Escrevo agora como empreendedor e fundador de uma organização intermediária do ecossistema de impacto. E que, por isso, como muitas, está a navegar em tempos difíceis ainda que no horizonte sinais animadores comecem a se manifestar.

O Covid-19 nos capturou, obviamente. Gerou uma incrível mobilização na sociedade civil e nas empresas de impacto para mitigar os efeitos da crise sanitária que logo se converteu em humanitária neste país de desigualdades. Mas, mesmo com os recursos canalizados a doações, as organizações da sociedade civil estão a sentir gravemente os efeitos da pandemia, como mostra a pesquisa “O impacto do Covid nas OSCs brasileiras“.

Entre as corporações e o setor financeiro observa-se aquecimento das iniciativas de impacto social e socioambiental com a instalação de agendas ASG (Ambiental, Social e Governança) como preceito ético e moral a ser assumido pelas organizações responsáveis.  Gestores de carteiras de investimento estão mais atentos a incorporar ativos com impacto social e socioambiental em seus portfólios, para sustentar posições contemporâneas e atrair novos recursos de investidores. As oportunidades para este universo em que trabalhamos serão grandes, mas quem estará forte e preparado para aproveitá-las?

A McKinsey & Co. publicou em março a arquitetura 4Rs para apoiar empresas a compreender sua  jornada na crise. A trajetória é composta de 4 dimensões sequenciais, ainda que interconectadas: Resolução, Resiliência, Retorno e Reimaginação. Como empreendedores, buscamos a resiliência na resistência, o que significa manter a empresa viva e operando. Afinal, muitos de nós tivemos absoluta interrupção nas vendas e um choque no fluxo de caixa. Tratamos de fazer contas, diminuir a velocidade e conduzir o barco no nevoeiro.

Instala-se uma concepção, da qual sou entusiasta, de que nenhuma organização será a mesma pós Covid-19. Devemos nos reinventar, alardeia-se. Artigos de renomadas revistas tratam o tema e argumentam que velocidade, horizontalização de estruturas, digitalização e distribuição de decisões são inexoráveis a quem quer sobreviver. Mas quem lidera organizações de impacto carrega a questão: “O que é a minha organização reinventada?” Pensar uma nova organização com novos serviços, abordagens e outras formas de tudo é, por um lado, entusiasmante, e, por outro, uma agonia profunda. Sim, agonia, porque a resposta a essa pergunta é muito desafiadora e pesa a sensação de que temos, como empreendedores, o dever moral de respondê-la de forma brilhante. Não, nem todas as propostas serão reluzentes.

Esta celebração do empreendedor e suas soluções unicórnicas cola em nossos ombros a ilusão do mundo LinkedIn, onde só se encontra o sucesso. Dos tombos e tropeços, pouco se fala. Enxerga-se apenas o topo do iceberg e não as insônias, a respiração aflita, a falta de apetite. Foi bacana ver que inquietações assim ecoaram num encontro de empreendedores da rede Quintessa. Ali, afora os negócios em saúde, muitos dos olhares estavam perdidos no horizonte.

Tem sido difícil sustentar este lugar ao longo destes últimos cinco meses. As vendas estão travadas e as receitas figuram como memorabilia. A inquietação da reinvenção como a solução redentora torna-se quase insuportável. “No que nos transformaremos? No que nos transformaremos?” A pergunta repetida virou mantra, mas não a acalmar, mas, sim, a ensurdecer. Desafiador, ainda que isso seja parte de nossa opção de vida, como sabemos.

Mas carrego a “inabalável fé no futuro”, aprendizado que tirei do clássico Good to Great (Jim Collins). O que nos espera será melhor. Sim, mantenho o otimismo, o que não significa que preciso apenas falar dele. Tocar nesse não dito, nestes porres na quarta-feira, porque muitas vezes necessários, fazem bem também.

Gosto do cenário que se desvela e da responsabilidade que temos ante ele. Oportunidades estão surgindo. Pode-se ver uma praia, mas ainda estamos nadando em mar revolto. Algumas bóias nos ajudarão a não submergir, como um novo projeto, um grupo de associados que se filia à nossa causa, a captação de uma rodada em redes, como o CoVida20 (o qual a Move faz parte) ou o papo entre amigos empreendedores.

Porque, com tudo isso, a gente nunca parou de se perguntar o que seremos amanhã, o que mostra nossa insistência em acreditar e a vontade absurda de construir um novo futuro. Vamos adiante. 

Em tempo, lembrem-se de apoiar este jornal de impacto aqui, que lançou recentemente uma campanha para ajudar a remar nesta crise.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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