultura na periferia, dá algumas consultorias e está envolvido em diversos projetos, como o Festival do Capão, por exemplo, que no ano passado reuniu 300 pessoas. “Um dia cheio de oficinas, rodas de conversa e atividades que aconteceram em dois espaços simultâneos lá na comunidade”, conta.

Tem mais: ele é um dos influenciadores do Pense Grande, programa da Fundação Telefônica Vivo, que apoia empreendedorismo social. Se com 21 anos ele já fez tudo isso, imagina o que vem por aí!

X Congresso GIFE: Crise política e negócios de impacto foram alguns dos temas do encontro

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Ocorrido entre os dias 4 e 6 de abril, na capital paulista, o X Congresso GIFE mobilizou o setor de investimento social privado. Realizado na Federação do Comércio de São Paulo, o evento debateu diversos assuntos do setor. Em destaque, o tema dos negócios de impacto socioambiental permeou algumas das importantes discussões. Inclusive, o campo de impacto encontrou espaço para uma mesa dedicada.

O GIFE, ou Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, nasceu como grupo informal em 1989. De lá para cá, tornou-se associação dos investidores sociais do Brasil. Atualmente, são 137 associados que, somados, investem por volta de R$ 2,9 bilhões por ano na área social.

No décimo Congresso organizado pela rede, a democracia brasileira e os desafios para o desenvolvimento sustentável no país estiveram no centro dos debates. Não à toa, portanto, o turbulento momento político vivido no Brasil foi analisado em diferentes falas ao longo dos três dias.

Tempos Adversos

O X Congresso GIFE ocorreu em uma atribulada semana. No dia 4 de abril, marcando o início do Congresso, foi julgado e negado o pedido de habeas corpus movido pela defesa do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva no conhecido caso do tríplex do Guarujá. No dia 7 de abril, ao final do Evento, Lula foi preso.

O clima político adverso foi lembrado, portanto, ao longo de todo o evento. Não só pelo caso de Lula. Este ano também marca o aniversário dos 30 anos da Constituição de 1988, importante marco na redemocratização do país.

A presidente do GIFE, Neca Setúbal, em sua fala de abertura, ofereceu uma breve análise do período vivido. Segundo ela, “ao final do ciclo de redemocratização, chegamos a uma crise política, econômica, pessoal e de valores”. Ainda na sua fala, Neca argumentou que essa crise decorre do “rompimento com a unidade simbólica da Constituição, que tem gerado discursos de ódio e iniciativas autoritárias.”.

A interface entre o setor de financiamento social privado e o poder público foi outro tema constante entre os diálogos. Em entrevista exclusiva para a Aupa, o secretário-geral do GIFE, José Marcelo, também destacou a importância do nosso lugar histórico.

“É um momento que nos desafia, primeiro, a não perder de vista o que caminhamos e construímos nesse período de vivência democrática”, comenta José Marcelo. “E, por outro lado, explicita e expõe todos os limites daquilo que nós não avançamos. A pergunta que nos moveu foi: como a gente faz esse balanço de maneira lúcida e contrapõe esses limites encontrando novas respostas?”

Diálogos com o poder público

Embora essa interface entre o poder público e o setor de finanças sociais tenha sido citado em diversas ocasiões, surpreendeu a ausência de representantes das estruturas estatais entre alguns dos painéis. Em entrevista à Aupa, José Marcelo Zacchi comentou que não houve convite a estes atores por uma opção da organização do Congresso.

“Considerando o contexto, a gente entendeu que qualquer um da esfera pública deveria se perguntar como poderia contribuir para apoiar essa discussão. É um momento que faz muito sentido a gente fazer um chamado à sociedade e aos múltiplos e diversos atores, construindo e pensando soluções”, considera José Marcelo.

“A gente realmente pensou o Congresso como um momento de afirmar isso. O momento de concentrar muitos esforços na ampliação do campo de diálogo, da rede do GIFE e de outros atores. Isso sem necessariamente envolver atores do poder público.”

Negócios de Impacto em pauta

A agenda dos negócios de impacto socioambiental também ganhou evidencia. O assunto foi central em um dos painéis do GIFE. Dentre seus participantes, estavam Célia Cruz, diretora do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE); Carla Duprat, diretora de sustentabilidade do Grupo Camargo Correia; Marco Gorini, sócio fundador da Dín4mo; e os empreendedores sociais Celso Athayde e Marcelo Rocha, o DJ Bola.

O objetivo da mesa foi o de articular sobre quais os pontos de contato entre duas pontas aparentemente paradoxais. De um lado, os negócios de impacto, que visam lucro e sustentabilidade no mercado. De outro, o investimento social privado, que, tradicionalmente, opera na lógica de doações.

