Ocorrido entre os dias 4 e 6 de abril, na capital paulista, o X Congresso GIFE mobilizou o setor de investimento social privado. Realizado na Federação do Comércio de São Paulo, o evento debateu diversos assuntos do setor. Em destaque, o tema dos negócios de impacto socioambiental permeou algumas das importantes discussões. Inclusive, o campo de impacto encontrou espaço para uma mesa dedicada.
O GIFE, ou Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, nasceu como grupo informal em 1989. De lá para cá, tornou-se associação dos investidores sociais do Brasil. Atualmente, são 137 associados que, somados, investem por volta de R$ 2,9 bilhões por ano na área social.
No décimo Congresso organizado pela rede, a democracia brasileira e os desafios para o desenvolvimento sustentável no país estiveram no centro dos debates. Não à toa, portanto, o turbulento momento político vivido no Brasil foi analisado em diferentes falas ao longo dos três dias.
Tempos Adversos
O X Congresso GIFE ocorreu em uma atribulada semana. No dia 4 de abril, marcando o início do Congresso, foi julgado e negado o pedido de habeas corpus movido pela defesa do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva no conhecido caso do tríplex do Guarujá. No dia 7 de abril, ao final do Evento, Lula foi preso.
O clima político adverso foi lembrado, portanto, ao longo de todo o evento. Não só pelo caso de Lula. Este ano também marca o aniversário dos 30 anos da Constituição de 1988, importante marco na redemocratização do país.
A presidente do GIFE, Neca Setúbal, em sua fala de abertura, ofereceu uma breve análise do período vivido. Segundo ela, “ao final do ciclo de redemocratização, chegamos a uma crise política, econômica, pessoal e de valores”. Ainda na sua fala, Neca argumentou que essa crise decorre do “rompimento com a unidade simbólica da Constituição, que tem gerado discursos de ódio e iniciativas autoritárias.”.
A interface entre o setor de financiamento social privado e o poder público foi outro tema constante entre os diálogos. Em entrevista exclusiva para a Aupa, o secretário-geral do GIFE, José Marcelo, também destacou a importância do nosso lugar histórico.
“É um momento que nos desafia, primeiro, a não perder de vista o que caminhamos e construímos nesse período de vivência democrática”, comenta José Marcelo. “E, por outro lado, explicita e expõe todos os limites daquilo que nós não avançamos. A pergunta que nos moveu foi: como a gente faz esse balanço de maneira lúcida e contrapõe esses limites encontrando novas respostas?”
Diálogos com o poder público
Embora essa interface entre o poder público e o setor de finanças sociais tenha sido citado em diversas ocasiões, surpreendeu a ausência de representantes das estruturas estatais entre alguns dos painéis. Em entrevista à Aupa, José Marcelo Zacchi comentou que não houve convite a estes atores por uma opção da organização do Congresso.
“Considerando o contexto, a gente entendeu que qualquer um da esfera pública deveria se perguntar como poderia contribuir para apoiar essa discussão. É um momento que faz muito sentido a gente fazer um chamado à sociedade e aos múltiplos e diversos atores, construindo e pensando soluções”, considera José Marcelo.
“A gente realmente pensou o Congresso como um momento de afirmar isso. O momento de concentrar muitos esforços na ampliação do campo de diálogo, da rede do GIFE e de outros atores. Isso sem necessariamente envolver atores do poder público.”
Negócios de Impacto em pauta
A agenda dos negócios de impacto socioambiental também ganhou evidencia. O assunto foi central em um dos painéis do GIFE. Dentre seus participantes, estavam Célia Cruz, diretora do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE); Carla Duprat, diretora de sustentabilidade do Grupo Camargo Correia; Marco Gorini, sócio fundador da Dín4mo; e os empreendedores sociais Celso Athayde e Marcelo Rocha, o DJ Bola.
O objetivo da mesa foi o de articular sobre quais os pontos de contato entre duas pontas aparentemente paradoxais. De um lado, os negócios de impacto, que visam lucro e sustentabilidade no mercado. De outro, o investimento social privado, que, tradicionalmente, opera na lógica de doações.
Um dos “mantras” repetidos durante as falas foi que o negócio de impacto pode ser um dos recursos possíveis no repertório de fundações e institutos. Segundo consenso entre palestrantes, não se trata de um modelo que irá substituir a filantropia. Por outro lado, permaneceu a máxima de que as fundações e institutos podem e devem apoiar o fomento de novos modelos de negócio nessa nova direção.
Nesse sentido, Marco Gorini, apresentou um modelo Blended Investment como forma de financiar modelos de negócio de impacto, onde fundações e institutos têm papel fundamental. O case apresentado foi o da Vivenda, empresa focada em microcrédito para reformas em domicílios em regiões de vulnerabilidade. O case, em questão, será abordado com mais detalhes em reportagem especial à Aupa.
Em um dos momentos memoráveis do painel, foi questionado a Celso Athayde, fundador e presidente da Favela Holding, como levar o assunto dos negócios de impacto para a língua das comunidades. Como notado no painel, há, ainda, muita dificuldade em empoderar a população mais vulnerável com tais conceitos de investimento e negócios. Haveria, então, um problema de tradução para a linguagem dessa população? Se sim, como resolvê-la? A resposta de Celso não poderia ter sido mais objetiva: “contrate preto e favelado na sua empresa”.
Lançamento de publicação dedicada ao setor
No painel, também ocorreu o lançamento do livro Temas do Investimento Social: Olhares sobre a atuação do investimento social privado no campo de negócios de impacto. A publicação é uma realização do GIFE com apoio do Oi Futuro, Instituto Vedacit, Instituo Sabin, Instituto InterCement, Instituto C&A e ICE. O livro traz um panorama da atuação de fundações e institutos em negócios de impacto e levanta dilemas dessa nova conjuntura, bem como estratégias para exercer essas pontes.
Fundo Mariele
No Evento, foi anunciado um fundo de U$ 10 milhões, a ser gerido pelo Fundo Baobá, para a promoção de lideranças negras femininas. O anúncio se deu em homenagem à vereadora pelo PSOL, do Rio de Janeiro, Marielle Franco. A ativista foi assassinada em 14 de março, juntamente a seu motorista, Anderson Gomes.
Ativistas das causas feministas e da luta pela igualdade racial recordaram e celebraram a atuação de Marielle por quase todo o Congresso. A própria presidente do GIFE, Neca Setúbal, em sua fala de abertura, lamentou o ocorrido. “Quando a violência passa a vigorar como forma de ação política, temos de perguntar qual é o papel do investimento social privado no nosso país”, mencionou.
A iniciativa deste Fundo, conta com a participação do Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. Cada um, respectivamente, fez a doação de U$ 1 milhão para a causa.
A Fundação Kellogg, por sua vez, entrou na iniciativa com uma proposta ousada. Ela investirá US$ 3 para cada US$ 1 vindo de organizações e doadores brasileiros, e US$ 2 para US$ 1 de internacionais. Assim, os US$ 3 milhões iniciais se tornariam US$ 10 milhões, e podendo aumentar. A Kellogg estabeleceu um limite de investimento de U$ 25 milhões dentro desse modelo.