O Brasil registra mais de 363.340 infectados e mais de 22.772 mortes pelo coronavírus, segundo dados das Secretarias Municipais de Saúde, compilados pelo Brasil.IO e registrado no dia 24 de maio de 2020. O país já é considerado epicentro da doença – na sexta-feira, dia 22 de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou que a América do Sul passou a ser o novo epicentro da doença, muito impulsionado pelos dados apresentados oficialmente pelo Brasil. Com o avanço da pandemia, o SUS (Sistema Único de Saúde) pede socorro em diversos municípios do país.
A situação em Manaus
As regiões Norte e Nordeste são algumas das mais vulneráveis. A cidade de Manaus, por exemplo, foi palco de cenários de calamidade pública, em que corpos de vítimas pelo vírus estavam ao lado de pacientes vivos infectados. Até o dia 20 de maio, o município possuía mais de 23 mil infectados e 1.506 óbitos, contando com a capital e interior. Mais de 400 pessoas estão internadas na rede pública de saúde a taxa de ocupação dos leitos de UTI chega a 80%.
“Antes da vinda do Ministério da Saúde era angustiante, sabíamos o que precisávamos fazer e não tínhamos o meio para fazer. Não temos amparo psicológico: seu psicólogo é seu colega de plantão”, afirma Ana Galdina, infectologista que trabalha no Pronto Socorro João Lúcio e no Hospital de Campanha Nilton Lins, ambos em Manaus. O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, visitou a cidade no dia 4 de maio.
Segundo a médica, o Estado oferta um serviço de teleconsulta para apoio psicológico aos profissionais de saúde. Porém, ela afirma que o que mais traz impacto positivo à saúde mental de quem está na linha de frente é ter insumos para atuar.
“Vou lhe falar uma coisa de quem está vivenciando isso: precisamos de alguém que visualize isso e dê um amparo. Nesse momento que estamos no olho do furacão, o que precisamos é a resolutividade”,
desabafa Ana Galdina infectologista.
A infectologista ainda relata que a situação dos equipamentos de saúde melhorou após a visita do ex-ministro da Saúde Nelson Teich no início de maio. Após a polêmica compra de respiradores inadequados, que foram adquiridos em uma loja de vinho (segundo reportagem do UOL) com denúncias de superfaturamento, o Hospital de Campanha Nilton Lins recebeu os respiradores corretos e está atuando em sua totalidade.
“Tivemos um momento em que vários profissionais tiveram que sair, pois adoeceram, e o Ministério da Saúde trouxe profissionais essenciais para a máquina continuar funcionando”, conta Ana Galdina, que trabalha com casos de pacientes em estado grave.
Em meio ao cenário turbulento, surgem iniciativas de pessoas físicas que se unem para apoiar profissionais da saúde e pessoas em vulnerabilidade social durante a pandemia. A servidora pública municipal Luciane Fridschtein participa da iniciativa União Amazonas, que atua com diferentes frentes, entre elas o apoio ao SUS para aquisição de insumos aos atuantes na linha de frente.
“Aqui não medimos em quilômetros, mas, sim, em quantos dias de barco. Tem moradores na Amazonas que nunca viram médico. Foram chegando pessoas de diversos movimentos, como as lideranças indígenas, periféricas, venezuelanos. Para onde eu ligo, as pessoas estão ajudando. Temos uma lista de amazonenses pelo mundo, entro em contato com eles pedindo ajuda. Nossa saúde é muito sucateada e o contrato de trabalho é muito frágil”, compartilha a servidora pública.
Em um financiamento online, o grupo já arrecadou mais de R$ 6 mil para apoio na compra de EPIs como máscaras, face shields, luvas, entre outras. Segundo a página União Amazonas no Instagram, 700 face shields foram entregues ao Sindicato dos Médicos do Amazonas para serem distribuídas no Hospital 28 de agosto, em parceria com o Ateliê Feito A Laser.
O Amazonas enfrenta um cenário específico que difere de outros estados, como a logística de estradas de rios que dificulta o acesso ao sistema de saúde. Habitantes de cidades do interior podem levar semanas para chegar à capital Manaus de barco, e, infelizmente, a doença tem se espalhado por esses locais. De acordo com o monitoramento diário da Secretária de Saúde, 15.986 estão infectados no interior de Manaus, o que representa 53,5% dos casos do município. Acesse os dados de monitoramento de Covid-19 do Governo do Estado do Amazonas.
A chegada do vírus para os moradores no interior é uma preocupação real para a população e o sistema de saúde.
“Estamos recebendo pacientes extremamente graves. E o Amazonas tem uma característica de que não há UTI no interior. Recursos humanos são limitados, isso muito me preocupa. Passamos por uma onda enorme aqui e, pelo andar da carruagem, ela virou uma tsunami para o interior”, comenta a infectologista Ana Galdina.
A falta de logística mais rápida faz com que os pacientes piorem enquanto tentam chegar a uma unidade hospitalar na capital. E esta demanda importante do Amazonas deve ser considerada pelo Poder Público e pelas iniciativas do ecossistema de impacto. A União Amazonas está recebendo doações para ajudar os povos mais vulneráveis neste link.
