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Dos aprendizados, a evolução: a trajetória da Mira Educação

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A ideia inicial deu errado. E o que é recorrente na história das startups. Isso aconteceu também com a Mira Educação, que nasceu no comecinho de 2016 com a missão de impactar a educação pública.

O projeto saiu do papel como uma solução em hardware que acompanharia todo o ciclo de educação de um jovem do ensino médio. A tecnologia conectava o professor, o diretor, a secretaria de educação, os pais e o próprio aluno. As informações iam para um servidor na escola, que conectado a internet, armazenaria essas informações em um banco de dados. O projeto chegou a ser testado em 3 escolas em Cuiabá, 5 em Campo Grande e 2 em São Paulo, mas logo ficou muito claro que o produto não era escalável.

“A Mira nasceu porque acreditamos que a tecnologia é uma maneira de impactar jovens de diversas partes do país, desde comunidades ribeirinhas até uma grande cidade”, analisa Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da Mira. “Mas nunca nos esquecemos de que quem usa a tecnologia são pessoas. São os agentes que vivem o dia a dia da escola pública que vão transformar a educação, não a tecnologia. Ou seja, é preciso engajamento e naquele momento nós não o tínhamos.”

A Escola Estadual Odon Cavalcanti, em São Paulo, aplica o aplicativo da Mira como solução para o trabalho burocrático de professores. Foto: Agência Ophélia.
A Escola Estadual Odon Cavalcanti, em São Paulo, aplica o aplicativo da Mira como solução para o trabalho burocrático de professores. Foto: Agência Ophélia.

 

De volta ao básico

Foi o momento em que o time viu que era importante olhar novamente para os atores da cena. E foi ouvindo professores que eles abandonaram soluções mais mirabolantes e entenderam que a inovação deveria ser no jurássico Diário de Classe. Aquele tradicional e temido caderninho em que os professores registram a frequência dos alunos, as notas, fazem anotações sobre comportamento precisava de inovação.

 

Célia Regina de Souza é diretora da Escola Estadual Odon Cavalcanti. Para ela, o app da Mira alivia e facilita as obrigações de gestão da escola. Foto: Agência Ophelia.
Célia Regina de Souza é diretora da Escola Estadual Odon Cavalcanti. Para ela, o app da Mira alivia e facilita as obrigações de gestão da escola. Foto: Agência Ophelia.

Foi daí que nasceu um app, em que o professor registra as informações sobre a presença e comportamento do aluno, envia essas informações via SMS avisando os pais sobre faltas e compartilha um compilado de informações com a Secretaria de Educação por meio de relatórios. Os primeiros resultados começaram a aparecer: em 2017 a startup atingiu 50 mil alunos da rede estadual.

 

Ajustando o curso

Mas engana-se quem acredita que a startup está faturando rios de dinheiro. Apesar de ter um produto redondo, assim como em muitas outras startups, o modelo de negócio estava errado. Na versão que saiu do papel, a Mira venderia para sua solução para os estados por meio de licitação pública.

“Se alguma startup chegar pra mim e falar que vai viver de vender pro governo eu vou rir na cara dela com tanta força… O governo não está preparado para comprar. Existe uma rotatividade muito grande e além disso um processo de licitação demora de um ano e meio a dois. Ou seja, é muito, muito difícil”, conta Rangel Barbosa, CEO da Mira.

A percepção de que estavam no caminho errado, porém, não parou o trabalho. E em vez de vender, eles começaram a doar as licenças para uso do aplicativo, em um investimento médio de 4 centavos por aluno por ano. Em 2018, atingiu atraente soma de 1 milhão de alunos espalhados por 11 estados e o impacto veio: com o uso do aplicativo, o índice de ausência nas aulas caiu de 10% a 26% nas escolas.

Um novo modelo de negócio

E como a empresa fez para se manter viva e com equipe neste tempo todo? Um senhor investimento semente de R$ 30 milhões feito por brasileiros com LLCs nos Estados Unidos e que preferem manter o anonimato. O que se sabe é que hoje o board conta com 8 membros.

