E se a agenda verde ficar apenas na redução das emissões de carbono?

Reflexões sobre os cenários para as próximas décadas

0
Crédito: Marcin Jozwiak

Recentemente, o periódico inglês The Economist publicou um artigo mostrando que, nos últimos dez anos, bilhões de dólares passaram a ser investidos no tema da mudança climática, em especial, na chamada descarbonização. Esse movimento é fruto da ação de empresas, fundos de investimento, bancos, governos e famílias de alta renda – todos eles aportando recursos para as chamadas climate techs. Diferentes tecnologias verdes, incluindo baterias, geradores eólicos, energia solar e outras soluções mais ou menos esotéricas, estão se tornando economicamente viáveis. E o mais significativo é que, até recentemente, muitos dos agora investidores consideravam o tema irrelevante – como algumas das maiores empresas do setor de petróleo.

Trata-se, sim, de uma ótima notícia. Mas um recente estudo publicado pelo Painel Global de Mudanças Climáticas das Nações Unidas mostra que esse movimento não será capaz de reverter as tendências do aquecimento global já em curso, fruto do acúmulo de emissões realizadas nos últimos 200 anos. A verdade é que grande parte do estrago já foi feito e precisaremos trabalhar muito para atingirmos a meta de 1,5 grau acima do nível pré-industrial em 2050.

 

Se olharmos bem, essa agenda inclui vários outros assuntos que mereceriam mais atenção. Por exemplo, o que fazer na esfera da adaptação das cidades às mudanças climáticas? Afinal, temos centenas de milhões de habitantes residentes em áreas costeiras ameaçados pela elevação do nível do oceano nas próximas três décadas. Grande parte dessa população vive em cidades de países em desenvolvimento, como Bangladesh, Nigéria, Índia e Brasil. Todos esses locais têm enfrentado o aumento da frequência de eventos climáticos extremos e as cidades costeiras são particularmente vulneráveis a esses fenômenos.

O que fazer em relação à acelerada perda da biodiversidade, fruto da expansão da fronteira agrícola necessária para abastecer a população global, ainda em crescimento? Segundo as projeções das Nações Unidas, a população global já ultrapassa hoje 7,5 bilhões de habitantes e atingirá 9,7 bilhões em 2050.

Além disso, o que fazer com a desertificação decorrente do aquecimento? E com a poluição dos oceanos? E com as populações indígenas? E com os refugiados climáticos? A lista de temas ambientais relativamente negligenciados é de tirar o sono.

E a maior parte desses problemas recebe volume limitado de investimento. De fato, embora alguns deles sejam contemplados por recursos oriundos das fundações e das áreas de responsabilidade social de empresas, as necessidades existentes são gigantescas e deverão aumentar muito no futuro próximo.

O grande problema é que, na maior parte dos casos, esse não é um investimento econômico alinhado às mudanças tecnológicas profundas na área de energia. Enquanto investir em energia eólica dá lucro e tem impacto ambiental positivo, realizar essa mágica para a adaptação das cidades à mudança climática é muito mais difícil. Muitos recursos terão de ser aportados a fundo perdido, o que demandará fortemente de governos já fragilizados por uma agenda social sufocante. Eles dependem também da ação governamental assertiva, sempre incerta abaixo do Equador.

Se a agenda verde ficar apenas na redução das emissões de carbono, apertem os cintos. As próximas décadas serão de muita turbulência.

 

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

_______________________________________________________________

Assine Correio Aupa – receba jornalismo de impacto em seu e-mail.

Deixe um comentário

Digite seu comentário
Digite seu nome