Em um mundo cada vez mais dinâmico e diverso, definir um perfil do trabalhador de impacto social é tarefa difícil e até injusta. Afinal, é possível encontrar esses profissionais em diferentes atuações dentro do guarda-chuva de impacto: empreendimentos sociais, ONGs, institutos e fundações.
Lançado em abril de 2021, o 3º Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental, organizado pela Pipe.Social, traz um vislumbre de quem é o empreendedor deste setor baseado em uma pesquisa com 1.272 negócios de impacto.
Entre as características do principal fundador dos negócios sociais mapeados alguns padrões ainda persistem: a maioria é homem, branco, de 30 a 44 anos, alta escolaridade e com formação em Administração, Economia, Ciências Contábeis e/ou STEM (Computação, Engenharia, Física e Química).
Apesar das disparidades, o estudo traz um comparativo que aponta uma mudança neste perfil. Em 2017, no primeiro ano do Mapa, 58% dos negócios eram fundados apenas por homens, neste último ano, este número caiu para 27%.
Segundo Lívia Hollerbach, co-fundadora da Pipe.Social e da Pipe.Labo, a falta de equidade de gênero não é só característica dos negócios de impacto: é do empreendedorismo como um todo.
“Esse movimento de gênero, que é global, tem se fortalecido na última década. E vemos os efeitos no nosso cenário. Negócios que têm só participação feminina tem mais desafios. Recebem menos apoio e acessam menos recursos, não só financeiros, como também de aceleradoras”,
analisa Lívia Hollerbach, co-fundadora da Pipe. Social e da Pipe.Labo.
Para saber mais sobre gênero e empreendedorismo no Brasil, leia a entrevista com Cecília Zanotti, da ANDE Brasil.
Já na Glocal Aceleradora, cujo trabalho de apoio está mais focado em organizações da sociedade civil (OSCs), as empreendedoras apoiadas são maioria na liderança de ONGs e negócios. Juliana Gouveia, diretora executiva da Glocal, pontua algumas diferenças de perfis de profissionais de negócios de impacto e ONGs.
“Percebemos que os negócios partem de alguém que, geralmente, veio do mercado formal de trabalho. Quem está em um projeto social, não-raro, já trabalhou em ONG e não necessariamente atuou no mercado formal”, aponta Juliana.
A informalidade, que atinge 34 milhões de brasileiros, também é presente nos profissionais do ecossistema de impacto. Ainda de acordo com o 3º Mapa da Pipe, 69% dos negócios sociais respondentes trabalham com equipes freelancers.
A formalização nos moldes da CLT é vista como um entrave para a sustentabilidade dos negócios que, muitas vezes, estão em fase incipiente.
“Os encargos trabalhistas tornam quase impossível começar com a estrutura ideal do dia 0. O empreendedor está tentando equilibrar os pratos”, afirma Lívia Hollerbach, da Pipe.Social.
Juliana Gouveia, da Glocal Aceleradora, compartilha da mesma opinião, mas também vê um movimento que “força” a formalização de ONGs. “As ONGs têm até uma pressão para formalizar, pois tem esse critério para participar de captação de recursos”, comenta.
Diogo Bezerra é um dos fundadores da PLT4way, que democratiza o ensino da Língua Inglesa para a população periférica. Atualmente, 11 pessoas fazem parte da equipe e, mesmo contratando no modelo PJ (Pessoa Jurídica), o empreendedor paga benefícios similares à CLT.
“Mesmo sendo PJ, os profissionais aqui têm 13º salário, férias remuneradas, quando saem pagamos o tempo de casa. Coisas que ainda fazem sentido, pois eles deixaram o legado deles aqui”, afirma Diogo.
Corporatização
O domínio de características de gestão administrativa é cada vez mais exigido dos profissionais do ecossistema de impacto. Nos negócios sociais entrevistados pelo 3º Mapa da Pipe.Social, 50% dos fundadores são formados em Administração, Economia, Contábeis e STEM (Computação, Engenharia, Física e Química).