Com o produto resolvido e ganhando tração, o principal desafio para 2019, nas palavras de Rangel “é tornar-se financeiramente sustentável”. Parte do plano passa pela captação de mais investimento. Desta vez, o cheque será de 10 milhões de dólares, para manter a operação por dois anos (um investimento considerado Series B).

O plano passa também pelo novo modelo de negócio que será implementado, focando na empregabilidade dos alunos. “A gente via que os meninos no ensino médio querem muito conseguir um emprego. E várias empresas têm a demanda de contratar estagiários ou jovens aprendizes. Então porque não ajudar a conectar o perfil dos alunos com o das empresas?”, indaga o CEO. A partir deste novo modelo uma empresa que abre um posto de trabalho pode acionar a Mira para fazer o disparo desta vaga via SMS para alunos com o perfil que eles quiserem e paga por contratação em torno de 25% a 50% de um salário mínimo.

“Se você pergunta para os alunos qual o papel da escola na sua vida, a maioria não sabe. Eles vão porque o pai ou a mãe mandam eles irem. Só que se a cada duas semanas pingar quatro vagas de estágio para o aluno que vai todo dia a aula, se comporta bem e faz suas tarefas em sala, aí começa a fazer sentido. E ele começa a entender que vai precisar do dinheiro para pagar a faculdade”, conta Rangel. É por aí que vai seguir a Mira em 2019. Com potencial para atingir 5 milhões de alunos em um mercado que Rangel considera ser entre 5 e 10 bilhões de dólares.

Rangel Barbosa, CEO da Mira, acompanhado de  Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da startup. Foto: Agência Ophelia.
Rangel Barbosa, CEO da Mira, acompanhado de Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da startup. Foto: Agência Ophelia.

 

Ficar milionário? Isso não vai acontecer

Mesmo assim, cheio de honestidade, ele alertou os investidores: “Eu falo para todos os investidores: se você está pensando em ficar milionário ou bilionário investindo em empresa de educação pública, você investiu na empresa errada. Isso não vai acontecer.”

De fato não aconteceu nestes três primeiros anos de operação. O que se viu foram algumas mudanças significativas que garantiram a evolução e consolidação da startup. O pouco tempo que passou (que quem empreende sabe que é uma longa e cansativa trajetória) fez com que eles mudassem de produto e de modelo de negócio, mas com a mesma vontade inicial: a de fazer a diferença na vida de jovens do ensino médio. Agora é hora de gerar dinheiro. E segue o jogo.

Alan Soares: “Nosso impacto é a construção de um mundo mais humano para nossa comunidade negra”

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Pensando na necessidade de impulsionar o ecossistema de impacto e também envolver os empreendedores afro-brasileiros, iniciativas como o Movimento Black Money demonstram sua relevância. Além do resgate da ancestralidade e do protagonismo negro no universo empreendedor, tais organizações contribuem para a consolidação de iniciativas que trazem retorno à população afrodescendente.

Fundado por Nina Silva e Alan Soares, o Movimento Black Money (MBM) busca desenvolver uma mentalidade inovadora entre empreendedores jovens e negros. Partindo de uma visão Pan-africanista, o foco do trabalho está em conteúdos que deem visibilidade e conectem agentes transformadores do ecossistema. Segundo Alan Soares, o MBM não é uma aceleradora. “Trabalhamos com comunicação, educação e finanças”, comenta ele que é educador e coach financeiro, trader e empreendedor social.

O MBM desenvolve o , que protagoniza mulheres, jovens e meninas negras por intermédio da democratização do ensino de tecnologias para empreendedoras. Quando o assunto é finanças, o MBM destaca-se pela criação do D’Black Bank, uma fintech que conecta consumidores e empreendedores negros, por meio de serviços financeiros e incentivos sociais a projetos educacionais.

