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O ecossistema de impacto precisa ser diverso: em atores, soluções, iniciativas e público-alvo também. Uma startup nacional – quer dizer, com membros de todos os cantos do país -, que, através de um aplicativo, garante acesso à legislação protetiva (leis de proteção) para a comunidade LGBTI+ brasileira. Criada em 2017, a TODXS têm em seu propósito transformar o Brasil em um lugar mais inclusivo, de fato, e livre de discriminações contra essa parcela da sociedade.

Crédito: Equipe de Arte Aupa.

Pelo aplicativo, também é possível fazer denúncias de LGBTfobia – violência contra pessoas LGBTI+ – e acessar uma base de leis (municipais, estaduais e federais) que os protege dessas violências ou outras questões, como saúde, trabalho e assistência social. Para além da legislação, outro objetivo da iniciativa é conectar pessoas (da comunidade) com profissionais e organizações para ajudar a usar e manter sua liberdade e integridade física. 

Como organização, a TODXS é formada por 120 voluntários, divididos em várias frentes de trabalho, além do app: consultoria para empresas, área de pesquisa, programa de voluntariado, fórum, entre outras que auxiliam olhar o problema, a partir de vários ângulos. O relatório “Mapeando violências contra pessoas LGBTI+ no Brasil”, lançado em 2019, pela startup, traz uma análise das denúncias do TODXS APP, em 2018. O foco é estudar a origem dessa violência, como ela acontece, quais são os principais relatos  e como nós – sociedade – podemos enfrentar isso.

Dados: Mapeando violências contra pessoas LGBTI+ no Brasil. Arte: Equipe de Arte Aupa

Na seção de Dados, você pode ler a publicação na íntegra.


Aupa conversou com Leonardo Vieira de Oliveira, diretor executivo da TODXS, abordando sua pluralidade, em time e iniciativas, e como elas impactam e ajudam a comunidade LGBTI+ e desconstrói a sociedade. Confira abaixo:

AUPA – O que inspira os projetos da TODXS?
Leonardo Oliveira – O que inspira é o nosso propósito: existimos para transformar o Brasil em um país verdadeiramente inclusivo e livre de discriminação. No dia a dia, quando passamos por uma dificuldade ou não sabemos exatamente qual direção seguir, nos questionamos: o que estamos fazendo hoje, com essa decisão, está ajudando a transformar o Brasil em um país mais inclusivo e livre de discriminação? Se a resposta for sim, então é o caminho certo. Para além disso, não é o caminho certo. Nos apoiamos muito em nossos valores e vejo essa cultura muito importante na TODXS. Sempre trabalhamos com alguns valores importantes, como inovação, amor e autenticidade. Desejamos imprimir a nossa marca, inovar – no sentido de ser relevante naquilo que fazemos – e esses três valores se comunicando, trazer uma motivação para as pessoas realizarem as transformações que desejam.

AUPA – É fácil buscar novas formas de resolver antigos problemas, como a LGBTfobia?
Leonardo Oliveira – Quando falamos de antigos problemas, tem a ver com reconhecer que sempre estiveram aí. Talvez, a sociedade não soubesse falar sobre isso ou não soubesse identificá-los (como problema). Na maioria das vezes, as soluções não aparecem, porque a não sabemos qual é o problema, então, enquanto a discriminação LGBTI+ falava que era um problema só das pessoas LGBTI+ que estavam sofrendo isso – fora do armário -, estava tudo bem. Quando começamos expor e falar disso mais abertamente, demos visibilidade para o problema e assim é possível pensar novas formas de resolvê-lo.

E, falando sobre novas formas de resolver o problema, acredito que há uma centralidade muito grande de uma coisa que existe desde sempre: a capacidade de ouvir as pessoas. No mercado da tecnologia, se fala muito sobre a experiência do usuário, desenhar a jornada dele e pensar quais são as interações que garantem um produto de sucesso. Absorvemos muito disso para a organização, porque estamos falando de uma coisa muito fundamental que é ouvir as pessoas que vão ser beneficiárias finais dos nossos projetos. No caso da TODXS, falo da própria população LGBTI+, de dar espaço para as pessoas falarem abertamente sobre quais são os seus problemas, indicarem o caminho para que consigamos construir juntos a solução.

