A pandemia causada pelo novo Coronavírus gerou impacto na economia do Brasil e do mundo. Na primeira semana de maio, a quantidade de pessoas desempregadas era de 9,8 milhões e, em três meses, esse número saltou para 12,9 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante de tais índices, vale ressaltar a importância de se tratar as propostas do ODS 8 – um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Este objetivo, contextualizado na Agenda 2030 da ONU, incentiva a geração emprego decente, apoio ao empreendedorismo, e incentivos à formalização e ao crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros para trazer melhorias nos empregos.

O Brasil deve terminar 2020 com 9,5% de pessoas na condição de pobreza extrema, de acordo com a avaliação da ONU. Vale lembrar que essa taxa foi de 5%, em 2019. A entidade estima que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) regional de 2020 será de 9,1% – a maior em um século.

O número de pessoas extremamente pobres pode atingir a 83,4 milhões de pessoas na América Latina e Caribe em 2020, ainda segundo a ONU.

Fonte: IBGE, EBC, Banco Mundial, ONU e Pnad Covid-19. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Maurício Almeida Prado, diretor executivo do Plano CDE, conta que o Auxílio Emergencial aplicado no Brasil durante a pandemia reduziu a pobreza extrema. “A nossa preocupação é com o que vai acontecer depois que o auxílio acabar. Mas, com certeza, esse benefício foi muito importante e serviu de colchão para os mais pobres durante a pandemia”, explica o diretor. “Muito beneficiários perderam o emprego ou tiveram o salário reduzido. Muitas famílias dependem de quem mora junto e tem uma renda fixa – para sustentar o restante que tem uma renda informal”, completa Prado.

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Com a pandemia, as classes mais pobres se depararam com a falta de renda ou a diminuição dela. Prado explica que há três grupos das classes C, D e E que estão passando por isso. “O primeiro grupo (classe E), representados pelos que ganhavam até R$ 2.000,00, perderam muita renda e passaram a ganhar os R$600,00 do Auxílio Emergencial (ao invés do R$ 200,00 do benefício do Bolsa Família). O segundo grupo (classe D), são aqueles que ganhavam entre R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00. Estas pessoas não recebiam benefício do Bolsa Família e, com a pandemia, começaram a receber o Auxílio Emergencial”, explica ele, que completa: “Essas pessoas têm renda variável, trabalho por conta própria e informal. Porém, o auxílio é insuficiente, pois há pessoas nestes lares que dependem umas das outras”.

Sobre o terceiro grupo (classe C), Prado explica que este “Recebia entre R$ 3.500,00 e 6.000,00, não pode receber o Auxílio Emergencial e está endividado por causa do trabalho informal”. Diante deste panorama, o executivo enfatiza:As classes D e E têm risco de passar fome quando o Auxílio Emergencial acabar, ao passo que a classe C, devido ao risco de endividamento, pode chegar a passar fome também, explica Prado.

Maurício Almeida Prado, diretor executivo do Plano CDE - Crédito: Divulgação.

Desprotegido na pandemia
O Carlos Monteiro*, de 40 anos, é autônomo e faz parte do grupo de pessoas que perderam renda com a pandemia. Como ganha a vida vendendo água e chocolate na rua, Monteiro se sentiu desprotegido sem poder trabalhar. “Como não pude voltar a trabalhar, mesmo com o comércio aberto, minha renda caiu mais de 50%. Sou chefe de família, o que complicou ainda mais minha situação”, conta ele.  

Sentindo falta de benefícios e renda fixa, Monteiro conta que seu trabalho é perigoso, pois precisa fugir de policiais e guardas, que acabam tomando suas mercadorias. E essa vulnerabilidade também culmina na diminuição da renda mensal. Contando totalmente com o Auxílio Emergencial, ele está preocupado com a diminuição no valor do benefício. “Eu tenho tuberculose, faço parte do grupo de risco e por isso não voltei a trabalhar. Além do medo de contrair o Coronavírus, estou preocupado com a diminuição do Auxílio Emergencial, que já era pouco e agora vai me colocar em uma situação delicada. Não sei o que será de mim e da minha família até isso passar“, relata Carlos.

Crédito: Equipe de Arte Aupa
Bolsa Família. Crédito: Equipe de arte Aupa.
Auxílio Emergencial. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Programa de renda básica
Um possível programa de renda básica circula no Congresso Nacional. O intuito é que o benefício atinja toda a população, independentemente da faixa salarial. A perspectiva de que um programa desse tipo possa ser implementado deu esperança a Eduardo Suplicy (PT), ex-senador e hoje vereador em São Paulo. Ele  já teve um projeto sobre o assunto aprovado no Parlamento e sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004. Mas o texto da lei 10.835, que instituiu a renda básica da cidadania, nunca foi colocado em prática e agora voltou a ser discutido pelo Governo Federal. Você pode ler mais sobre o projeto aqui.