Em entrevista para a Aupa, Alan Soares compartilha sua visão da força afro-brasileira que existe no ecossistema de impacto, mas não ignora o racismo que também existe no setor. “A minha pergunta é: os empreendimentos sociais, aqueles que recebem maior aporte financeiro, seja de um investidor-anjo ou diretamente por doação, são aqueles que tem um negro como dirigente ou um branco como dirigente?”, questiona Soares.

“Nós nascemos e somos oriundos de uma sociedade matriarcal e de uma sociedade comunitária. O que é cultuado não são as posses, mas, sim, as gerações com as pessoas. Isso tem tudo a ver com o modelo social que nós desejamos estar”

AUPA | Quando e como começou o Movimento Black Money?

ALAN SOARES | Eu diria que, como prática, ele sempre existiu em África. Mas vamos dizer que nas Américas ele existe desde que os negros foram trazidos para cá, na situação de cativos. Porque, desde sempre, os nossos ancestrais já vinham guardando dinheiro para conseguir a liberdade uns dos outros. Então, o Black Money sempre existiu e era um recurso de defesa e autopreservação do nosso povo. Enquanto ideia, eu poderia dizer que o pai do MBM é [Marcus] Garvey. Tanto que nos apregoamos que somos garveystas. E o próprio Garvey também é a essência do PanAfricanismo, que acabou influenciando grandes líderes, como Malcom X e Martin Luther King Jr. Então, toda essa história vem a cabo influenciando o que hoje nós denominamos como Movimento Black Money. Demos este nome, mas a estrutura e a prática do mesmo, eu posso dizer que, no mínimo, nas Américas é desde que o primeiro negro foi desembarcado aqui. E é isso. Eu poderia dizer que eu e a Nina demoramos cerca de 35 anos para aprender isso para poder colocar em prática.

AUPA | Como você vê a questão da africanidade e da afro-brasilidade dentro do ecossistema de impacto?

ALAN SOARES | Retomar a nossa africanidade e a manifestação da nossa afro-brasilidade é trazer o nosso pensamento ao Sul e, realmente, trazer a essência das nossas raízes. Nós nascemos e somos oriundos de uma sociedade matriarcal e de uma sociedade comunitária, onde para se criar e educar uma criança é necessária uma tribo. É uma filosofia de ubuntu [noção de humanidade para todos, também ligada à luta contra o Apartheid; é também a consciência entre o indivíduo e a comunidade].  O que é cultuado não são as posses, mas, sim, as gerações com as pessoas. Isso tem tudo a ver com o modelo social que nós desejamos estar. É uma mistura que podemos verificar dentro das nossas próprias comunidades, hoje em dia. As comunidades carentes e as favelas: você pode verificar que, em essência, elas se parecem muito com um quilombo urbano. São essencialmente uma ideia trazida dos quilombos, a nossa herança africana. Então, retomar essa ideia de africanidade é vital justamente para nos aceitarmos como coirmãos e auxiliarmos uns aos outros.

AUPA | Quais os diferenciais do Movimento Black Money quando se fala na formação de novos líderes?

ALAN SOARES | Vou roubar uma fala do Malcom X para explicar. Ele dizia que nós não estávamos brigando por interacionismo, nem por separatismo. Estávamos lutando pela nossa dignidade e por uma visão do mundo que compreendesse que nós somos seres humanos. Estamos brigando pela nossa humanidade. Então, a diferença do MBM na formação de líderes nasce dessa essência de que precisamos verificar a nossa negritude e precisamos, desejamos e exigimos que o mundo nos enxergue como negros, como seres humanos negros. Existe uma diferença da questão histórica entre homens brancos e homens negros, ela deve ser respeitada culturalmente e nós queremos esse respeito. Desejamos ser respeitados, sem necessitar copiar o modelo europeu. A principal diferença dos líderes dentro do MBM, a partir da inseminação da nossa filosofia, é justamente a criação de um ecossistema negro, onde nós possamos ter trocas entre nós mesmos, relacionamentos comerciais entre nós, empregar pessoas dentro das nossas empresas e montar as nossas próprias empresas. O que nós desejamos como comunidade é o fortalecimento do nosso grupo: que ele possa ter seus próprios negócios, mantenha a maioria do relacionamento comercial entre si. E aquilo que for vantajoso para ambos os lados, tanto para a comunidade negra quanto para a comunidade branca, que seja feito. Mas pregando a ideologia do nacionalismo negro e do garveyismo.

