É comum a associação do ecossistema de impacto ao Sudeste, sobretudo ao eixo Rio-São Paulo. Segundo o Mapa de Negócios de Impacto Social+Ambiental (2019) da Pipe. Social, dos 1002 empreendimentos participantes, 62% estão concentrados no Sudeste. Porém, engana-se quem pensa que o Nordeste, costumeiramente reduzido apenas às mazelas sociambientais, como a fome e a seca, não é um polo de inovação social. Prova disso são as muitas iniciativas relacionadas ao acesso e ao manejo sustentável da água, além de pesquisas e ações para combater impactos negativas à natureza, dentre outros temas que visam soluções para questões locais e regionais. Segundo ainda o levantamento da Pipe.Social, 11% dos negócios de impacto estão no Nordeste.
O Impacta Nordeste é um portal que se propõe a fazer a ponte para maior diálogo e protagonismo da região no ecossistema de impacto, por um todo. Seu objetivo é contribuir com o ecossistema de impacto, trazendo maior diversidade de atores e experiências ao setor, revelando possibilidades para trocas e referências a partir do trabalho de empreendedores sociais locais.
O portal faz parte do guarda-chuva da consultoria Visão Social – Soluções de Impacto que é um negócio de impacto social, cujas atividades iniciaram em 2014. Marcello Santo é o fundador da iniciativa, além de ser empreendedor social, gestor de projetos e consultor de responsabilidade social que, a partir da experiência com a Visão Social, iniciou o Impacta Nordeste. “Junto à ONG Recode fizemos a gestão operacional de um projeto itinerante voltado a pequenos empreendedores de diversas cidades brasileiras, muitas delas no Nordeste. Nesta experiência, que durou seis anos, morei por um mês em quase 50 municípios diferentes”, conta ele.
A jornada fez com que Santo “furasse algumas bolhas mentais” e decidisse sair de São Paulo para empreender no Nordeste, onde percebeu que há muitas iniciativas sendo feitas, porém poucas pessoas sabem disso. “Essa falta de informação acaba dificultando o crescimento do ecossistema. Então, decidi contar ao mundo o que está sendo feito na região”, enfatiza o empreendedor, que completa: “Esperamos, com o tempo e crescimento da plataforma, que ela se torne um negócio social independente, no sentido de gerar renda e reinvestir em ações que ajudem estimular o crescimento do ecossistema regional”.
E empreender, trabalhando com comunicação, também está relacionado à diminuição de desigualdades e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU). Segundo Santo, a estratégia do Impacta Nordeste é a seguinte: “A primeira etapa para vislumbrarmos êxito em atingir as metas dos ODSs é aumentar o conhecimento de todos os stakeholders(pessoas, empresas, governo) sobre os próprios objetivos, disseminar boas práticas, além de ajudar e apontar caminhos. Sem isso é impossível passar para a segunda etapa, que é efetivamente, mudar a mentalidade e adotar práticas mais sustentáveis em todos os aspectos”. Leia mais sobre o propósito do Impacta Nordeste na entrevista a seguir.
AUPA – A comunicação costuma ser uma dificuldade comum em muitas empresas e negócios de impacto social não fogem deste problema. Neste contexto, como você pensa o setor 2.5 e o trabalho da Impacta Nordeste?
MARCELLO SANTO – Quando pensamos em comunicação para o setor 2.5, é importante lembrarmos que este ainda é um conceito distante para a grande maioria da população, em todos os níveis socioeconômicos. O próprio Terceiro Setor ainda não é amplamente assimilado pela população, em geral. No entanto, há uma grande parcela sensível a temas sociais e interessada em construir e pensar caminhos alternativos, mesmo que de maneira difusa. Esse cenário é valido para todo o país, mas é ainda mais desafiador quando saímos do eixo Rio-São Paulo. Nesse sentido, o Impacta Nordeste busca dialogar com diferentes públicos. Primeiro, buscamos disseminar o conceito de iniciativas sociais e suas diferente vertentes: negócios de impacto (setor 2.5), projetos sociais (Terceiro Setor), responsabilidade social (Segundo Setor), além de Economia Criativa e Circular – para o público geral, visando aumentar o conhecimento sobre esses “mercados” e suas possibilidades. Para o público que já faz parte desse ecossistema, buscamos disseminar conteúdos mais aprofundados por meio de cases, conhecimento, oportunidades e estimular o debate, dando voz aos empreendedores da região. Por último, buscamos dar visibilidade as diversas iniciativas que já existem e estão surgindo no Nordeste e conectar o ecossistema regional ao nacional.