Cases no Nordeste:
Soluções para evitar deslocamentos e possibilitar que o paciente seja monitorado por meio da tecnologia já existem. O aplicativo UPSaúde, criado por Rodolfo de Lira, cientista da computação e cirurgião-dentista, oferece para o sistema de saúde uma possibilidade para realização de teleconsultas e acompanhamento diário do paciente.
“Quando surgiu a pandemia criamos uma maratona para adaptar o aplicativo dentro das especificidades do Covid-19. Lançamos um pacote de funções para a triagem inicial e direcionamento para a teleorientação e teleconsulta”, comenta Rodolfo.
Atualmente, a UPSaúde já impactou cerca de 500 mil pessoas e atua nos estados da Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. A cidade de Anápolis, em Goiás, está em fase inicial de implementação do aplicativo, que deve ser adquirido pelo sistema de saúde.
“Já estive em Manaus, iniciamos algumas conversas, mas o problema lá é mais a logística. A questão dos barcos que demoram 2 ou 3 dias para chegar, às vezes é o maior desafio. É necessário investir nesses pontos de apoio”, afirma o criador do projeto, que é do Rio Grande do Norte.
A pandemia reforça a necessidade de potencializar os investimentos no SUS e em tecnologias próprias para equipamentos como respiradores. Um grupo de estudantes do Ceará responsável pelo Projeto Rispira lidera o desenvolvimento de respiradores com custo-benefício para atender à população. Segundo informações do sistema Integra SUS, o Ceará possui 46.386 infectados e 2.330 óbitos, e é o segundo estado com mais casos de coronavírus no país, segundo dados do dia 25 de maio.
O Projeto Rispira conseguiu R$ 5 mil em um financiamento coletivo para desenvolver o protótipo do respirador, que irá atender pacientes em casos mais graves do Covid-19.
“Não é só sobre o equipamento funcionando, temos que cumprir as normas da ABNT e nenhuma decisão pode ser tomada antes da chancela da Anvisa”, explica André Lima, um dos participantes do projeto.
O próximo passo do grupo é começar a aquisição das peças e, após isso, o prazo de produção é em torno de 28 dias. “Fortaleza está vivendo uma situação de lockdown e teremos dificuldade para comprar os insumos, são desafios a mais”, comenta André.
De acordo com o Índice de Vulnerabilidade Municipal – Covid-19, do Instituto Votorantim, a capital do Ceará, Fortaleza, marca 58,84% no indicador de estrutura do sistema de saúde, que avalia questões como leitos hospitalares e de UTI, bem como ventiladores e respiradores disponíveis. O índice vai de de 0 a 100, sendo 100 a porcentagem de maior vulnerabilidade.
Em São Paulo, Brasilândia é epicentro do Covid-19
Com mais de 206 mil habitantes, Brasilândia é o 7º distrito mais populoso de São Paulo. Infelizmente, o bairro é o que sofre a maior taxa de óbitos pela Covid-19 e registrou 185 mortes até 22 de maio.
Após muitos atrasos e cobranças dos líderes locais, o primeiro hospital da região foi inaugurado parcialmente no dia 11 de maio, com 20 leitos de UTI e 16 leitos de enfermaria focados em pacientes diagnosticados com o Covid-19.
“A gente nunca imaginou que passaria por uma situação dessas. Ouvimos, fizemos plano de contingência, mas, de tudo o que planejamos, só sabíamos como seria, de fato, na hora que acontecesse. O primeiro caso suspeito era de pessoas que tinham vindo da Alemanha, estavam com todos sintomas antes do primeiro caso confirmado. O exame demorou bastante pra sair o resultado, pois foi o começo do boom de testes”, conta Andrea Alves Garanito, gerente da UBS Vila Penteado.
Com a gritante desigualdade e os desafios para o isolamento social, diversas organizações e pessoas físicas se uniram para formar a Rede Brasilândia Solidária, que tem como foco o combate ao coronavírus na região.
Entre as atividades desenvolvida pelo grupo de 200 voluntários, estão blitz com os profissionais da saúde com faixas para dialogar com os moradores sobre a importância do distanciamento social e o uso das máscaras. Além disso, a campanha “Máscaras para a Brasilândia”, liderada pela Rede, recebeu uma doação de 100 mil máscaras do Banco Daycoval. Os materiais serão distribuídos pelas 13 UBSs da região.
“Nossa luta continua para que este hospital seja entregue logo na sua totalidade. Queremos também que os CEUs sejam pontos de acolhimentos para os infectados”, disse Carlos Cordeiro, economista e participante da Rede Brasilândia Solidária. Saiba como ajudar a rede neste link.
A prova de que o CEP é determinante nas desigualdades fica evidente quando se compara a concentração dos leitos de UTIs em São Paulo. Segundo um mapeamento da Rede Nossa São Paulo, apenas 3 subprefeituras de São Paulo concentram mais de 60% dos leitos de UTI do SUS da cidade, são elas: Sé, Pinheiros e Vila Mariana – localizadas em regiões centrais e mais ricas.
Em contrapartida, 20% da população vive em 7 subprefeituras onde não há um leito sequer para casos graves. Brasilândia fazia parte desta estatística antes de receber os 20 leitos de UTI com a pandemia.