“Existe uma diferença da questão histórica entre homens brancos e homens negros, ela deve ser respeitada culturalmente e nós queremos esse respeito.”

AUPA | Como você vê o cenário de inovação e tecnologia quando se pensa nos empreendimentos voltados à população negra? Você destaca algum case?

ALAN SOARES | Dentro do sistema de inovação e tecnologia justamente, é preciso considerar também a nossa base educacional que, majoritariamente, é fraca – a educação pública é extremamente deteriorada no Brasil. Nós ainda estamos engatinhando neste quesito quando vamos comparar com os empreendedores não-negros, mas, graças aos nossos deuses, está florescendo a comunidade. Ela tem procurado, justamente, a área de tecnologia, informação e inovação para começar a desenvolver estes negócios mais tecnológicos. Não vou reduzir ou milimetrar e só falar do âmbito brasileiro. Para a comunidade negra, dentro dessa ideia de inovação e dos locais onde nós estamos nos infiltrando, há vários cases de sucesso, como a Diáspora Black, o Clube da Preta, o BlackRocks.  Nós lançamos recentemente o D’Black Bank, por exemplo. Então, as perspectivas futuras são excelentes.

Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo, segundo cor/raça e localização do domicílio no Brasil entre 1995 e 2015. Interaja com o gráfico usando os filtros 

Fonte: PNAD/IBGE.

AUPA | Como você vê a questão do racismo dentro do ecossistema de impacto social?

ALAN SOARES | Deixo até alguns questionamentos sobre isso. Você vê vários empreendimentos sociais ou, então, ONGs. A minha pergunta é: os empreendimentos sociais, aqueles que recebem maior aporte financeiro, seja de um investidor-anjo ou diretamente por doação, são aqueles que tem um negro como dirigente ou um banco como dirigente? Das empresas e startups, que vão para rodadas de negócios, quantas você conhece que receberam aportes de investidores-anjos? São de proprietários negros ou de proprietários brancos?

AUPA – Vocês trabalham a partir de uma visão PanAfricanista dentro do ecossistema de impacto. Fale um pouco, por favor, sobre este resgate de raízes dentro do ambiente de negócios de impacto.

ALAN SOARES | O ponto principal do PanAfricanismo é nos libertar de barreiras geográficas. Quando eu me comunico, quando falo sobre a comunidade negra, não estou falando apenas sobre afro-brasileiros: estou falando sobre todos os africanos do continente ou em diáspora. Um bom exemplo disso foi que, há algumas semanas a Nina [Silva], que é a presidente da MBM, foi homenageada como uma das pessoas afrodescendentes abaixo de 40 anos mais influentes [do mundo]. Justamente porque nós nos comunicamos, desejamos nos comunicar com todos os africanos, seja no continente ou na diáspora. Onde houver negros, nós desejamos estar em contato com eles, porque a nossa raiz é a mesma. Esse resgate da raiz é o resgate da nossa essência, é o resgate daquilo que nunca vão poder nos separar: a nossa melanina, a nossa origem. Partindo deste ponto, destaco que nós temos muito, dentro dos negócios de impacto, frases do tipo: “Ah, qual impacto que você causa?”. Nosso impacto é essa a visão de construção de um mundo melhor e mais humano para nossa comunidade negra. E um mundo melhor para essa comunidade negra, logicamente, vai acabar desencadeando num mundo melhor para todos, porque será mais igual.

Foto: Daniel Conceição.

