A pandemia fez com que 1,5 bilhões de estudantes ficassem fora da escola em mais de 160 países, segundo relatório do Banco Mundial. Os problemas, que antes já eram visíveis, ficaram ainda mais escancarados com as consequências do coronavírus, principalmente na rede pública. 

Neste cenário, a busca por uma Educação pública e de qualidade será ainda mais desafiadora pós-pandemia. Desse modo, é fundamental assegurar o direito à Educação e à proteção das pessoas em situações de vulnerabilidade.

Crédito: Equipe de Arte Aupa

Mas como o ecossistema de impacto atuará na Educação após esse cenário pandêmico? Mesmo se aproximando do Poder Público, os esforços terão que ser ainda maiores. Nas escolas, o receio é pelo aumento da evasão escolar. É aí que entra o papel das Políticas Públicas com as ações integradas do governo.

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Impactos
Portões fechados e alunos distantes das salas de aulas. Quem viveu essa mudança foi Jaqueline Furtado, aluna no 1º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Monte Alverne do interior de Santa Cruz do Sul, distante 150km da capital Porto Alegre (RS). Segundo Furtado, o maior desafio para sua turma foi a internet: ela precisou melhorar a rede para conseguir assistir às aulas de casa. Além disso, há ainda a dificuldade de se concentrar nos estudos fora da escola: “Em casa temos interferências dos outros membros da família, que, muitas vezes, interrompem nosso momento de estudo”.

Jaqueline Furtado. Crédito: Arquivo pessoal
Jaqueline Furtado. Crédito: Arquivo pessoal

A estudante destacou os desafios da aula on-line e acredita que a volta às aulas irá sobrecarregar ainda mais os docentes. “Além de terem que dar aula presencialmente, os professores ainda precisarão adaptar os conteúdos e dar aulas on-line”. Na dúvida quanto à eficiência dos cuidados coletivos, Furtado afirma que prefere continuar com as aulas on-line por enquanto.

O uso da tecnologia e seu acesso também é destacado pela professora Maria Cristina Wink Sehnem, que ministra aulas na EMEF Bom Jesus e na EEEM Willy Carlos Frohlich também de Santa Cruz do Sul. “Houve o problema de alunos que não possuíam meios digitais para acompanhar as aulas e ainda aqueles que ficaram desinteressados e realmente não queriam acompanhar a matéria e enviar as tarefas”, contou. A docente também destacou a falta de incentivo dos próprios pais. “A sociedade pensava que eram férias e não cobrou que seus filhos estudassem, de fato” comenta ela. Somado a isso, Sehnem destaca ainda que o que sobrecarregou a rotina dos professores foram “Os diversos cursos que as redes de ensino disponibilizavam para fazermos. Tínhamos que receber (às vezes, tentar decifrar o material) e avaliar as tarefas recebidas de todos os alunos.”   

Essa exaustão foi compartilhada por Tatiana Klik, diretora do Porvir, uma plataforma de conteúdos e mobilização sobre tendências e inovações educacionais. Os professores estão cansados e muitos tiveram que se adaptar à nova rotina com o uso das tecnologias defendeu: “Também estão sobrecarregados e têm a angústia de ver que nem todos estão conectados. Porque ficou na mão dos professores essa responsabilidade. E isso é pesado”, explicou.

Tatiana Klik, diretora do Porvir. Crédito: Arquivo Pessoal
Tatiana Klik, diretora do Porvir. Crédito: Arquivo Pessoal

Klik também ressaltou, contudo, que pode haver uma valorização do professor, já que muitos pais precisaram ajudar os filhos na nova rotina de estudos em casa. Com os alunos também foi um desafio a “Falta do convívio. Essa troca e socialização”, segundo a diretora.

Ivan Gontijo Akerman, coordenador de projetos do Todos pela Educação. Crédito: Arquivo Pessoal
Ivan Gontijo Akerman, coordenador de projetos do Todos pela Educação. Crédito: Arquivo Pessoal

Na realidade, o cenário da Educação, que já era de muitas dificuldades, pode ser agravado. É a opinião de Ivan Gontijo Akerman, coordenador de projetos do Todos pela Educação,uma organização sem fins lucrativos composta por diversos setores da sociedade e com o objetivo de assegurar o direito à Educação Básica de qualidade. Akerman apontou três impactos:

 O primeiro é a queda nos indicadores de aprendizagem. No ensino remoto, se aprende menos e nem todos estão acostumados. O segundo diz respeito ao aumento da desigualdade. Estudantes mais ricos se aprofundaram melhor. E o terceiro impacto é o aumento do risco de evasão. O fechamento das escola quebra o vínculo”.

