O Brasil ocupa o 3º lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o sistema carcerário do país é um dos piores do mundo, devido à superlotação e à violência policial.
Todavia, levantar a problemática da realidade carcerária implica uma tarefa difícil, sobretudo na pandemia. As consequências causadas pela crise sanitária, política e econômica atual atinge também a população carcerária, principalmente indivíduos expostos à superlotação e às más condições de vida, fatores que podem facilitar a propagação de doenças.
Os dados mostram a realidade que o sistema prisional brasileiro se encontra. A população carcerária brasileira quase dobrou em 10 anos, passando de 401,2 mil para 726,7 mil, de 2006 a 2016. Foi o que apontou a pesquisa do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2016.
Entretanto, o levantamento do Monitor da Violência, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com uma parceria entre o portal G1, e que tem como base informações oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal, aponta uma redução na população carcerária do país, de 2019 para 2020.
Essa é a 1ª vez que o número de presos cai em um ano desde que o levantamento iniciou, em 2014. Embora o sistema carcerário brasileiro tenha capacidade para 440 mil detentos, hoje cerca de 682 mil pessoas estão presas. Ou seja, as penitenciárias estão 54,9% acima da capacidade, o que fragiliza também as condições dentro destas instituições.
Sistema carcerário no Brasil durante a pandemia
Outro debate dentro da realidade das prisões é acerca do surgimento de situações de vulnerabilidade mais acentuadas, como a ausência de banho de sol, precário fornecimento de alimentação, vestuário, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, dentre outros.
João Luiz Silva, co-fundador e mobilizador político da Eu sou Eu, associação para a inclusão de crianças e jovens, questiona os números apresentados pelos órgãos oficiais, pois acredita que estes sempre trazem inquietações. “A confiabilidade se desmonta diante da realidade prisional. O Estado mente descaradamente e essa mentira resulta em dados oficiais”, explica Silva, que entende secretarias de administração penitenciária enquanto órgãos detentores de autonomismo.
Carolina Dantas, advogada do Conectas, organização voltada à proteção, efetivação e ampliação dos Direitos Humanos, a população carcerária está em uma situação ainda mais precária na pandemia. “O Governo e o Poder Judiciário deixaram a situação de lado. São realidades degradantes, como banho de sol de duas horas por dia, pouco acesso à água, alimentação ainda mais precária e suspensão das visitas. Os presos, hoje, estão incomunicáveis”, afirma a advogada.
Poucas pessoas entram no presídio e as denúncias vêm em forma de cartas que são encaminhadas, segundo Dantas. De acordo com o Relatório da Pastoral Carcerária, o índice de violência aumentou lá dentro. O levantamento aponta que entre 15 de março e 31 de outubro de 2020, foram 90 denúncias de casos de tortura, envolvendo inúmeras violações de direitos em diversas unidades prisionais espalhadas pelo país.
Por sua vez, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) informou que monitora os casos suspeitos e detectados de Covid-19 nos Estados, desde o início da pandemia, em março de 2020, além de “Ações de saúde, orientações técnicas, aquisição de insumos, reuniões com gestores e realização de eventos on-line para compartilhar boas práticas e incentivar a produção de materiais de combate à doença com o trabalho prisional”, informação compartilhada na página do Departamento.
Presos provisórios e a reinserção no mercado de trabalho
O levantamento do Monitor da Violência aponta que o Brasil possui um dos maiores números de pessoas presas sem condenação. São mais de 217 mil, 31,9% das pessoas colocadas atrás das grades ainda não tiveram direito a um julgamento.
Carolina Dantas ainda reflete que as “prisões são uma tortura por si só”. E essas prisões tem um fundo direcionado no Brasil, que são as pessoas negras e de periferia:
“Essa seletividade penal coloca a lente do racismo, que acaba orientando a nossa sociedade, como a abordagem policial violenta contra as pessoas negras. E essa é a lente usada pela polícia, pelo Ministério Público na hora de acusar e pelos juízes na hora de condenar”,
explica Carolina Dantas, advogada.
Elisandra Minozzo, chefe do Trabalho Prisional do Departamento de Tratamento Penal (DTP) da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), do Rio Grande do Sul, afirma que, nos presídios, há uma capacitação profissional e os detentos exercem atividades em empresas parceiras através dos termos de cooperação, como costura e confecção, fabricação de móveis, dentre outras. Porém, mesmo com esse trabalho, há ainda dificuldade na reinserção desta população ao mercado de trabalho.
“O estigma social em relação aos egressos, além da baixa escolaridade e da falta de qualificação para o trabalho, são fatores inerentes ao contexto social anterior ao cumprimento da pena”, explica. Essa dificuldade é compartilhada por João Luiz Silva.
“A partir do momento que ocorre a privação de liberdade, seja ela nas prisões de adolescentes ou de adultos, cada corpo recebe um etiquetamento, que torna quase impossível uma inserção no mercado de trabalho. Pensando que não há inserção para as camadas mais pobres e, ao passar pela cadeia, o estigma só se agrava”,
enfatiza João Luiz Silva, da Eu sou Eu.
A dificuldade fica mais evidente ainda quando um jovem sai do presídio em busca de uma vaga de emprego. Muitos saem do sistema prisional e não têm apoio e suporte familiar, explica Anderson Carvalho, orientador social do Instituto Papel de Menino (IPM), organização sem fins lucrativos voltada à ressocialização de adolescentes. Segundo ele, os desafios continuam após a saída da fundação: “Sem nenhum apoio lá fora, fica mais propício eles voltarem a levar a mesma vida que antes. E, mesmo que o jovem queira voltar a estudar, acaba sofrendo preconceito, como ter uma vaga negada na escola, por exemplo”.
O orientador social contextualiza ainda essa realidade, porque já passou por isso. Anderson teve quatro passagens na organização que atua hoje – e afirma ter grande satisfação em trabalhar no projeto: “Eu tenho minha família e minha casa própria. São as minhas conquistas. Eu nunca imaginei que poderia ter isso”, reflete.
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