Primeiramente, a realidade nua e crua: vivemos tempos de exceção, com um presidente autoritário eleito e índices sociais e econômicos em declínio. Nossa carta magna e as instituições democráticas são colocadas à prova a todo momento. Ao mesmo tempo, seguimos com um congresso nacional viciado em um fisiológico sistema de poder, permeado por interesses de balas, bois e bíblias. O momento é difícil para todos e a sociedade está mais dividida que anos atrás.
Já naturalizamos o que deveríamos combater. Assistimos manifestações claras de fascismo, ataques ao STF e à imprensa, e flertamos com convites a golpes militares. Tudo ao redor nos faz criar aversão à política e aos políticos. A descrença no sistema é enorme e em reação a tudo e a todos: a “sociedade civil” parte para o ataque. Imbuídos de espírito cívico, surgem pelo país milhares de iniciativas e pessoas inspiradas para fazer, apoiar ou financiar negócios que salvarão o planeta, vidas humanas ou preencher com propósito milhares de carreira. Tudo certo, só há um pequeno detalhe.
A sociedade não se transforma sem política. Não há vácuo de poder e se o setor de impacto quer impactar a sociedade, precisa impactar também a política, precisa ocupá-la. A pandemia, que ceifa vidas e nos faz (os que podem) ficar em casa, traz a necessidade do pensamento coletivo. E, por mais maravilhosos, fundamentais e bem sucedidos que os negócios de impacto sejam, por mais que lideranças sociais das periferias ou arrependidos do setor financeiro surjam, por mais que o setor cresça em financiamento e adesão de novas mentes e corações impactados pelo impacto, nada será feito em profundidades e sem a política.
Se todos os negócios querem mudar o mundo, é preciso combinar com quem também move o mundo, os representantes eleitos em uma democracia.
Não dá para ser omisso: é preciso falar, se posicionar, sujar as mãos. Lideranças do setor de impacto têm que falar abertamente de política e de políticos. Sem política, sem representantes, o movimento pelo impacto social não avançará. Não basta só agir via advocacy ou compliance. É preciso representação política dentro de todas as esferas do poder público, principalmente no Legislativo e no Executivo. Não ter medo de falar abertamente e começar a pensar quem serão os próximos vereadores, deputados, senadores, prefeitos e governadores, não somente comprometidos, mas que representem o impacto como fundamental para a sociedade. Imagine se boa parte dos representantes fossem empreendedores sociais?
Se há receio de entrar nessa arena, às vezes tóxica e burocrática, o impacto será limitado. Acreditar somente no poder do capital financeiro e abdicar do capital político pode ser um erro estratégico que será cobrado no futuro. É preciso ir além do Enimpacto ou da legislação e dos entendimentos judiciais sobre impostos e doações para o Terceiro Setor. A sociedade pede taxação de grandes fortunas e acredita que a renda mínima poderia ser implantada. O que o setor de impacto pensa sobre esses temas? Ficar alheio à política é deixar o setor de impacto pequeno diante do desafio.
Não se posicionar ou não participar do debate: é covardia. Precisamos ocupar a política. Vamos juntos?
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Excelente texto, Ivan. Boas pancadas! “arrependidos do setor financeiro”, sou um (não tenho qualquer vergonha disso). Mas tenho visto MUITOS. Impressionante! De fato, no entanto, pouco adianta se a máquina não evolui. Temos empresários políticos que perpetuam no poder. Certamente, nenhum deles empreendedor social. Está na hora de mudar isso.