Esses mesmos desafios foram expostos por Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. O uso da tecnologia tem sido um desafio e continuará sendo, segundo ele. “Trata-se da adaptação no uso de tecnologias, não como alternativas, mas como ferramentas que façam parte do ano letivo”, comentou. Atrelado a isso, há ainda a evasão escolar em decorrência da crise econômica que estamos vivendo. “Com a queda brusca da atividade econômica, o desemprego aumentou e, consequentemente, pioraram as condições dos estudantes e de suas famílias”, completa Henriques.

Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. Crédito: Arquivo Pessoal
Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. Crédito: Arquivo Pessoal

Outro ponto que superintendente destaca é o aumento da desigualdade entre escolas privadas e públicas. “Pode haver uma precarização da oferta de aulas para dar conta das novas demandas de adaptação das escolas, em função da Covid-19, mas com um cenário de diminuição das receitas das escolas. O problema estrutural de desigualdade fica ainda mais em evidência”. Por isso, Henriques ressaltou “O esforço significativo de Estados e municípios para mitigar o efeito de suspensão das aulas”.

O ecossistema de impacto na Educação
E como o ecossistema de impacto pode contribuir para um cenário mais favorável? Mesmo o Terceiro Setor se aproximando do Poder Público é necessário muito diálogo para que projetos postos em prática possam contribuir na mudança da realidade e no impacto da Educação. Vale ressaltar que este é um problema estrutural profundo, que traz ainda as consequências de políticas de sucateamento da Educação pública.

Um dos focos do ecossistema de impacto tem sido a Educação Básica, segundo Ricardo Henriques. “O Terceiro Setor tornou-se parceiro do Estado na busca de melhores soluções para a pasta, a fim de otimizar recursos, definir e implementar políticas baseadas em evidências e, com isso, oferecer melhores condições de acesso e aprendizagem aos estudantes brasileiros”, afirma.

E, durante a pandemia, entre as iniciativas do Instituto Unibanco houve o desenvolvimento de ações de ajuda humanitária em três estados (Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro), com foco no apoio às famílias em situação de vulnerabilidade e no fortalecimento de organizações sociais atuantes nesses locais, de acordo com Ricardo Henriques.

Já para Ivan Gontijo Akerman, a solução está dentro do governo, mas com o apoio de instituições. “O Terceiro Setor apoia escolas e Secretarias, que são beneficiadas com dinheiro privado e que tem essa função de apoiar o governo e trazer as ferramentas”, conclui. contudo, ele também contrapõe sobre as fragilidades do setor público. “Sabemos das potencialidade do setor público e de suas fragilidades”, ressalta.

Por sua vez, Tatiana Klik acredita no envolvimento da sociedade. “É muito importante que a sociedade se envolva. É necessário seja um trabalho coletivo, onde todos se envolvam com a escola”, explica. Klik ainda destaca que Educação não se faz sob quatro paredes e é possível explorar o aprendizado fora das escolas.

Agenda 2030 da ONU e os desafios na Educação
O compromisso diante das metas da Agenda 2030 da ONU será um desafio.Olhando para o contexto brasileiro, para dar um salto na Educação é uma série de políticas, que precisam ser eficientes”, explica Akerman. O desafio na Educação é a desigualdade que o cenário agrava ainda mais, apontou Tatiana Klik. “Mesmo dentro da Educação pública existe muita desigualdade, depende da gestão, da rede e do bairro”, explica.

Ricardo Henriques, por sua vez, destacou uma política mais efetiva e transformadora: “Pensando em Brasil, a pandemia deixou mais visível a situação de vulnerabilidade da sociedade como um todo, não só a situação de pobreza, mas outras condições frágeis também”. Ele ainda explicou a importância da articulação da Educação com as demais áreas. “É necessário que se pense a política econômica alinhada à política social, o que requer uma requalificação da infraestrutura social, de modo a produzir uma visão integrada de áreas, articulando, por exemplo, as áreas da saúde, da Educação e da assistência social para atender a populações mais vulneráveis”, afirma.

Como proposta do avanço da Educação Pública no Brasil, Ricardo Henriques destaca: “Precisamos terminar de implementar uma série de importantes políticas públicas, como a reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”. Outras questões são importantes, na visão de Henriques, como “a formação continuada para professores, coordenadores e diretores escolares, além da aproximação entre as secretarias de Educação e universidades, para que a formação inicial seja mais próxima do que é necessário em sala de aula”.

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