Um dos “mantras” repetidos durante as falas foi que o negócio de impacto pode ser um dos recursos possíveis no repertório de fundações e institutos. Segundo consenso entre palestrantes, não se trata de um modelo que irá substituir a filantropia. Por outro lado, permaneceu a máxima de que as fundações e institutos podem e devem apoiar o fomento de novos modelos de negócio nessa nova direção.

Nesse sentido, Marco Gorini, apresentou um modelo Blended Investment como forma de financiar modelos de negócio de impacto, onde fundações e institutos têm papel fundamental. O case apresentado foi o da Vivenda, empresa focada em microcrédito para reformas em domicílios em regiões de vulnerabilidade. O case, em questão, será abordado com mais detalhes em reportagem especial à Aupa.

Em um dos momentos memoráveis do painel, foi questionado a Celso Athayde, fundador e presidente da Favela Holding, como levar o assunto dos negócios de impacto para a língua das comunidades. Como notado no painel, há, ainda, muita dificuldade em empoderar a população mais vulnerável com tais conceitos de investimento e negócios. Haveria, então, um problema de tradução para a linguagem dessa população? Se sim, como resolvê-la? A resposta de Celso não poderia ter sido mais objetiva: “contrate preto e favelado na sua empresa”.

Lançamento de publicação dedicada ao setor

No painel, também ocorreu o lançamento do livro Temas do Investimento Social: Olhares sobre a atuação do investimento social privado no campo de negócios de impacto. A publicação é uma realização do GIFE com apoio do Oi Futuro, Instituto Vedacit, Instituo Sabin, Instituto InterCement, Instituto C&A e ICE. O livro traz um panorama da atuação de fundações e institutos em negócios de impacto e levanta dilemas dessa nova conjuntura, bem como estratégias para exercer essas pontes.

Fundo Mariele

No Evento, foi anunciado um fundo de U$ 10 milhões, a ser gerido pelo Fundo Baobá, para a promoção de lideranças negras femininas. O anúncio se deu em homenagem à vereadora pelo PSOL, do Rio de Janeiro, Marielle Franco. A ativista foi assassinada em 14 de março, juntamente a seu motorista, Anderson Gomes.

Ativistas das causas feministas e da luta pela igualdade racial recordaram e celebraram a atuação de Marielle por quase todo o Congresso. A própria presidente do GIFE, Neca Setúbal, em sua fala de abertura, lamentou o ocorrido. “Quando a violência passa a vigorar como forma de ação política, temos de perguntar qual é o papel do investimento social privado no nosso país”, mencionou.

A iniciativa deste Fundo, conta com a participação do Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. Cada um, respectivamente, fez a doação de U$ 1 milhão para a causa.

A Fundação Kellogg, por sua vez, entrou na iniciativa com uma proposta ousada. Ela investirá US$ 3 para cada US$ 1 vindo de organizações e doadores brasileiros, e US$ 2 para US$ 1 de internacionais. Assim, os US$ 3 milhões iniciais se tornariam US$ 10 milhões, e podendo aumentar. A Kellogg estabeleceu um limite de investimento de U$ 25 milhões dentro desse modelo.

Não existe um modelo único de apoio aos negócios de impacto

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Aceleradoras, mentores, consultores, investidores, institutos, fundações, organizações sociais, governos, marcas e corporações. Todos esses compõem o rol de atores do ecossistema de apoio aos negócios de impacto social e ambiental. Um campo em construção e em constante transformação no Brasil, não só pela diversidade de figuras que o integram hoje, mas também pelos novos arranjos, formas de colaboração e mecanismos de apoio técnico e financeiro.

Há 14 anos, quando o modelo de negócio social surgia no país, podia-se contar em uma mão os empreendimentos nascidos, muitas vezes, de base comunitária. Alguns anos depois, quando trabalhava na área de responsabilidade social de um banco, tivemos a oportunidade de apoiar, por meio da aceleradora Artemisia, o Banco Pérola. A iniciativa oferecia microcrédito para empreendedores de baixa renda. Naquela ocasião, buscávamos diversificar nossos grants e queríamos aprender com os negócios de impacto.

Esse foi, sem dúvida, um avanço dentro do que fazíamos e das práticas do mercado. Na época, microfinanças era uma das linhas de investimento social da empresa, mas até então nossa atuação se limitava a um prêmio anual voltado ao reconhecimento de empreendedores e do setor.

Mais tarde, em outra instituição financeira de base tecnológica, experimentamos um modelo diferente. Além do aporte financeiro à organização intermediária, alocamos um recurso adicional em um dos negócios acelerados para a criação e o desenvolvimento de uma plataforma de e-commerce. A startup social também contou com o suporte de uma equipe especializada da empresa.