AUPA – Quais características próprias da territorialidade do Nordeste podem contribuir com o ecossistema de impacto e seu debate?
MARCELLO SANTO– Estamos presenciando um número cada vez maior de negócios de impacto social na região, em um movimento capitaneado por empreendedores sociais, organizações, incubadoras e o próprio ecossistema de startups. No entanto, a região ainda sofre com a falta de investimentos e recursos (públicos e, principalmente, privados) para estruturar o ecossistema regional. Temos boas exceções, como a atuação do Sebrae, no Rio Grande do Norte e em Alagoas, a InPacto, em Salvador, o Porto Social e Digital, em Pernambuco, a In3citi, em Fortaleza, as universidades (particulares e públicas), assim como as ações eventuais de outras organizações do ecossistema regional e nacional. A atuação desses atores tem sido fundamental para dar suporte aos empreendedores sociais, mas ainda não é suficiente. Além disso, falta capital que compreenda os desafios de se investir em negócios de impacto, disposto também a investir em empresas e soluções da região. Esse cenário, de certa forma, acaba moldando os novos negócios. No atual debate entre “unicórnios” e “zebras”, podemos dizer que a esmagadora maioria dos negócios de impacto da região são zebras. Como o nordestino foi forjado na dificuldade, esse é só mais um desafio a ser superado. Nesse contexto, sem querer cair no clichê do provérbio chinês, a construção do ecossistema de impacto do Nordeste representa um desafio e uma oportunidade. Oportunidade de criar e moldá-lo com o aprendizado prévio do setor como um todo.

Pensando em características territoriais, cada estado da região possui suas particularidades, mas há alguns desafios similares. Muitas iniciativas buscam solucionar desafios socioambientais inerentes à região, como a seca. Um bom exemplo é a Aqualuz, solução premiada pela ONU para desinfecção de água de cisterna de captação de água de chuva de zonas rurais através da radiação solar Outras buscam soluções economicamente sustentáveis para aproximar produtores rurais do consumidor urbano. Grande parte da pobreza da região está concentrada no interior, então vemos muitas iniciativas que buscam criar valor na cadeia produtiva para gerar renda a esse público.
AUPA – Quantas pessoas o Impacta Nordeste atinge mensalmente? Como você mensura o impacto do portal?
MARCELLO SANTO– Apesar de ainda estarmos no início da operação (três meses no ar) e atuarmos em um nicho restrito, impactamos mensalmente duas mil pessoas, que têm acesso ao conteúdo do portal. E estamos começando a gerar oportunidades aos negócios e às iniciativas que damos visibilidade. Em um futuro próximo, esperamos mapear e mensurar as conexões que geramos, assim como aprofundar nossa atuação como intermediários, trazendo investimento e oportunidades para os negócios e organizações do ecossistema regional, gerando um efeito multiplicador possível de ser mensurado efetivamente.
AUPA – Quais possibilidades você enxerga a partir do trabalho que o Impacta Nordeste tem feito?
MARCELLO SANTO– Nesta fase inicial do Impacta Nordeste, focamos muito na construção de uma rede de empreendedores, gestores, empresas e organizações da região que nos ajudam a mapear cases, novidades e oportunidades em cada estado. Estabelecemos parcerias com, pelo menos, uma empresa ou organização em cada estado do Nordeste. Também focamos muito em manter a constância e aprimorar o conteúdo e os serviços que oferecemos, entendendo a demanda de nosso público. Depois dessa fase inicial, estamos caminhando para consolidar o Impacta Nordeste como uma rede a serviço do ecossistema da região, no sentido de gerar oportunidades para os negócios e as organizações. Queremos unir quem faz e ajudar quem quer fazer. Pretendemos realizar estudos, eventos, premiações, viabilizar rodadas de investimento, sensibilizar as empresas da região a apoiarem o ecossistema. São muitas as possibilidades. Mas esse não é um processo fácil. Nosso maior desafio é “furar a bolha” do setor, ainda muito concentrado no Sudeste e fazer parcerias com instituições e organizações que podem ajudar a viabilizar todas essas oportunidades.
Para mim, um negócio de impacto é uma iniciativa que gera lucro e, ao mesmo tempo, resolve ou mitiga um problema social, seja ele de grande, média ou pequena escala. Digo isso, pois, todos buscam o sonho de ser o “unicórnio” dos negócios de impacto, o que é ótimo. Mas, pessoalmente, acredito muito no poder das soluções locais, pois nem sempre uma solução poderá ser extremamente lucrativa para atrair grandes investidores. Porém, muitas têm potencial de retorno financeiro para um pequeno ou médio empreendedor social, com grande impacto em sua comunidade.