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Favela Hub: de hotel de luxo abandonado à espaço de inovação social

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O alto do morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, já passou por diversas transformações ao longo do tempo. Nos anos 50, antes de abrigar o complexo de comunidades do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, chegou a ser palco de um hotel de altíssimo padrão. Desde 2001, porém, lá funciona o Espaço Criança Esperança, em uma parceria da Unicef, TV Globo e com a empresa social Viva Rio.

Recentemente, porém, o espaço passou por outra transformação. Foi há cerca de um ano e meio que começaram as primeiras movimentações dentro do Viva Rio para que o local passasse a ser um espaço de coworking e incubação de negócios sociais e soluções para favelas. Era a sementinha do Favela Hub germinando — e que, em julho de 2018, foi enfim inaugurado.

Inaugurado em julho de 2018, Favela Hub funciona como coworking e incubadora de negócios das comunidades.
Inaugurado em julho de 2018, Favela Hub funciona como coworking e incubadora de negócios das comunidades.

“A gente finalmente lançou o espaço físico em julho, fazendo essa diferença da abordagem que era exclusiva com a criança, de esporte e lazer, para focar também em abranger jovens e adultos”, conta Larissa Harari, atual coordenadora do Favela Hub.

Atualmente, o espaço dispõe de escritório, de sala de reunião e um makerspace. São seis projetos residindo lá. Entre eles, a Associação de Mototaxi do Cantagalo, uma empresa de turismo comunitário, e o Fave.lar, que faz reformas sustentáveis nas comunidades.

Segundo um relatório sobre centros urbanos feito pela ONU, até 2020 mais de 55 milhões de pessoas irão morar em favelas, o que representa 25% da população. Um campo de atuação imenso para os negócios de impacto incubados de dentro das comunidades.

Como funciona?

O espaço de coworking tem preços diferenciados para moradores de comunidades (qualquer comunidade do Rio). Custa R$ 180 reais para usar de segunda a sexta, e R$ 120 para até três dias por semana. Para quem é do asfalto, o preço fica por R$ 450 reais por cinco dias e R$ 300 para até três dias.

Parte do projeto que deu início com a inauguração do coworking é a incubação de empreendimentos da comunidade. A iniciativa é desenvolvida em parceria com a abeLLha, incubadora de negócios de impacto.

Betânia Pontelo é que coordenaa incubação, que é gratuita para os empreendedores. “Até hoje já atendi 12 pessoas, mas tem gente que não volta para todos os encontros. Seis incubados são fixos, ou seja, falo com eles a cada 15 dias. Como quase nenhum deles tem a necessidade de ter um escritório, eles não são residentes do coworking”.

Um dos incubados é o barbeiro Key Tetra, nascido e criado na comunidade que chegou com a ideia de fazer uma feira de roupa no Cantagalo. Este tipo de feira já acontece, por exemplo, na Rocinha, que atrai inclusive moradores do Cantagalo. “Fizemos a planta do evento junto com uma amiga arquiteta, pensamos no modelo de negócio e a primeira edição da feira aconteceu”, completa Betânia.

Espaço de reuniões do Favela Hub.
Espaço de reuniões do Favela Hub.

“Eu estava há dois anos tentando trazer essa feira para a comunidade, mas por algumas burocracias, acabei recuando. Quando começou essa consultoria, fui falar com a Beta e ela botou pilha para acontecer. Ela me deu algumas tarefinhas, que eu fui executando e a feira saiu do papel”, conta Key.

A primeira feira teve 16 expositores e evento teve sua segunda edição em outubro, com 26 expositores, sendo que seis expositores são da favela. “Essa consultoria foi fundamental para colocar a ideia em prática e o bom é que o dinheiro que vem fica dentro da favela”, completa.

“O que eu vejo de valor no que eu faço é muito além de incubar negócios naquela comunidade, é pegar essa galera que quer fazer e não tem mais suporte. A gente tem muito programa para crianças, mas essas crianças viram jovens e adultos e não tem mais apoio. Falta continuidade no que começou lá atrás. A atuação que existe ou é muito assistencialista ou não capacita as pessoas para que elas mesmo possam fazer as coisas acontecer. Ver essas pessoas olhando para o trabalho delas como negócio é revigorante”, afirma Betânia.