“A INOVAÇÃO NO APOIO AOS EMPREENDIMENTOS SOCIAIS SURGE A PARTIR DE UMA LIDERANÇA ENGAJADA E CONVENCIDA DE QUE NÃO EXISTE UM MODELO ÚNICO CAPAZ DE ENDEREÇAR PROBLEMAS SOCIAIS.”

Aquele foi o primeiro movimento de colaboração que vivenciei, entre mundos tão distintos e com alto potencial de aprendizagem. O que hoje, de forma mais estruturada, se consolidam como os chamados corporate venture, nome que se dá ao crescente movimento de grandes empresas em busca de inovação por meio do investimento em startups, geralmente ligadas à atuação da companhia.

Essas foram experiências próprias que ilustram um pouco como o investimento social privado foi se aproximando dos negócios de impacto. A motivação, nesses casos, foi a busca por conhecimento, dentro de uma visão estratégica de negócio.

Mas estou cada vez mais convencida de que a inovação no apoio aos empreendimentos sociais surge a partir de uma liderança engajada e convencida de que não existe um modelo único capaz de endereçar problemas sociais. É preciso juntar o que há de melhor em cada um desses atores para potencializar o campo.

A ideia dessa coluna é compartilhar um pouco da minha experiência e de novas e animadoras iniciativas que vêm surgindo. Exemplos de como o ecossistema tem remodelado sua forma de atuação: intermediários com programas mais personalizados, fazendo pontes mais eficazes; novos mecanismos financeiros surgindo para cobrir fases relevantes do desenvolvimento de negócios; novos arranjos colaborativos que ultrapassam as barreiras jurídicas em benefício de causas.

Sim, temos muitos desafios pela frente, mas esses movimentos trazem sem dúvida muita esperança. Que tal conhecer, se inspirar e trazer mais gente para esse papo?

A Aliança pelo impacto que está estruturando as finanças sociais no Brasil

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Fazer acontecer modelos de negócios rentáveis que resolvam algum problema socioambiental. Este é o principal objetivo da Aliança pelos Investimentos Sociais e Negócios de Impacto, um grupo com 80 organizações articuladas pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) que vem sendo formado desde 2013. Até 2018, o grupo era chamado e reconhecido como Força Tarefa de Finanças Sociais, mas passou a adotar o novo nome.

Para isso, o grupo tem definido princípios, preparado um plano de ação e usado de influência para articular com investidores, famílias de alta renda, instituições, empreendedores e governo. Mesmo ainda com pouco tempo de existência, a iniciativa tem observado importantes passos sendo dados. Uma delas a criação junto ao governo da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO), que se for executada será um marco para o setor.

A ideia de uma Força Tarefa sempre foi ótima, mas não tanto original, até porque com a chegada da década de 2000 era anunciado o fim do milênio. E foi nesta ocasião que, no Reino Unido, pessoas começaram a se organizar e apresentar recomendações de implementação para garantir o avanço do  setor de negócios de impacto.

Entretanto, em 2013, outro grande avanço global aconteceu. Na época,  David Cameron, então primeiro-ministro britânico, anunciou a criação de uma força tarefa que incluía os países do G-8. Assim, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido e Austrália (embora este último não fosse integrante do G-8) começaram a desenvolver recomendações globais e específicas direcionadas aos países do mundo.  Uma das recomendações globais, por exemplo, que merecem destaque foi dirigida aos governos e bancos de desenvolvimento, para que criassem mecanismos financeiros direcionados aos investimentos de impacto. A pressão fez sentido.

 

 

Pode-se dizer que a partir da iniciativa do ex-primeiro-ministro do Reino Unido, a cena global ganhou força e, atualmente, representantes de 15 países e da União Europeia se reúnem sob a bandeira do Global Social Impact Investment Steering Group (GSG), criado em 2015. O Brasil, por sua vez, se faz  presente no GSG por integrar a Força Tarefa.

“O cenário global está se consolidando rapidamente. Neste momento, ainda é preciso de apoio de governos, dinheiro de fundações, mas se a onda pegar o capital privado investirá, e a atenção dos investidores será direcionada para esta agenda. A meta do GSG é de que até 2020 1 a cada 3 pessoas em situação de vulnerabilidade seja impactado por esses investimentos. É uma meta ousada”, conta Celia Cruz, diretora executiva do ICE.

No Brasil…

Após quase dois anos analisando demandas, desafios e oportunidades do ecossistema e sistematizando este conteúdo, a Aliança lançou, em outubro de 2015, uma carta com 15 recomendações para garantir: a ampliação da oferta de capital; o aumento do número de negócios de impacto; o fortalecimento das organizações intermediárias; e a promoção de um macroambiente favorável para as Finanças Sociais.

