Crédito: Equipe de arte Aupa

A economia sempre fez o mundo girar e foi assim também com o pau-brasil. A madeira vermelha fez a Ilha de Santa Cruz aparecer no mapa econômico há mais de 500 anos. A descoberta marítima da terra de Pindorama dos indígenas fez a Terra de Santa Cruz dos portugueses entrar na rota da economia global e o resto da história já conhecemos. De Terra de Santa Cruz para o Brasil de hoje, o ciclo do crescimento seguiu de vento em polpa e o país viu nascer e crescer a cultura do café, do algodão e da borracha, com as moedas indo para o bolso dos poderosos de sempre, tanto na metrópole, quanto na colônia. Ambas se desenvolviam às custas da natureza e em prol da globalização sem fronteiras, enquanto o meio ambiente funcionava como um motor à serviço da economia. Um modelo de negócio bem sucedido com investimento e ótimo retorno capaz de gerar crescimento a partir do comércio de produtos e de pessoas. Do extrativismo, passando pela escravidão, até chegar ao agronegócio de hoje, a lógica de exploração econômica do meio ambiente no país e no mundo segue o rumo e ganha, a cada dia, mais relevância e escala. 

O mercantilismo do século XV se transformou no capitalismo financeiro do século XXI, e o verde invadiu as bolsas de valores com o pseudônimo de ESG. A preocupação com o fim do mundo persiste em nossas mentes, mas como a economia não pode parar, o neoliberalismo carimbou a pauta ambiental e rotulou os negócios sustentáveis com o fetiche da lógica “crise e oportunidade”. O resultado: hoje, além de um produto, o meio ambiente se tornou também uma ideia e um desejo. Um paradoxo capaz de salvar ou destruir o planeta e seus habitantes. 

Baseado nos discursos de Kennedy, o termo “crise e oportunidade” é exaustivamente repetido pelos mais engajados. Crédito: Equipe de arte Aupa.

Mas nem sempre foi assim. A ideia econômica de que os indígenas, que dominavam o Brasil antes da exploração do pau-brasil, tinham era bem diferente da visão do “homo sapiens globalizado” das caravelas. Os povos originais são conservadores de florestas e também de ideias sobre terra, homem e crescimento: “Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos”, diz o xamã Yanomani Davi Kopenawa (2015). As ideias do líder político e escritor permanecem iguais às de seus antepassados. O xamã segue compreendendo a relação de simbiose entre os seres vivos e o meio ambiente e convive com a natureza sem usar a floresta como motor. O pensamento filosófico é baseado no “bem viver” e, portanto, reflete o estilo de vida e da economia dos Yanomani. É uma lógica contrária do mundo civilizado, que busca o crescimento e o desenvolvimento e coloca a natureza a serviço da economia. Um conhecimento que reflete uma compreensão simples e que até poderia ser a solução para a crise climática, não fosse uma razão: os indígenas não têm voz na governança global ambiental. Na verdade, são exterminados por ainda terem essa visão tradicional. E, como a ideologia econômica muda o mundo, e o capitalismo orienta nosso modo e estilo de viver, seguimos sem soluções para essa era de crise e oportunidade climática. 

Contudo, nem tudo são trevas. A civilização do velho continente também gera conhecimento. Com certo descompasso e desconexão das questões ambientais, a ideologia ocidental, por fim, parece ter compreendido os limites do planeta. Através da ciência e, após muita pressão política de ambientalistas e cientistas, a narrativa ganhou destaque impulsionada por conferências sobre o meio ambiente e desenvolvimento e insistentes relatórios do IPCC. O bode do CO2 entrou na sala. O pensamento ecológico se aproximou da filosofia indígena, mas era tarde demais. O mundo globalizado criado na era do antropoceno é mais complexo e exige novas soluções e rearranjos. Os problemas ambientais seguem ordens planetárias e devem ter soluções de governança planetária, uma concertação global que reconheça que a natureza não percebe limites físicos políticos dos Estados. Essa percepção da finitude de recursos já tinha precedentes e teóricos desde o século passado, mas o movimento ganhou relevância a partir da primeira conferência da ONU realizada em Estocolmo em 1972. Reconhecemos que tínhamos um grande desafio. 

15 de setembro de 1971, Sede das Nações Unidas, Nova York. Maurice F. Strong, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano (à direita), mostra ao secretário-geral das Nações Unidas, U Thant, um desenho para o cartaz oficial da Conferência. À esquerda está Keith Johnson (Jamaica), presidente da Comissão Preparatória da Conferência. Crédito da foto: ONU/Teddy Chen.

O crescimento econômico, como gerador de custos sociais e ambientais não mensurados, entrou na pauta e abriu caminho a embates para descobrir os culpados. Países ricos e pobres entraram em disputa, enquanto a temperatura subia e os limites das fronteiras planetárias (Tockström, 2009) eram transpassados por todos. Os que destruíram antes diziam que não sabiam e os que queriam crescer diziam que precisavam destruir. As tentativas de se implementar uma governança global sobre a gestão ambiental do planeta seguiram estimuladas pela ONU e conceitos como “desenvolvimento sustentável” surgiram para inserir soluções centradas na ecologia e incluir as dimensões econômicas, sociais e culturais no contexto do problema. Evoluções conceituais e algumas e novas práticas resultam no relatório Brundtland de 1987, que coloca a dimensão ética no jogo: “O desenvolvimento sustentável é aquele capaz de satisfazer as necessidades atuais sem sacrificar o futuro”. 

