Índice de aleitamento materno cresce no Brasil, porém o desafio é conciliar o trabalho e a amamentação

Com dificuldades e sem sala de apoio para extrair o leite, na volta ao trabalho, muitas mães deixam de amamentar

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Quando o assunto é maternidade e trabalho, as evidências não são muito favoráveis. O estudo Estatísticas de Gênero, divulgado em março deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que apenas 54,6% das mães, de 25 a 49 anos, com crianças de até três anos em casa, estão empregadas. Ao decidirem serem mães, os desafios são enormes e afetam não apenas a mãe, mas, em alguns casos, até o próprio bebê – e um desses desafios é a amamentação.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde preconizam a amamentação até dois anos ou mais,  sendo exclusivo até os seis meses, conforme indica a Sociedade Brasileira de Pediatria. Contudo, vale dizer que a licença-maternidade é de quatro meses na maior parte das empresas do país, apesar da recomendação de seis meses. Perante a legislação brasileira, a mulher tem o direito de ter dois intervalos, de meia hora cada um, durante a jornada de trabalho, que não devem ser confundidos com os intervalos normais para repouso e alimentação para amamentar o seu filho até os seis meses.

Mas em um levantamento para o site Mães de Peito, a jornalista Giovanna Balogh apurou que apenas 200 empresas no Brasil possuem salas de amamentação certificadas pelo Ministério da Saúde. Porém, a instalação destas salas ainda não é definida por lei, trata-se apenas de uma recomendação da ANVISA em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria, como consta no guia para implantação de salas de apoio à amamentação para a mulher trabalhadora.

Não são todas as empresas que possuem uma sala de apoio para amamentação. Porém, um exemplo de empresa que oferece ambiente propício para extrair o leite é a farmacêutica multinacional Eurofarma, certificada desde 2015 com o selo “Estratégia Mulher Trabalhadora que Amamenta”, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

A empresa conta ainda com o Lactare, banco de leite humano da Eurofarma. O Lactare é o primeiro banco de leite humano idealizado por uma farmacêutica no Brasil. Criado em agosto de 2019, o projeto é vinculado à Rede Brasileira de Bancos de Leite (rBLH) e tem como principal objetivo reforçar a importância do aleitamento materno para o desenvolvimento infantil. 

Maira Billi, idealizadora do Lactare, afirma que a empresa busca incentivar as mães na amamentação: “Além da licença-maternidade e da licença-paternidade estendidas aos nossos colaboradores, oferecemos salas de apoio à amamentação equipadas com bombas extratoras, creches no local de trabalho (na Unidades Itapevi e Brooklin) e um banco de leite humano, onde mães lactantes podem doar leite excedente, auxiliando bebês recém-nascidos internados em hospitais públicos”.

Bruna Caus Alves, enfermeira pediatra e consultora em amamentação, reitera a importância de uma mudança cultural: “Essa mudança deve vir tanto das empresas quanto da sociedade em relação ao retorno ao trabalho. As mães não estão voltando de férias e muitas coisas mudam na vida da mãe que está retornando”.

 

Bruna Alves, consultora em amamentação. Crédito: Arquivo Pessoal.
Maira Billi, idealizadora do Lactare. Crédito: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

 

 

Índice de amamentação cresce no Brasil
Uma pesquisa publicada em 2020, “Resultados preliminares – Indicadores de aleitamento materno no Brasil”, mostrou que os índices de amamentação cresceram no Brasil. O último dado de 2006 da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), em comparação com os do Enani de 2020, aponta aumento de 15 vezes na prevalência de aleitamento materno exclusivo entre as crianças menores de 4 meses, e de 8,6 vezes entre crianças menores de 6 meses. 

Conforme o estudo do Ministério da Saúde, atualmente, 53% das crianças, continuam sendo amamentadas no primeiro ano de vida. Além dos inúmeros benefícios da amamentação para o bebê, como proteção contra doenças e aumento do vínculo entre mãe e filho, a amamentação ajuda na prevenção de câncer de mama e ovário da mãe.

Segundo Bruna Alves, consultora em amamentação, manter o aleitamento é possível com o retorno ao trabalho, mas requer muita dedicação. “Ao retornar ao trabalho, as mulheres trazem consigo vivência do parto, do intenso vínculo mãe e filho. É necessário um olhar a esta mulher que precisa conciliar vários papéis e, muitas vezes, ela acaba sobrecarregada, o que pode interferir na produção de leite”, afirma a enfermeira.

Gisele Dotto, assessora de imprensa da Susepe. Crédito: Linkedin

Porém, o desejo da mãe de continuar amamentando, muitas vezes, esbarra no retorno ao trabalho. Um deles foi vivenciado pela jornalista Gisele Reginato, servidora da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) de Porto Alegre (RS) e mãe de Vicente, de 11 meses.