Haroldo Torres, economista e consultor associado à Berlim Consultoria, explica que esse programa de renda básica, que está em discussão, prevê uma versão de renda para todos os brasileiros. “O benefício deve funcionar de forma que os mais pobres tenham direito a uma renda e os ricos abatam um certo valor em impostos”, detalha.

Haroldo Torres, economista e consultor associado à Berlim Consultoria. Crédito: Divulgação.

Leia também: “Por que falar em políticas de renda mínima?”. Clique na imagem acima para ler o artigo completo. 

Emprego informal na pandemia
De acordo com o IBGE, a pandemia deixou três milhões de brasileiros desempregados – hoje, o desemprego atinge 12,9 milhões de pessoas. Segundo Torres, esse índice é de 13% ao ano, mas isso indica apenas a quantidade de pessoas que procuraram emprego na semana da pesquisa, ou seja, esse número é muito maior, pois não foram contabilizadas as pessoas que também estão desempregadas, mas não procuraram emprego na semana da pesquisa. “O maior grupo de pessoas desempregadas é composto por jovens de 20 anos, pessoas negras e periféricas. Os menos escolarizados têm menos chance de trabalhar, pois esse grupo mora longe dos bairros centrais e o empregador não quer atender o requisito de quem mora no subúrbio”, explica o economista.

Prado, por sua vez, explica que o desemprego é sempre maior na periferia e as mulheres são as mais afetadas. “Antes da pandemia, 62% dos homens das classes C, D e E trabalhavam. As mulheres da classe B atingiam a mesma porcentagem e na periferia apenas 42% das mulheres trabalhavam. Cerca de quatro a cada 10 jovens das classes C, D e E não estudam e não trabalham e isso acontece também por falta de oportunidades”, exemplifica o executivo.

Sophia Cordazzo, de 29 anos, trabalha como freelancer no setor Audiovisual há sete anos.  Atuando como produtora, maquiadora e assistente de direção, Cordazzo se viu desamparada em meio à pandemia e começou a estudar psicanálise para ter uma nova profissão. Mesmo já tendo trabalhado no regime CLT, a profissional explica que como freela consegue receber mais do que os profissionais que têm um emprego formal. Porém, ao mesmo tempo, não recebe benefícios e não tem direitos, como férias remunerada, seguro-desemprego, entre outros – o que, no fim, “Acaba dando na mesma”, segundo ela. “O meu ano é sempre oscilante. Em meses bons, eu faço 10 diárias e, em meses ruins, faço quatro. Desde que começou a pandemia, eu fiz zero trabalhos, ou seja, cinco meses sem emprego nenhum. Mas, mesmo assim, tive medo de pedir o auxílio emergencial e pegar o lugar de alguém que está em situação de vulnerabilidade”, avalia Cordazzo, que não faz parte do grupo identificado com as linhas de pobreza.

Vendedores ambulantes. Crédito: Taniadimas

Com medo que as produtoras que ela presta serviço fechem, Sophia diz que se preocupa como vai ser daqui para frente, quando tudo voltar ao normal – ou, ao menos, acontecer a retomada de trabalho de forma mais ampla. “Estou usando a minha poupança para pagar as contas, mas esse dinheiro eu estava guardando para outras coisas. Só recebi duas parcelas do Auxílio Emergencial. Demorou muito para eu ser aprovada, pois o aplicativo é bem lento e agora estou na espera da terceira parcela”, comenta ela. 

“O setor de freelancer no Audiovisual é precário, pois as empresas querem cada vez menos se responsabilizar com o profissional. Sinto falta de contratos alinhados com o sindicato dos radialistas para me sentir mais segura em relação a roubos de equipamentos, bem-estar da equipe e acidentes. Não recebemos horas extras quando passa do tempo combinado da diária e fica por isso mesmo”, descreve.

Sophia Cordazzo, de 29 anos, trabalha como freelancer. Crédito: Divulgação.

Torres explica que a informalidade acontece porque o país não gera emprego suficiente e as pessoas precisam se virar para sobreviver como autônomos. “O PJ [Pessoa Jurídica] é um sistema precário por não ter benefícios e a terceirização deve crescer no país. O custo para empregar deve diminuir e a economia do país precisa crescer para gerar mais empregos formais”, comenta.

*Atendendo o pedido da fonte, foi usado um pseudônimo. 

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