Os jovens que não estudam e nem trabalham representam 35,2% da população na faixa etária entre 20 e 24 anos, segundo a pesquisa Juventude e Trabalho: Qual foi o Impacto da Crise na Renda dos Jovens? E nos Nem-Nem?, realizada pela FGV Social.
Em paralelo, o Brasil possui a maior geração de jovens da história , com 47,8 milhões de pessoas nesta faixa etária, segundo os dados da pesquisa “Jovens, populações e percepções” também da FGV.
A história de Estela Reis, de 22 anos, que está no oitavo semestre da Graduação em Direito, na Faculdade Anhanguera (São Paulo) e é moradora do extremo da Zona Sul da capital paulista, ilustra a situação dos jovens no Brasil e, como em muitos casos, o que falta é uma rede de apoio que ofereça, aos jovens, oportunidades de ingresso, na faculdade e/ou no mercado de trabalho.
Estela viu sua história mudar após participar de uma ocupação na escola que frequentava no Ensino Médio, em 2015. Ela matriculou-se no Cursinho Popular Carolina de Jesus e ingressou na Faculdade em 2018. Ainda no cursinho, conheceu a Escola de Notícias, no Campo Limpo (distrito da Zona Sul paulistana), e, em 2019, chegou ao GOYN, onde atua hoje como assistente de projetos no Núcleo Jovem.
O Goyn é uma aliança de ações articuladas pela United Way Brasil, que visa promover a inclusão produtiva de jovens na cidade de São Paulo. Estela continua estagiando e, embora afirme ter perspectivas para o futuro, destaca a contradição: muitas empresas se dizem inclusivas, ao mesmo tempo que têm imensas dificuldades em dar oportunidades aos jovens – sobretudo, jovens negros e oriundos das periferias das cidades. “No núcleo, discutimos sobre questões acerca do preconceito estrutural na sociedade. Os jovens têm muita dificuldade, não só de chegar ao mercado de trabalho ou à faculdade, mas também de obter informações sobre essas oportunidades”, salienta.
Potência
Os jovens-potência são aqueles, entre 15 e 29 anos, que estão em situação de vulnerabilidade social e sem oportunidade de formação acadêmica e/ou emprego formal. Estima-se que somente na cidade de São Paulo sejam 765.525 nesta situação, sendo que destes cerca de 20% são responsáveis pelo sustento de suas famílias. Os dados foram publicados pelo Atlas das Juventudes, uma parceria entre a United Way Brasil e a Accenture para o GOYN São Paulo, entre maio e agosto de 2020, e apresenta o cenário atual do ecossistema dos jovens-potência na cidade.
Gabriella Bighetti é diretora executiva da United Way Brasil, associação sem fins lucrativos que, por meio do voluntariado e de ações de cidadania, potencializa o impacto de intervenções sociais para transformar a realidade de indivíduos e comunidades em situação vulnerável ao redor do mundo. “Não é possível gerar oportunidade para os jovens em situação de vulnerabilidade na cidade de São Paulo sem saber quem eles são”, destaca.
Desde agosto de 2020, a United Way Brasil realiza um mapeamento dos Jovens-Potência na cidade de São Paulo e, segundo a diretora executiva, o objetivo do projeto é conhecer quem são os jovens-potência, quantos são, onde estão e quais organizações fazem parte deste ecossistema, além de conhecer as atuais iniciativas e obter outras informações relevantes para o setor de inclusão produtiva.
“Queremos basear todas as ações em fatos e dados. Por isso, fomos buscar literatura sobre o tema, fizemos uma varredura sobre tudo o que se sabe acerca dos jovens na cidade de São Paulo e fomos às fontes colher as informações que faltavam e que eram essenciais para desenvolvimento de ações efetivas”, explicou. Os dados coletados a partir do mapeamento apontaram quatro desafios iniciais: a evasão escolar, o racismo estrutural, a lacuna digital e a crise laboral. Ao ser lançado, o estudo baseou ações de mais de 70 organizações que trabalham com juventude e também os órgãos públicos.
“Pretendemos influenciar todos os que trabalham com a juventude e já conseguimos desenhar alguns protótipos que, a partir deste ano, começaram a ser discutidos. Durante o processo, muitos workshops e mesas de trabalho por temas estão sendo realizados para que, a partir dos protótipos, possamos partir para ações efetivas”, comenta Gabriela.
A diretora executiva ainda explicou que a escolha da terminologia jovens-potência surgiu a partir desses movimentos e que os jovens mostraram-se muito incomodados com o termo “nem-nem”. “Queremos destacar, nestes jovens, competências sócio-emocionais muito valorizadas, como automotivação, insistência, persistência e resiliência. Queremos vê-los pelo que eles têm de força”, afirmou.
Movimento
A necessidade de incluir jovens entre 15 e 24 anos na educação ou no mercado de trabalho é uma demanda que interessa não somente aos próprios jovens, mas pode também evitar prejuízos de até 1,5% no PIB. É o que aponta os dados do Atlas da Juventude, que traçou um panorama sobre a situação dos jovens no Brasil.
Mariana Resegue, secretária executiva do Em Movimento, aliança de organizações que atua no suporte às juventudes, afirma que, apesar desse público ser diverso ao redor do Brasil, nem sempre são contempladas todas as nuances que compõem esta realidade. “No Em Movimento, assim como nos demais projetos que coordeno, não chamamos os jovens de nem-nem, mas de sem-sem, porque estes jovens não acessam a escola ou o trabalho porque não tiveram oportunidade”, explica.