Em julho de 2021, depois do incêndio no prédio da Secretaria da Segurança Pública, ela passou a trabalhar no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), no centro de Porto Alegre, onde ficam localizados muitos órgãos do Governo.

 

“Conversando com outras mulheres, me deparei com o relato de que muitas pararam de amamentar por não terem conseguido local adequado no trabalho e, por diversas vezes, estavam fragilizadas para enfrentar a situação”, explica a jornalista que, no antigo prédio, tinha mais privacidade, devido às salas serem menores.

Com mobilização e uma ação em conjunto, servidores das Secretarias de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, de Planejamento, Governança e Gestão e da Saúde conseguiram organizar uma sala de amamentação no CAFF. A inauguração foi no dia 30 de agosto, o mês da conscientização do aleitamento materno. Essa sala seguiu as orientações técnicas e será certificada pelo Ministério da Saúde – o que também mostra o resultado positivo da mobilização da sociedade civil e da ação pública.

Outra ação que, desde 2009, busca elevar o período de amamentação é o projeto de extensão Falando em Amamentação, que visa levar às gestantes e puérperas da rede pública de Porto Alegre (RS) conhecimento sobre a importância do aleitamento materno. A iniciativa alcança gestantes, puérperas, mães, discentes e profissionais da saúde, permitindo a troca de experiência, a disseminação do conhecimento e a formação de multiplicadores.

Monalise Costa Batista Berbert, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Crédito: Divulgação

Para Monalise Costa Batista Berbert, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e participante do projeto, a falta de informações e a carência da rede de apoio dificultam a amamentação: “A amamentação é romantizada e idealizada durante a gestação. Logo, esses sentimentos associados a informações inadequadas podem minar ainda mais o desejo de amamentar”.

 

 

 

A professora conta que a ação, em seis meses, alcançou cerca de 300 pessoas na maternidade, no ambulatório e no banco de leite. Já, durante o enfrentamento à pandemia da Covid-19, foi preciso buscar novas alternativas para manter o contato com o público-alvo, como oficinas on-line, que alcançaram em média 100 pessoas.

Mães foram as mais demitidas durante a pandemia
Além da dificuldade em amamentar na volta ao trabalho, outro receio comum para muitas mães trabalhadoras é a perda do posto de trabalho. O estudo “As consequências da licença-maternidade no mercado de trabalho, políticas: evidências do Brasil”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que metade das mães que trabalham são demitidas até dois anos depois que acaba a licença. Segundo a pesquisa, isso acontece devido à mentalidade de que os cuidados com os filhos são praticamente uma exclusividade delas.

Regina Madalozzo, PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, Estados Unidos. Fez graduação na PUC-Rio e mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Crédito:
Amcham Brasil

Mesmo antes da pandemia, as mães já estavam menos presentes no mercado de trabalho. Na pesquisa do Insper, intitulada Como famílias de baixa renda em São Paulo conciliam trabalho e família, a pesquisadora Regina Madalozzo, conduziu um estudo com 700 moradores de 30 bairros das periferias de São Paulo com pelo menos um filho de até seis anos. No estudo, constatou a discriminação no mercado de trabalho para as mães:38% das mulheres casadas que não trabalhavam disseram que gostariam de estar empregadas, mas contaram que não tinham com quem deixar o filho.

 

 

Já os pais, relataram na pesquisa, que perceberam alterações positivas em suas relações de trabalho depois da chegada do primeiro filho, pois a empresa os enxergava com mais responsabilidade.

Contudo, com a chegada da pandemia as mães  foram as mais demitidas. O levantamento da startup Famivita, que vende vitaminas e suplementos naturais para mulheres, realizou uma pesquisa com 7.500 mulheres, entre 27 e 28 de julho de 2020, que aponta que a perda de renda e trabalho para as mães foi relativamente maior do que para as mulheres sem filhos. No estudo, 35% das mães perderam seus empregos. Além disso, 47% das brasileiras também perderam renda, de forma direta ou indireta, desde que a quarentena começou. Ou seja, a crise no mercado de trabalho já vinha afetando mais as mulheres e piorou com a crise multifacetada, segundo os levantamentos.

Ainda, a amamentação na pandemia também gerou dúvidas entre as mães. Porém, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que mulheres com suspeita ou confirmação de Covid-19 podem manter a amamentação, desde que sigam as recomendações de higiene. Afinal, mesmo com os receios por conta da pandemia, a amamentação precisa ser vista como fundamental para a saúde das crianças.

 

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