POR RICARDO SASAKI
A natureza fundamental da realidade na concepção buddhista é algo que poderíamos chamar de cossurgimento dependente. De uma forma bem simples, tudo que existe só existe a partir de um grande número de outras coisas. E essas outras coisas, por sua vez, surgem também de outras coisas, de tal modo que a existência de uma única coisa depende de fato de uma infinitude de outras.
Quando penso sobre como eu posso viver bem, provavelmente centro minha perspectiva em torno de mim mesmo e das necessidades de meu eu. O que ‘eu’ preciso para me sentir feliz, satisfeito, realizado. Parto de uma ideia – errônea – de que eu sou eu, sou um ser isolado, diferente dos outros, independente do mundo ‘lá fora’, o qual, muito frequentemente, está em oposição aos meus interesses pessoais. O mundo ‘lá fora’, com tudo o que ele contém, deve ser conquistado, submetido à minha vontade, e no final do processo serei reconhecido como um ‘vitorioso’. Um pensamento parcial é um pensamento partido, e só pode levar a resultados partidos. Quanto mais penso exclusivamente em mim, mais sublinho a ideia de que posso resolver meus problemas e angústias exclusivamente por mim mesmo e em mim mesmo.
‘Viver bem’ exige um pensamento mais integral, um pensamento inteiro. De um lado, é preciso compreender que minhas ações interferem, positiva ou negativamente, no mundo ao meu redor. Minha busca por viver bem, se destacada de minha influência sobre ‘os outros’, não acabará bem. Quem prejudica, abusa, rouba e agride altera aquele conjunto de coisas das quais minha própria existência enquanto indivíduo depende. Assim, o outro lado da minha influência sobre o outro é que a influência do ‘mundo lá fora’ deve ser seriamente considerada. Não há busca por felicidade individual que não passe pela melhoria da felicidade do outro, e a felicidade do mundo ao redor efetivamente altera as influências sobre minha existência individual. Eu e outro, indivíduo e mundo, não são partes autônomas em oposição, mas elementos de um mesmo fluxo – complexo, e ao mesmo tempo belo e terrível, dependendo de como eles se relacionam entre si.
É nesse sentido que o buddhismo tem um olhar para dentro pela meditação e outro olhar para fora pelo desenvolvimento de uma consciência efetiva e pragmática voltado ao benefício do outro.
Meditação e reflexão: A meditação é uma das ferramentas mais poderosas que o buddhismo traz. A busca pelo equilíbrio, ou a diminuição da ansiedade, passam por um conhecimento da própria mente e das maneiras como ela reage nas diversas circunstâncias. Dificilmente alguém operaria uma máquina complexa, ou se arriscaria a fazer uma operação cirúrgica em alguém, se não estudasse para conhecer muito bem tudo aquilo e treinasse nas formas de se lidar com seus elementos. No entanto, facilmente nos jogamos pela vida sem qualquer consciência da importância de conhecermos a nós mesmos e como funcionamos mental e emocionalmente. Essa é a função da meditação. Ela é uma fonte de conhecimento, reflexão e treinamento.
Benefício do outro: Em vez de ver o mundo ‘lá fora’ como em oposição a mim, posso vê-lo como um colaborador. Senhores de engenho é que dominam e ‘vencem’ seus escravos. Infelizmente continuamos com essa mentalidade na vida. Falamos de ‘vencer na vida’, criando com isso um mundo selvagem, cheio de competidores, e que deve ser submetido e domado. A visão buddhista é bem diferente da retórica dos ‘conquistadores’. Na linguagem da colaboração quatro qualidades essenciais são propostas: a. por meio de uma visão fraterna, buscamos os elementos comuns que podem apoiar ‘eu e outro’; b. por meio da compaixão buscamos ver o sofrimento do mundo e compreender como usar dos recursos que temos para minorar as suas dificuldades; c. os sucessos e realizações dos outros, em vez de serem objetos de inveja e ambição, passam a ser motivos de alegria; e d. por meio da equanimidade buscamos nos manter firmes e centrados diante das adversidades da vida, bem como apoiar o mundo ao redor de forma equilibrada e não-violenta.
Assim agindo – cuidando de si mesmo e cuidando do outro – conscientes de nossas ações no mundo e atentos às suas influências em nós, é que poderíamos realmente falar que um viver bem está sendo promovido.