Algumas das recomendações são: uso do subcrédito social do BNDES para negócios de impacto, a inclusão de negócios de impacto nas compras governamentais e na cadeia de valor das empresas, a formação de empreendedores e fortalecimento das incubadoras e aceleradoras, a integração do Governo Federal na agenda de finanças sociais e o apoio do SEBRAE aos empreendedores de negócios de impacto.

A 15ª recomendação é para que os atores do ecossistema se utilizem da Carta de Princípios publicada pela Aliança, que define o que são Negócios de Impacto no Brasil e como eles se diferenciam das ONGs e das empresas tradicionais.

O documento, publicado em 2015, está baseado em quatro princípios. Negócios de impacto socioambiental devem ter um propósito de gerar impacto socioambiental positivo explícito na sua missão; conhecem, mensuram e avaliam o seu impacto periodicamente; têm uma lógica econômica que permite gerar receita própria; e possuem uma governança que leva em consideração os interesses de investidores, clientes e a comunidade.

Quais os avanços?

Atuando como mobilizadora dos atores estratégicos, o ICE, por meio da Aliança, criou, em 2016, o primeiro Laboratório de Inovação em Finanças Sociais, que reuniu lideranças de diferentes organizações para cocriar protótipos de ação para implementar as recomendações.

Entre maio e novembro de 2016, 57 organizações participaram da criação de sete protótipos. Um destaque foi o nascimento do FIIMP (Fundações e Institutos de Impacto), um fundo de investimento que reuniu 22 institutos e fundações. O fundo investiu, ao todo, 703 mil reais em negócios de impacto e estão, atualmente, colhendo informações e seguir para a segunda rodada de investimentos.

A experiência se repetiu em 2017 e resultou em sete outros protótipos igualmente interessantes ainda que em fase incipiente. Um deles é o Fundo Éditodos, um fundo de capital gerido por empreendedores de periferia, que deve ser lançado em junho com objetivo de captar 300 mil reais no segundo semestre de 2018.

Embora, no Brasil, haja avanços nos investimentos em negócios de impacto, o contexto não é tão animador como se imagina.  “O setor está crescendo. A infraestrutura está sendo construída tão rapidamente quanto necessária? Não.  Os bancos ainda não têm produtos suficientes, para isso a oferta de negócios precisa aumentar. E por causa disso,  as aceleradoras morrem na praia… Mas o cenário está evoluindo”, afirma Celia Cruz.

Contudo, um estudo realizado pela Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE), em parceria com a Latin American Private Equity & Venture Capital Association (LAVCA) e LGT Impact Ventures mostrou que, apesar da instabilidade político-econômica vivida entre 2014 e 2016, no Brasil, os recursos administrados por investidores em negócios de impacto subiu de 177 milhões para 186 milhões de dólares. O número, mesmo expressivo, não é suficiente. O México com PIB cerca de 50% menor que o Brasil, por exemplo, somou 392 milhões de dólares em investimento. 

Leonardo Letelier

 

“Em termos de volume de transações, se for olhar para trás está bom, mas se olhar comparativamente, nem tanto. Proporcionalmente, o setor no México é muito maior. Em relação à estrutura, o Brasil  tem, no momento, uma estratégia nacional de investimento de impacto. Se pensar na infraestrutura, estamos potencialmente muito bem”, revela Leonardo Letelier, Diretor Executivo da Sitawi e participante da Aliança.

A Aliança publicou seu relatório de ações no ano de 2017. Saiba mais sobre neste link.

A criação da ENIMPACTO

Uma importante conquista foi a assinatura presidencial, em dezembro de 2017, do decreto que cria a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO) e torna o Brasil a ser o primeiro país com uma estratégia de ação interministerial.

Esta estratégia foi resultado de um plano de ação de oito meses elaborado a partir de um Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e que envolveu a participação da Aliança e de agentes de diversos setores, como por exemplo, PNUD, BID, SEBRAE, Caixa Econômica Federal, Anprotec, além do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação.

O decreto aprovado tem as mesmas bases que fundamentaram a publicação das Recomendações da Aliança, que se transformaram em Grupos de Trabalho. Este decreto determinou também eleições de lideranças que ajudarão na implementação do cenário proposto.

O ICE, por exemplo, foi eleito para ampliar a oferta de capital por meio da Aliança. Já o aumento do número de negócios de impacto é gerenciado pelo Sebrae. Entretanto, quando se fala no fortalecimento das organizações intermediárias, a administração é da Anprotec. E quanto à promoção de um macroambiente favorável para as Finanças Sociais quem coordena é o Sistema B.

“Este é um trabalho que, na verdade, só começa” arremata Leonardo Letelier, que participa dos Grupos de Trabalho. “A criação só mostra que o governo definiu algumas prioridades, mas não é que esteja tudo resolvido”, completa Leonardo.

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