É interessante observar que, seja pela razão, pela emoção ou pela intuição, não é muito difícil perceber, empiricamente, que enfrentamos dilemas civilizatórios e planetários de uma impressionante magnitude.
Seja qual for a ótica que queiramos olhar, tais como mudanças climáticas, desigualdades crescentes, fome, pobreza estrutural, guerras, exclusão ou afins, tudo nos faz crer que o alerta vermelho soou faz tempo. Na verdade, os tão badalados ODS são apenas uma forma organizada de sistematizar e apresentar o caos que vivemos.
Ao refletir sobre este contexto, uma pergunta curiosa pode emergir: será que estamos fazendo as perguntas certas?
Minha impressão é de que investimos tempo e energia nos efeitos, mas sem corrigir as causas. Parece que nos perdemos ao tornar complexo o que é muito simples, pois, o fato é que o mundo que observamos externamente é um mundo dos efeitos, originados por escolhas que são feitas no mundo interior, alicerçadas em crenças e valores arraigados. Mas se aceitamos essa afirmação como uma verdade, será que conseguiremos mudar algo olhando para o lugar errado? Será possível fazer diagnósticos claros e oferecer soluções efetivas se estamos examinando o sintoma e não a causa raiz? Me parece um caminho pouco promissor, ineficiente, ineficaz e propenso à elevada frustração.
Como seres humanos, muitas vezes, temos a tendência de não gostar de reconhecer o grau de responsabilidade que temos pelas consequências daquilo que vivenciamos nas nossas vidas e no mundo. Há sempre uma justificativa muito bem elaborada e refinada pela mente, que nos “protege” do choque de nos sentirmos parte do problema. Não é à toa que investimos tempo em buscar e apontar culpados ou, o que já é bem melhor, nos dedicamos a ser parte da solução.
Porque os ODS são necessários? Podemos escrever livros falando dos efeitos, mas, se formos a fundo e de forma honesta na pesquisa pelas causas, chegaremos às escolhas feitas no passado, que geraram as consequências do presente. Obviamente, para que o futuro seja diferente, o que nos interessa olhar,então,são os critérios que balizaram essas escolhas e que deram origem a estes efeitos que estão diante de nós, a cada instante do nosso dia, para não repetir o mesmo padrão. É muito simples se olhamos a partir desta perspectiva e, se refletirmos, chegaremos à conclusão de que nada mais importa, porque, de fato, caso não mudemos esses critérios obsoletos, será impossível gerar decisões que nos levarão a um novo mundo.
Vejamos algumas evidências desse padrão antiquado de realizar escolhas e tomar decisões:
Evidência 1. Para executar 100% da Agenda 2030 dos ODS, estima-se que precisamos de aproximadamente U$4 trilhões por ano, ao longo dos próximos 10 anos. Muito dinheiro? Pois hoje, no mundo, temos aproximadamente U$350 trilhões em ativos financeiros. Ou seja, precisamos de apenas 1,15% (sim, UM VÍRGULA QUINZE PORCENTO) destes ativos, ao ano, para financiar TODAS as 169 metas dos ODS! Faltam recursos? Ou os critérios que sustentam a decisão de onde colocar os recursos existentes estão errados? Ou,talvez, estejam sendo feitos pelas pessoas erradas?
Evidência 2. Inventamos os derivativos para servir ao “ter e ao acumular”, mas, em um mundo que produz aproximadamente 800 gramas de grãos por habitante por dia, não fomos capazes de inventar a solução para acabar com a fome. Falta de capacidade ou critérios de escolha e priorização errados? E,claro, tome justificativas para aplacarmos as consciências e justificarmos o injustificável. Se olharmos direitinho, de perto, reconheceremos internamente uma voz que sabe disso e que não precisa de indicador nenhum para orientar a decisão que precisa ser tomada sobre o que deve ser feito. “A Verdade tem como assinatura a simplicidade, sempre”.
Evidência 3. Diante da pergunta “o que é sucesso?”, a principal resposta tem sido “vencer (competir), produzir, acumular e ter”. Acontece que este é um jogo finito de ganha-perde. As evidências dos efeitos dessa atitude saltam aos olhos. Gerações e mais gerações foram educadas, formadas, programadas para replicarem o padrão desse paradigma. Não é de se esperar que os critérios utilizados por muitos, para as escolhas diárias, sejam os que maximizam a posição do decisor, independente das consequências sobre o outro, a sociedade, o planeta, a própria Vida. Essa é a essência do individualismo e está parasitariamente internalizada nas mentes da grande maioria das pessoas.
De fato, apesar de todos os alertas soando, parece que não queremos abrir mão do paradigma em que fomos formados, nos iludindo com narrativas que reduzem a dissonância e a dor causada pelo confronto com a dura realidade. Estamos adormecidos, entorpecidos ou apenas apegados a uma forma de viver que não serve mais, porque é catabólica, entrópica e nociva à própria existência da Vida.
Será que o que importa de verdade não é algo muito mais simples do que nossas cabeças gostam de propalar? Precisamos, urgentemente, identificar a causalidade raiz desses efeitos externos e, gostemos ou não, ela está dentro, fundamentada no nosso sistema de crenças, princípios e valores como pessoas e como sociedade. É a partir de dentro que fazemos a nossa escolha de ação no mundo.
Por isso, acredito que a maior responsabilidade individual e coletiva que temos, especialmente no setor de impacto, é alimentarmos com afinco um fórum permanente de ações focadas em transformar consciências, para que novos critérios e, com isso, novas escolhas possam ser feitas. Essa é a verdadeira alavanca da mudança. Esse é o ODS ZERO. Mudar o paradigma. Todo o nosso esforço coletivo deveria estar focado em sustentar e disseminar uma única pergunta: o que é necessário para elevar a consciência? Todo o resto, por mais “necessário” que seja, é paliativo e não resolutivo.
Aprender a fazer boas escolhas significa desenvolver a capacidade de discriminar o que verdadeiramente importa daquilo que não importa para o futuro comum que queremos. Mas é incrível como ficamos inventando muita firula, distrações e justificativas. É bem mais simples do que contamos. Um bom caminho para a mudança pode ser, seriamente, nos dedicarmos a averiguar o que nos incomoda tanto para não enxergarmos isso.
Neste contexto, falamos muito de ressignificar sucesso. O que isso quer dizer? É dar significado, sentido e propósito à nossa existência. Precisamos emergencialmente trabalhar para sermos mais, fazermos melhor e termos menos. Isso muda completamente o padrão decisório. A barreira, a verdadeira fronteira, é interna e não externa. É de consciência e não de ferramentas. Diante deste momento decisivo para a espécie humana e avida no planeta, precisamos de visionários ousados de MEIOS e não de FINS. A questão mais crítica que enfrentamos é COMO fazer essa transição mais veloz e mais intensa.
Como mencionado, “a assinatura da Verdade é a simplicidade”. Diante de cada escolha que fazemos, basta uma honesta resposta para uma única pergunta: essa escolha que farei destrói ou constrói? É entrópica ou neguentrópica? É catabólica ou anabólica? Lá no fundo do nosso Ser, no silêncio, sempre sabemos a resposta, mas precisamos querer ouvi-la e obedecê-la.
*Créditos da colagem: Murilo Mendes.
excelente artigo com dados e reflexões super pertinentes.
Adorei! Especialmente o sermos mais, fazer melhor e ter menos. Parabéns Marco! É inspirador ter lideranças comprometidas com a mudança, como você!