AUPA – Como surgiu a ideia do aplicativo?
Leonardo Oliveira – Ela coincide com a história da TODXS, porque desde o início tínhamos o sonho de fazer um aplicativo. Aconteceu quando um casal gay em Fortaleza (Ceará) foi expulso de um restaurante, porque eles estavam dando as mãos. Segundo o gerente, aquilo “ofendia” as outras pessoas naquele ambiente. E, mais tarde, ficamos sabendo que tinha uma lei municipal que punia – com multa – o estabelecimento que cometia homofobia. Após, a discussão naquele momento foi: “E existem outras leis como essas no Brasil?”. Descobrimos que há várias e veio a pergunta: “Como seria se todos tivessem acesso à legislação protetiva no município onde moram, o que pode, de alguma forma, proteger contra a homo transfobia?” e, assim, a TODXS nasceu.

AUPA – Quanto tempo levou seu desenvolvimento?
Leonardo Oliveira – Formamos o primeiro time de voluntários em janeiro de 2017 e eles iniciaram a construção. Foram cinco meses de trabalho, com pessoas de várias áreas, como desenvolvimento, UX Design (experiência do usuário) e Direito para colocar tudo no ar até o lançamento. Acabou que deu bastante certo. Um ano depois, em 2018, o aplicativo foi indicado para o Google Play Awards – uma premiação global da Google, voltada aos melhores aplicativos da Play Store -, na categoria impacto social. Com a visibilidade, notamos o impacto que estávamos gerando.

AUPA – O preconceito e violência à LGBTI+ ainda é muito presente (e forte) no país, o que o app pode acrescentar às discussões sobre o tema? Existe alguma responsabilidade?
Leonardo Oliveira – O papel do aplicativo e o papel da TODXS, como um todo, têm sido muito de inspirar a sociedade civil, além da responsabilidade de resolver problemas estruturais. No início do aplicativo (2017), houve uma parceria com a Controladoria Geral da União (CGU) e o orgão passou a utilizar dados do aplicativo para sua ações. E aquilo, para mim, foi muito uma prova de como nós, enquanto uma organização sem fins lucrativos da sociedade civil, podemos influenciar de maneira significativa a produção de Políticas Públicas. Então, nesse sentido, foi uma mudança importante de paradigma – especialmente, quando somos capazes de utilizar a tecnologia e a inovação para pensar soluções como essas.

AUPA – Como funcionam as denúncias pelo aplicativo? São encaminhadas para algum órgão?
Leonardo Oliveira – No início, era encaminhado para a CGU (antigo parceiro). Devido ao atual momento político do Brasil, essas parcerias com o governo federal acabaram ficando mais difícil de evoluírem. Hoje, as denúncias no aplicativo servem para mapeamento, mas sem endereçamentos junto ao Poder Público. Nossos próximos passos são para garantir, de fato, através das nossas plataformas, seja web ou app, que as pessoas consigam se conectar a organizações e profissionais que vão lhes oferecer ajuda, como advogados, psicólogos ou organizações. Isso são formas de garantir mais efetividade dos nossos endereçamentos com as denúncias.

Crédito: Equipe de Arte Aupa.

Na sequência, Leonardo Vieira de Oliveira comenta os desafios e impactos de trabalhar com a agenda dentro das empresas, a evolução de LGBTI+ dentro delas e as perspectivas para o futuro. Confira:

AUPA – Quais os principais obstáculos ao trabalhar com inclusão nas empresas?
Leonardo Oliveira No dia a dia, é uma pergunta que aparece muito para gente. O que temos aprendido é: 1) Diversidade: uma questão dentro das empresas e, às vezes, é difícil começar a endereçar o assunto quando não há pessoas que compõem esses grupos sub-representados como parte da empresa. Então, sempre vai existir um desafio de recrutamento,  porque é preciso aumentar a diversidade interna. Um desafio muito grande. 2) Inclusão: como garantir que uma vez que pessoas de grupos sub-representados, e que majoritariamente podem viver uma situação de vulnerabilidade maior, tenham as mesmas oportunidades dentro da empresa, para que elas continuem crescendo, progredindo na carreira e alcançando posições de liderança. 3) Vieses inconscientes: geralmente, um tipo de violência explícita que é fácil de caracterizar, como LGBTfobia e racismo. Porém, essas coisas não acontecem, porque as pessoas, de alguma maneira, estão se “podando” para não soarem desrespeitosas.  Por outro lado, há uma série de vieses inconscientes que as pessoas não percebem que são reproduzindo no dia a dia e, especialmente, na tomada de decisão. Numa liderança, isso acaba influenciando, inclusive, as oportunidades, a progressão de carreiras das pessoas LGBTI+, mulheres, negros, pessoas com deficiência e nós temos o desafio de desconstruir dentro das empresas. 4) Liderança: precisamos que a liderança esteja no barco conosco, porque ainda nos modelos não-hierárquicos de empresas, onde todos os níveis têm espaço para tomar decisões, nós não conseguimos garantir um trabalho efetivo sem ter a “liderança” da empresa dizendo que aquilo precisa ser feito. Só assim teremos uma aderência geral, em todos os níveis, de modo a  garantir, de fato, que o assunto esteja sempre na mesa. Por isso, é importante ter como aliado o CEO, o head, o board das empresas. Só assim, de fato, tomaremos decisões importantes.

