Não serão raras as críticas à indústria da moda acerca de questões sociais e ambientais. Por exemplo, mais e mais pessoas estão se perguntando sobre quanto este setor polui. Com mais acesso à informação, o público está mais consciente, exigindo a sustentabilidade das marcas.
Vale dizer que os impactos dos negócios da moda são relevantes e fazem parte de uma agenda pública global. Estima-se que a indústria da moda seja o segundo maior consumidor de água, segundo a Global Fashion Agenda (1,5 trilhão de litros por ano), por exemplo.
Mas como pensar quem produz e de qual forma é feita a cadeia produtiva? Quão conectados estamos realmente com o desenvolvimento socioambiental no que diz respeito às roupas? Quais impactos a indústria da moda causa? E como a moda pode também propor soluções para um sociedade mais sustentável? São algumas das perguntas que guiam esta reportagem.
O que é fast fashion?
O modelo fast fashion é o que prevalece na indústria da moda. Ele se baseia na oferta constante de produtos de tendência e nos preços baixos. Para que as peças sejam produzidas em um ritmo tão rápido, as empresas usam muito mais recursos naturais e insumos químicos para fabricar as roupas. De acordo com a Fundação Ellen McArthur, a produção de roupas aproximadamente dobrou nos últimos 15 anos. Ainda segundo o levantamento, 73% dos resíduos têxteis ou são queimados ou enterrados em aterros sanitários. Cerca de 12% dos resíduos têxteis vão para reciclagem – em sua maioria, são triturados para encher colchões, utilizados em isolamentos ou panos de limpeza. Menos de 1% dos resíduos é usado para fabricar peças de roupas novas.
Ou seja, há um modelo industrial que trabalha com base na produção em grande escala de roupas e no consumo constante dos consumidores.
Mas há bons exemplos de marcas brasileiras que vem apostando em uma pegada menos agressiva ao meio ambiente.
Uma deles é a InsectaShoes, que surgiu em 2014. Barbara Mattivy, fundadora da InsectaShoes, empresa que que desenvolve sapatos e acessórios unissex com design contemporâneo e produção ecológica, vegana e brasileira reflete: “Sobre o modelo fast fashion, de forma geral vimos que toda semana tem coleção nova. Para lançar uma coleção nova, é preciso tirar uma antiga. E esses produtos geralmente acabam indo para aterros. Eles não são reciclados da forma correta e, às vezes, são queimados”.
Na Insecta, todo material utilizado nos sapatos é também ecologicamente correto e vegano, não havendo utilização de matéria-prima de origem animal. “Queremos focar em realmente resolver esse problema do lixo da indústria da moda e entender que somos responsáveis também pelo lixo que colocamos no mundo”, declara Barbara.
A importância dos ODS
Em virtude do crescimento do modelo fast fashion, nos últimos anos se iniciou uma cobrança da sociedade pelos impactos socioambientais da moda, como os danos irreversíveis à natureza, a degradação social em diversas regiões do mundo e o desrespeito às condições básicas de trabalho.
Neste cenário, a declaração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU assume papel de destaque. Destaca-se o ODS 12, que trata de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis com redução de produtos químicos e de resíduos por meio da prevenção, da reciclagem e do reuso. Nesse sentido, este objetivo quer auxiliar na promoção de campanhas de educação ambiental orientadas ao consumo responsável.
Taciana Abreu, head de marketing da Farm, marca carioca que vem reforçando iniciativas sustentáveis, explica como a empresa vem inserindo os ODS na política de atuação no que diz respeito à equidade de gênero, redução de desigualdades e questões raciais. Sobre a escolha dos materiais para confecção das peças, ela destaca a linha de jeans, que passou a ser feita 100% de algodão responsável brasileiro, que segue as certificações ABR e BCI de cultivo correto.
Um dos desafios é sobre como as empresas relacionadas à moda podem dialogar sobre os impactos da indústria aos consumidores. “Como eu traduzo para o cliente a importância dele pensar em carbono e o desafio de manter a temperatura global?”, expõe Barbara.
Os impactos na linha de produção também devem ser considerados neste movimento mais sustentável. Um exemplo é o trabalho da Pano Social, uma startup que tece moda sustentável e reinsere ex-presidiários no mercado de trabalho. “Os maiores impactos são sobre o que comemos e o que vestimos. A importância da olharmos para o que estamos vestindo é, mais do que nunca, visto que o planeta vem dando seus recados”, enfatiza Natacha Barros, uma das fundadoras da Pano Social.
Além do cuidado com a questão ambiental, pois as peças são feitas a partir de algodão 100% orgânico ou 100% PET reciclado, a Pano Social emprega e capacita os ex-detentos. Vale lembrar que o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo e apenas 9% dos ex-detentos conseguem se reinserir no mercado de trabalho.
Como bem retrata o documentário The True Cost (2015), dirigido pelo norte-americano Andrew Morgan, com o fenômeno da moda rápida, também surgem preocupações sociais e trabalhistas, como o abuso no trabalho em países subdesenvolvidos. A maioria dessas empresas paga o menor salário possível para ter preços competitivos no setor. Essas marcas procuram países onde a mão de obra é a mais barata possível, o que significa que os funcionários devem trabalhar em condições desumanas que colocam em risco sua segurança.
Foi o que também apontou o relatório “Lista de bens produzidos por trabalho infantil ou trabalho forçado” do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, que comprovou a existência de trabalho infantil e de trabalhos forçados na indústria da moda em países como Argentina, Bangladesh, Brasil, China, Índia, Indonésia, Filipinas, Turquia, Vietnã, entre outros. Outro dado do The Global Slavery Index 2018, da Fundação Walk Free, apontou que a moda é a segunda categoria de exportação que mais explora o trabalho forçado, ficando atrás apenas do setor de tecnologia.
Cerca de 40,3 milhões de pessoas estão nessa situação, das quais 71% são mulheres. No mundo, 24,9 milhões de indivíduos exercem profissões forçadamente.
Seguindo essa linha, em muitos locais, empresas cortam custos na gestão e na segurança para atingir o limite solicitado, o que gerou desastres como o que aconteceu em 2013 em Rana Plaza (Bangladesh). Mais de 1.129 pessoas morreram. Hoje, considerado o pior desastre de todos os tempos na indústria do vestuário.
Um fato positivo é que há uma quantidade considerável de marcas emergindo para trabalhar em prol da moda sustentável e da ética, o que poderá levar a uma mudança sistêmica necessária. Afinal, consumidores se preocupam também com uma moda mais sustentável, segundo mostra a análise do Lyst, site especializado em consumo on-line. Um mercado tão em voga, que é perceptível pela demanda por pesquisas sobre moda sustentável – um crescimento de 66% em 2018.
Com isso, a cada dia, instituições que se dedicam à sustentabilidade da moda buscam soluções para tornar esse fenômeno menos nocivo possível. Resta a nós, como consumidores, a tentativa de consumo consciente e sustentável.
Quando uma marca de moda tem metas agressivas de faturamento (para captar investimentos) e lançamentos de novos produtos semanal ou mensalmente, deixa de ser sustentavel. Importante mencionar que exemplos citados acima ,como sustentaveis, tem incorrido nesta dinamica muito similar ao fast fashion…. cuidado com o greenwashing!