Após 20 anos de Estocolmo, veio a Rio-92, que finalizou um ciclo com avanços e tropeços. O Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015) foram outros marcos importantes na tentativa de estabelecer uma governança global que pudesse conter o aumento de temperatura global abaixo dos 2º. O acordo de Paris construiu o consenso entre as partes e formulou uma frase estimuladora: “Um equilíbrio entre as emissões causadas pela atividade humana e a remoção de gases de efeito estufa na segunda metade deste século, com base na equidade, no contexto de desenvolvimento sustentável e nos esforços para erradicar a pobreza”. Mas, no final, permaneceu a sensação da “desgovernança mundial da sustentabilidade” (Veiga, 2013) e a impotência do regime que apostou nas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” e nas “abordagens baseadas no mercado”. A sensação foi como uma vitória de Pirro.

O Acordo de Paris foi firmado por 196 países em prol da diminuição na temperatura global. Crédito: ONU.

A crítica vem também de quem faz gestão de milhões de reais em empresas de impacto socioambiental, como disse Daniel Izzo, da Vox Capital: “O Brasil precisa sair urgentemente dessa lógica de compensação, porque a natureza não se regenera na velocidade do crescimento dos lucros.”. Mas Denise Hills, diretora de Sustentabilidade da Natura, não pensa assim: “A compensação do  CO2 de uma empresa de moda, por exemplo, reverte em benefícios para a Amazônia”, diz ela, referindo-se aos créditos de carbono comprados de projetos de proteção ou restauração florestal. Ideias difíceis de entender tanto quanto de concretizar. Por hora, a discussão segue, enquanto os termômetros seguem subindo e o problema permanece: a tal da economia humana em busca da cifra e da equação perfeita de como resolver a economia da natureza.   

Novamente, ideias simples parecem conter respostas condizentes com o problema. O sociólogo Ricardo Abramovay traz uma análise a partir da publicação do último relatório do IPCC, em agosto de 2021. O também professor traz um conceito que dialoga com o líder indígena Kopenawa e busca trazer uma realidade humana à percepção econômica dos lobos de Wall Street. “A luta contra a crise climática tem que estar no cerne da gestão econômica pública e privada. Uma vida econômica que regenere os tecidos sociais, e naturais que até aqui tem acompanhado sistematicamente nossa oferta de bens e serviços (Abramovay, 2021). Tão simples como certeiro. Não há mágica na resolução da crise climática pela economia que não reconsidere a mudança do nosso modo de ser como humanos no planeta. ESG é uma sigla e uma carta de boas intenções de investidores e somente isso no caminho rumo a um lugar cheio de labaredas queimando. “A solução passa por uma economia que mimetize as relações biológicas da natureza e não que tente colocar cifras para crescer.” A natureza se regenera e se transforma. Cabe aos humanos compreender. Simples como investir em agroflorestas de café na Amazônia. Uma escolha econômica e ética melhor do que soja, pecuária e madeira. As mudanças na forma de viver buscam um caráter civilizatório na verdadeira força da palavra. Que promova uma justiça ambiental e uma democracia real e repense o crescimento econômico mais alinhado a Francisco do que a Adam. Onde a bioeconomia seja expandida e o agronegócio apenas se mantenha e dentro dos limites da floresta em pé. Onde a segurança alimentar e a energia renovável sejam o comum e não o alternativo. E um planeta com mais diversidade biológica capaz de segurar o clima e impedir devastações de espécies.  

Um futuro diferente para clima, florestas e agricultura

A resposta não está pronta. A caravela da solução ambiental está navegando e a resposta ainda está aberta. Ter uma visão crítica e colaborar para buscar soluções não virá de um só agente, mas, sim, da concertação entre agentes públicos, privados e sociedade civil. O desafio do clima é o desafio que poderá juntar todos. O paradoxo exposto no início do artigo se apresenta como o elixir verde e a kriptonita capaz de confundir humanos e enfraquecer seu poder de ação para solucionar a crise climática. A economia de mercado em busca do crescimento cego não é a solução e sim a causa do problema. É preciso diminuir o fetiche e o desejo do verde. O mercado de carbono foi e é o jeito do mercado e não o jeito humano de tratar com a crise climática. Se o meio ambiente figurar apenas como pauta alarmista, negacionista ou ainda dentro de uma lógica onde é preciso investir, crescer e potencializar o mercado sustentável, poderemos ter um destino incerto mais rápido pensando que estamos fazendo o certo. É preciso a inflexão do rio. Menos caravelas do mercado financeiro invadindo as praias habitadas por humanos. Que permaneçam as ilhas virgens no oceano sem plásticos em comunhão com os “homo sapiens conscientes”. Com menos cooptação e menos economês travestido de letras e mais economia real da economia solidária. A solução será pela economia circular, assim como a natureza – ou não será. As cifras de ativos de gestores da BlackRock em salas frias não fazem parte da solução do clima. A falácia é grande, mas a solução é simples. O capitalismo é inerente ao crescimento e aos mecanismos econômicos que perpetuam a dependência e os privilégios dos países ricos sobre os pobres (Altvater, 1992). Não precisamos salvar a economia, girar o capitalismo, o crescimento, nem o sistema. Precisamos salvar a nós mesmos e ao planeta.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa. 

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