AUPA – Você enxerga uma evolução da inclusão de LGBTI+ nas empresas?
Leonardo Oliveira – Sim! Acredito que está avançando, aos poucos. E isso significa que também avança em camadas diferentes, porque, por exemplo, venho vendo as empresas se preocuparem mais com diversidade, falando sobre o assunto e se posicionando sobre a inclusão LGBTI+. Isso é um processo importante. Trabalhar políticas internas para garantir que pessoas LGBTI+ estarão confortáveis no seu ambiente de trabalho e formar grupos de afinidades, eles cumprem um papel super importante para ajudá-las a se sentirem em casa. Acompanhei a criação e as primeiras atividades de alguns grupos de afinidade em empresas. O exemplo mais recente foi o da Globosat (empresa do Grupo Globo), foi muito legal ver o que eles estavam fazendo lá e acompanhar as atividades, como as pessoas se sentiam melhores fazendo parte desses grupos. A partir daí, eu consigo, de maneira geral, duas coisas: a conversa está sendo feita e algumas ações estão sendo tomadas para garantir que o ambiente interno será mais confortável para essas pessoas.

Porém, ainda há dois desafios grandes. O primeiro é: ainda existe uma barreira para poder conquistar pessoas aliadas dentro da empresa, então, é muito importante que consigamos fazer a pauta chegar nas pessoas que ficam mais resistentes ao assunto e tentar ao máximo engajar as pessoas para que elas também façam parte desse processo de transformação interno. E o segundo: a inclusão de pessoas, dentro da comunidade LGBTI+, que estão mais distantes das empresas e, nesse caso, são, sem dúvida, as pessoas transexuais e também LGBTI+ negras. Essas pessoas estão mais distantes, sabemos que majoritariamente mulheres trans e travestis no Brasil não conseguem concluir o Ensino Fundamental, mas, enfim, há outros obstáculos que impedem essas pessoas de acessarem essas empresas. Então, no fim das contas, quem consegue entrar nesse caminho corporativo consegue porque, de alguma forma, conseguiu “desbravar” o mundo – entrar na universidade, se formar e acessar uma dessas grandes empresas. O desafio estará sempre lá e acredito ser importante refletir qual é a responsabilidade da empresa em garantir que não só abrirá as portas, mas preparará o caminho para essa pessoa trilhar.

AUPA – O que podemos esperar da TODXS? Quais são os planos para o futuro?
Leonardo Oliveira – Eu vejo três coisas para o futuro. 1) A “virada” que está acontecendo na TODXS é para, cada vez mais, focar em dados que consigam traduzir a vida de pessoas LGBTI+ no país. Então, uma grande coisa é publicar mais relatórios, falar mais sobre o que é que as pessoas LGBTI+ estão passando no país, para poder dar visibilidade e empoderar outras tantas pessoas. Assim, elas também poderão pensar em iniciativas. 2) Intensificar o nosso papel e a nossa responsabilidade como um hub para conectar pessoas, organizações e profissionais, porque sozinho não somos capazes de atender todo mundo. Por outro lado, acreditamos que garantindo as conexões certas conseguiremos fazer as coisas acontecerem, como se a TODXS fosse um “Tinder da inclusão”. 3) Ensinar as outras pessoas o que aprendemos. Acreditamos que a inovação acontece quando está todo mundo sentado à mesa para poder discutir e queremos ser capazes de compartilhar todo o aprendizado sobre como criar projetos de impacto para quem possa se interessar ou está empreendendo.

Clique na imagem e acesse "TODXS Conecta: LGBTI + Entre Gerações". Crédito: Equipe de Arte Aupa / Reprodução.

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