Qual é a força afro-brasileira no ecossistema de impacto?

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Em muito, as matrizes afro-brasileiras contribuem para o crescimento e o fortalecimento do setor 2,5. Por isso, a Aupa inicia hoje uma série de reportagens e entrevistas dedicadas a discutir o trabalho e a força de destes empreendedores e comunidades.

Há atores diversos que colaboram para o crescimento do empreendedorismo afro-brasileiro, como as aceleradoras, parcerias com instituições de ensino públicas e práticas de educação. Pelas próximas três semanas, reportagens com esses personagens mostram um breve panorama da relevância afro no ecossistema de impacto.

Empreendedorismo entre negros avança

Segundo o Sebrae, entre 2002 e 2014, a participação de empreendedores negros avançou de 43% para 51%. São cerca de 11 milhões de empreendedores afrodescendentes no Brasil. O dado foi impulsionado também pelo maior número de pessoas se autodeclarando pretas ou pardas neste período. Contudo, apenas 29% destes empreendedores empregam ao menos uma pessoa.

Instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) têm investido em negócios de impacto social entre empreendedores afrodescendentes, por intermédio do Inova Capital – Programa de Apoio a Empreendedores Afro-Brasileiros. A iniciativa é liderada por Luana Marques Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID. O projeto aconteceu entre 2015 e 2017 e investiu US$500 mil no segmento.

 

MIPAD100

Para destacar os profissionais engajados de diferentes países, a ONU anualmente seleciona negras e negros de várias partes do mundo para destacar os trabalhos que eles realizam em suas áreas de atuação e comunidades.

Trata-se do Most Influential People of African Descent (MIPAD), uma iniciativa da sociedade civil global em apoio à Década Internacional de Pessoas Afrodescendentes, proclamada pela resolução 68/237 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Trabalhos e sujeitos relacionados à resolução serão observados entre os anos 2015 e 2024.

O MIPAD reconhece os trabalhos de 200 grandes empreendedores afrodescendentes, com menos de 40 anos e que atuem nos setores público e privado do mundo todo. Na lista há 100 nomes residentes na África e 100 afrodescendentes em países que receberam imigrantes africanos. Segundo a página do MIPAD , trata de uma “Rede progressiva de atores relevantes, com o intuito de apoiar o tema das décadas internacionais de reconhecimento, justiça e desenvolvimento da África, seus povos no continente e em toda sua diáspora”.

Na lista de 2018, 11 brasileiros estão entre os negros mais influentes do mundo. Na categoria Negócios e Empreendedorismo, os selecionados são: Nina Silva, fundadora do D’Black Ban; Lisiane Lemos, expert em B2B business; e Paulo Rogério Nunes, co-fundador da aceleradora Vale do Dendê, do Instituto Mídia Étnica e do Correio Nagô.

Também aparecem na lista os atores Kênia Maria e Érico Brás (do canal Tá bom pra você?), o rapper Emicida, o ativista Danilo Rosa de Lima, a filósofa Djamila Ribeiro, o jornalista Renê Silva, a arquiteta Sephanie Ribeiro e o diplomata Marcus Vinícios Moreira Marinho.

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“Eu compreendo que o resgate da ancestralidade está interligada a um processo de resgate da autoestima”, opina Jéssica Cerqueira.

“Nosso impacto é a construção de um mundo mais humano para nossa comunidade negra”, afirma Alan Soares.

“Não falamos em diversidade, fala-se em valorização das diferenças”, propõe Paola Prandini.