Sobre a realidade destes jovens, Mariana destaca que “Não há disponibilidade da internet que seja compatível com a atividade escolar, ou para dedicar-se à procura de vagas, ou, ainda, existe a falta de tempo, pois eles estão se dedicando a trabalhos preconizados para garantir o sustento da família ou seu próprio sustento”.
A respeito da crise econômica laboral, a secretária executiva salientou a desconexão entre a formação dos jovens, a restrição das vagas no mercado de trabalho e o racismo estrutural. “É muito importante pensar que precisamos de diferentes Políticas Públicas para diferentes juventudes. São cerca de 50 milhões de pessoas que têm de 15 a 29 anos no Brasil. São pessoas com diferentes perfis e precisamos garantir que, tanto o setor privado quanto o público, pensem programas direcionados a esse público, para que tenhamos mais chance de incluir esses jovens”.
Oportunidade
A situação dos jovens agravou-se durante a pandemia, que intensificou a crise estrutural do mundo do trabalho e criou um desafio gigantesco para a inserção no mercado de trabalho. De acordo com a pesquisa Pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE), em junho de 2020, 33% dos jovens tiveram diminuição da renda pessoal. Dentre aqueles cuja renda continuou igual (52%), 1 em cada 4 já não estava trabalhando e nem procurando trabalho antes, portanto, seguem na mesma situação vulnerável anterior à pandemia.
“Os comércios e serviços foram muito abalados durante a pandemia e, com o setor de vendas on-line aquecido, muitos jovens começaram a trabalhar com entregas, ficando ainda mais expostos ao vírus. Contudo, existe uma ilusão em torno do empreendedorismo, quer dizer, para empreender é preciso ter apoio e formação e nem todos os jovens têm essa oportunidade”, analisa Gabriel Medina, ex-Secretário Nacional da Juventude (SNJ), entre 2015 e 2016, e coordenador de Políticas da Juventude da Prefeitura de São Paulo na gestão de Fernando Haddad (PT).
Gabriel destaca o efeito em cadeia, ou seja, se profissionalmente há uma precarização das oportunidades de trabalho, há também desalento em relação à educação. “No Brasil, houve expansão, sobretudo no Ensino Técnico e Médio. Mas, muitos jovens com formação em Ensino Superior, começaram a se frustrar pela falta de oportunidades profissionais – embora o acesso à educação tenha ficado mais fácil, o mesmo não aconteceu com o mercado de trabalho”, disse.
É possível verificar os dados que comprovam a expansão no que se refere à educação, entre os anos 2000 e 2015. Os números começaram a cair em 2016. O próprio portal do Ministério da Educação aponta esse retrocesso. De acordo com o relatório intitulado “Educação para todos no Brasil”, publicado em 2014, “Os dados indicam uma expansão intensa de sua oferta nos últimos anos motivada, sobretudo, por políticas e investimentos federais com foco no oferecimento de maiores oportunidades educacionais aos jovens em idade escolar adequada ao Ensino Médio. Isto foi feito por meio da educação profissional integrada ao Ensino Médio”.
A barreira posta no mundo do trabalho fez com que os jovens se inserissem, cada vez mais, em vagas de trabalho precárias. Com a pandemia, a paralisação das escolas e o crescimento do desemprego, muitos jovens acabaram não conseguindo dar continuidade aos estudos. A pesquisa encomendada pelo banco digital C6 Bank, realizada pelo Instituto Datafolha, aponta que cerca de 4 milhões de estudantes brasileiros, com idade entre 6 e 34 anos, abandonaram os estudos em 2020, o que representa uma taxa de 8,4% de evasão escolar.
A realidade foi confirmada por um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que aponta que mais de 172 mil alunos, entre 6 e 17 anos, abandonaram ou deixaram de frequentar a escola do Brasil. Ou seja, o número subiu cerca de 12% no período.
Gabriel ainda observa que existe muita dificuldade para a educação pública desenvolver, de forma efetiva, o ensino remoto e, que essas dificuldades, resultaram em evasão escolar: “É muito difícil recuperar jovens que não têm contato com a escola e com a escassez de oportunidades. Cria-se um cenário de desalento e de falta de perspectiva em relação ao futuro”.
É o que aponta o estudo “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, desenvolvido pelo Insper e o Instituto Unibanco: estima-se que, no ensino remoto, os estudantes aprendem, em média, apenas 17% do conteúdo de Matemática e 38% do de Língua Portuguesa, em comparação com o que ocorreria nas aulas presenciais.
Contudo, Gabriel apontou perspectivas que podem resultar em resultados positivos para a juventude, como parcerias entre os setores público e privado. Há iniciativas neste sentido, como o apoio da da Organização Internacional do Trabalho à criação de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude e o programa Um Milhão de Oportunidades, da Unicef. Ainda segundo o ex-Secretário Nacional da Juventude, há ações que deveriam ser implementadas, como a ampliação do Programa Jovem Aprendiz que hoje conta com apenas 8% de jovens inseridos, enquanto poderia chegar a pelo menos 15%, a conversa pública com empresas como Uber e Ifood, que empregam muitos jovens, as leis de incentivo para cultura e, neste momento de pandemia, a manutenção de uma renda básica.
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