Como ficará o Brasil quando a pandemia acabar? Depois que as ações e os esforços emergenciais cessarem e a poeira abaixar, problemas como desemprego, fome, dificuldades na educação, questões de meio ambiente, entre tantos, saltarão aos olhos. Feridas estruturais abertas a serem tratadas agora e nos próximos anos.

Nessa direção, pensamentos e discussões, projetos em construção e, sobretudo, novas lentes buscam diferentes ângulos para solucionar os desafios. O Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) corre nessa via. É uma organização que atua pelo fortalecimento do campo dos investimentos e negócios de impacto.

“Nossa visão de futuro está ancorada na perspectiva de que o ecossistema de investimentos e negócios de impacto pode gerar soluções inovadoras para superação das principais questões sociais e ambientais do Brasil, contribuir para os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas], atrair novos capitais e servir como referência e inspiração para uma economia que coloca impacto no centro de todas as decisões”, resume Vivian Rubia, coordenadora de Programas do ICE.

Com sede em São Paulo, o instituto é responsável por uma agenda importante, com uma equipe enxuta e alguns voluntários. Acompanhe a entrevista com Vivian, a seguir.

AUPA – Não há como pensar a vida sem considerar o cenário da pandemia. Do ponto de vista do ecossistema, quais foram as maiores dificuldades?
Vivian Rubia – O time do ICE Investimentos, que acompanha os empreendedores (que receberam aportes do ICE em 2018 e 2019), teve um acompanhamento próximo para entender a situação de cada negócio e renegociar as condições de empréstimos, como prazos, valores, entre outros.

Todos os demais programas adaptaram suas atividades (incluindo atividades de capacitação) para o formato virtual. Também fizemos inúmeros eventos, como o Fórum de Investimentos e Negócios de Impacto 2020 e também a edição 2021 (prevista para 8 a 10 de junho) 100% virtual.

Não atuamos diretamente com empreendedores, o que não significa que não tivemos nenhuma atuação focada no campo neste período desafiador. Fizemos uma captação de recursos adicionais e mobilizamos cerca de R$635 mil junto a parceiros para a iniciativa Elos de Impacto. Esses recursos foram direcionados para ações emergenciais de intermediários que apoiam empreendedores da base da pirâmide, periferia e de outros grupos vulneráveis, e projetos selecionados pelo Programa de Incubação e Aceleração de Impacto.

Conheça mais detalhes sobre os projetos apoiados pelo ICE. 

AUPA – Como a crise econômica mundial refletiu no fomento dos negócios?
Vivian Rubia – Como organização que apoia o campo de maneira mais ampla, vimos alguns setores que, diante da atual pandemia, obtiveram um crescimento exponencial, como saúde (equipamentos e telemedicina) e educação (acesso remoto). Empresas como a Magnamed, investida pela Vox Capital, que produz ventiladores pulmonares, cresceram 10 vezes em três meses, o que demandou uma grande capacidade de ganho de escala e busca de cooperação.

Saúde é um exemplo de um setor que sempre foi essencial para o país, mas a crise demonstrou a necessidade de investimentos em negócios de impacto com este foco. Não à toa, a Vox acaba de anunciar um fundo de R$100 milhões para investimentos em health techs em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein.

Apesar desse boom visto em alguns setores, não podemos correr o risco de generalizar e achar que este mesmo movimento acontece em todos os setores. Os negócios de impacto da periferia, por exemplo, foram duramente impactados pela crise. Acompanhamos algumas iniciativas neste campo e as necessidades mais urgentes são recursos para pagar recursos humanos e promoção de ações de acesso a mercados.

Não podemos esquecer a imensa desigualdade em nosso país.

Mais de 116 milhões de brasileiros não têm comida suficiente. Diante dessa calamidade, empreendedores pobres, mulheres, negros e oriundos de territórios vulnerabilizados são os mais afetados no curto e médio prazo.

AUPA – No mundo corporativo, o termo “novo normal” já virou jargão. No caso específico do ICE, quais as lições extraídas a partir da pandemia e que devem seguir neste novo normal?
Vivian Rubia – Em meados do fim de 2020, finalizamos a revisão da nossa teoria de mudança que, ancorada nas recomendações da Aliança, elencou algumas alavancas para o trabalho do ICE. Quatro delas são:o protagonismo dos territórios vulnerabilizados; o fortalecimento de ecossistemas locais; a conexão com a agenda ambiental, e a tecnologia para impacto, que tem uma conexão muito profunda com o que vislumbramos neste novo normal.

O nosso novo normal passa necessariamente pela visão de que precisamos reduzir as desigualdades territoriais, raciais e de gênero no ecossistema de impacto, fortalecer ecossistemas regionais, garantir oportunidades para investimentos e empreendimentos na área ambiental, além de ampliar o uso da tecnologia para impacto positivo.

AUPA – Como será o diálogo entre os pares daqui para frente?
Vivian Rubia – A pandemia aproximou distâncias e quebrou algumas barreiras territoriais. Ainda estamos aprendendo a lidar com essa comunicação à distância e tem sido excelente testar novos formatos de interação. Torcemos para que possamos voltar a nos conectar de forma pessoal em breve (quando tivermos vacina para todos), mas não temos dúvida que seremos muito mais seletivos entre as ações que faremos presencialmente e à distância.

AUPA – Qual o propósito da reestruturação do Programa de Incubação e Aceleração de Impacto?
Vivian Rubia – O Programa de Incubação e Aceleração de Impacto passou por uma mudança significativa nesta revisão da teoria de mudança.

Alteramos o nome: agora o programa se chama Elos de Impacto (mesmo nome usado na iniciativa que lançamos em resposta à Covid – mencionada acima). Cremos que nossa função é promover elos para ampliar impacto social, então este nome fez muito sentido para renomear o programa.

Público: tínhamos como foco uma rede de aceleradoras e incubadoras que apoiamos nos últimos cinco anos. Certamente, este público segue conosco. Mas passamos a considerar ações para outros dinamizadores que, embora não tenham participado dos nossos programas, também podem contribuir para o avanço da agenda de impacto no universo empreendedor.

Das quatro frentes revisitadas, nosso destaque é a Coalizão de Impacto — uma iniciativa ainda em fase de modelagem, mas que é nossa grande aposta para mobilizar recursos e atores em uma proporção maior do que temos feito até agora para movimentar a agenda de impacto no Brasil.

AUPA – Quais os maiores desafios para garantir que as boas práticas de incubação e aceleração sejam de fato aplicadas?
Vivian Rubia – A publicação das boas práticas de incubação e aceleração foram pensadas para dar visibilidade para algumas ações desenvolvidas por essas organizações ao longo de sua jornada de implementar impacto em sua atuação. Elas trazem um retrato e uma inspiração de que é possível evoluir nesta direção. Os desafios de incorporação dessa agenda por incubadoras e aceleradoras são imensos — vão desde desafios institucionais (gestão, equipe e recursos), técnicos (capacitação da equipe para apoiar negócios de impacto) e estruturais (relacionamento com organizações mantenedoras, no caso das aceleradoras ligadas a instituições de ensino; ecossistemas locais de impacto ainda pouco maduros e Políticas Públicas).

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