Para Lívia, há o desafio da cultura empreendedora e do pensamento de negócios no Brasil. “Nós viemos da área de Humanas. Quando fomos estruturar a Pipe.Social como empresa, foi desafiador. Para entendermos modelos de negócios e fluxos de caixa, tivemos que trazer consultores. Para entrar no jogo, tem que aprender a jogar”, comenta ela sobre o exemplo da formalização da Pipe.Social.
A diretora executiva da Glocal Aceleradora acredita que o paradigma de “preciso fazer o bem, mas não posso ganhar dinheiro com isso” ainda persiste no ecossistema.
“Às vezes, as pessoas têm vergonha de captar recursos, com a pandemia mudou um pouco. Olhar as OSCs como um negócio é essencial para estruturá-las bem. Elas estão sendo cobradas para serem mais profissionais, por isso estão correndo atrás de programas de suporte”, afirma Juliana.
Em institutos e fundações, o modelo corporativo já está mais presente na rotina de trabalho. Um exemplo é a Fundação Grupo Volkswagen, que conta com um quadro de 11 colaboradores dedicados e faz interlocução com diferentes setores para implementar projetos em três áreas prioritárias: mobilidade urbana, mobilidade social e inclusão de pessoas com deficiência
“Sobre institutos e fundações empresariais, é necessário um entendimento das dinâmicas do mundo corporativo, por conta da relação estreita com instituidores e mantenedores. Isso impacta fortemente em governança, políticas internas, processos e gestão financeira, por exemplo”, explica Vitor Hugo Neia, diretor de Administração e Relações Institucionais da Fundação Grupo Volkswagen.
Mas a realidade corporativa e de negócios ainda não é democrática. Diogo Bezerra, empreendedor social da PLT4way, conseguiu dar um salto na carreira e criar o negócio após ter a oportunidade de fazer um intercâmbio religioso em Portugal e ver a importância do domínio do inglês. O jovem de 27 anos, que já morou na favela Jardim Pantanal, em São Paulo, analisa os desafios para a população periférica acessar recursos.
“Eu tive a possibilidade de pensar assim, pois, tive acesso a outra realidade, apesar de ser morador da favela. Eu podia ser criativo. Mas projetos de fomento ao empreendedorismo ainda não chegam muito forte à quebrada. Por exemplo, as pessoas, muitas vezes, não sabem o que é edital. Em cinco anos na área, não vi nenhum jovem da periferia querendo ser empreendedor de impacto social”,
reflete Diogo Bezerra, empreendedor social da PLT4way.
A falta de acesso e o deslocamento de realidades trazem à tona a discussão dos impactos da falta de diversidade dentro do ecossistema.
“Realmente, o perfil de quem está empreendendo, acessando os recursos e não morrendo na praia é o perfil ‘faria limer’. Quando não incluímos perfis diversos também não incluímos a diversidade de problemas e como eles olham para essas questão”, aponta Lívia Hollerbach, da Pipe.Social.
Outra reflexão levantada por Lívia é que a rede de apoio aos negócios de impacto é muito concentrada nas capitais brasileiras, sendo o Estado de São Paulo o líder. “Fora das capitais, quais novos hubs podem ser criados? As universidades devem ser outro hub e as grandes cooperativas, como redes de cooperativas, por exemplo”, avalia ela.
No caso de institutos e fundações, a diversidade também é vista como um elemento fundamental, segundo o diretor de Administração e Relações Institucionais da Fundação Grupo Volkswagen.
“Nunca conseguiremos estar verdadeiramente próximos dos nossos beneficiários, transformando, de forma positiva, o contexto social no qual atuamos e gerando impacto de longo prazo, se a nossa equipe, responsável pela execução do nosso investimento, não trazer em si mesma diversidade e representatividade”, reflete Vitor.
E, quando se fala em diversidade, há um horizonte para incluir: seja profissionais mais maduros, de regiões fora do Sudeste, periféricos, pessoas com deficiência, mulheres, negros, LGBTQI+, a urgência de trazer múltiplos atores ao universo de impacto é alinhada à necessidade de ampliar as soluções desenvolvidas.