Organizações buscam igualdade racial na educação

Os dois lados da ponte entre filantropia e negócios de impacto

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A ponte que conecta a filantropia aos negócios de impacto tem uma tendência a se estreitar cada vez mais. Porém ainda existem algumas barreiras que geram ruídos ao diálogo entre os dois lados que pertencem a uma mesma moeda. “Ambos existem para entregar impacto socioambiental positivo”, comenta Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin. Em nome de sua instituição, Fábio é uma das pessoas que ocupa assento no FIIMP, o grupo de fundações e institutos que discute formas de colocar seu capital para o fomento dos negócios de impacto no Brasil.

“O que eu tenho defendido é que a gente consiga cada vez mais pavimentar esses caminhos e construir essas pontes de forma mais robusta, desconstruindo algumas narrativas. Mostrar que a gente está muito mais no mesmo barco do que os mais céticos do campo podem imaginar”, opina Deboni.

Por meio do Fundo Zona Leste, a Fundação Tide Setubal também está próximo e investe em negócios de impacto na zona leste de São Paulo. Gestora do Fundo, Greta Gogiel explica que esse distanciamento pode acontecer porque o campo de negócios de impacto é muito recente, relativamente novo comparado à filantropia. “A minha sensação é de que é muito mais um receio das fundações por [falta de] conhecimento sobre os negócios de impacto”, opina Greta.

 

O que um aprende com o outro?

Em linha geral, os negócios de impacto manejam melhor instrumentos econômicos. Já a filantropia, por meio de institutos e fundações, possui um conhecimento amplo sobre agendas e métricas de impacto. Para Fábio, uma área pode contribuir com a outra principalmente por essas frentes, somando esses saberes.

Para Fábio,  o contato entre os dois pode ensinar à filantropia a ser mais ousada e aberta a experimentar novas ferramentas. “A ideia é que o trabalho filantrópico aprenda a prototipar, testar e errar. É um convite, inclusive, para repensar o modo operandi dos institutos e fundações por meio de negócios de impactos, que são mais dinâmicos e andam na linha das startups”, conclui.

Greta avalia que o mundo filantrópico se aproxima da temática com interesse, mas ainda há barreiras geracionais e de cultura que impedem um diálogo maior entre os campos. “As fundações são muito antigas. Por isso, é normal que exista uma resistência em um primeiro momento”, comenta a gestora. “É um mundo mais fechado, com mais resistência à inovação, tecnologia.”

Por outro lado, Greta também guarda críticas ao ecossistema de impacto. Ela divide com a sensação de que parte dos negócios de impacto sejam pensados e criados por empreendedores mais privilegiados economicamente, sem contato direto com a fonte dos problemas sociais que atendem. “Aqui na fundação existe uma busca pelo trabalho legítimo, por conhecer um território. É um processo de busca muito forte de construção coletiva e com atores locais. Às vezes tenho a sensação que empresas são criadas para solucionar problemas e esses empreendedores não conhecem de fato essa realidade. A filantropia ajudaria a fazer essa ponte”, comenta Greta.

Ilustrações: Fernanda Sanovicz.

O muro jurídico

Há algumas barreiras que distanciam os dois lados da ponte de uma aproximação ainda mais efetiva. A barreira jurídica é uma das mais palpáveis. É ela que impede, por exemplo, maior e mais facilitado investimento do capital social privado em novos negócios de impacto. A advogada Aline Gonçalves explica que o entrave mais recente tem a  ver com um risco tributário que há para fundações e institutos que desejam investir em negócios dessa natureza.

“Quando uma associação, instituto ou fundação faz algum tipo de compra de participação societária em alguma empresa, independente de qual é o aporte que ela faz de investimento, há uma interpretação de que ela deveria perder sua isenção tributária”, esclarece. Aline é pesquisadora da FGV Direito de São Paulo na qual coordena o Projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil, além disso integra o Grupo Jurídico B, vinculado ao Sistema B.

A Constituição Federal (art. 150, VI, “c”, § 4º) garante que instituições sem fins lucrativos gozem de imunidade tributária. Ao se associar a algum negócio de impacto, conforme explica Aline, abre-se a brecha para questionar o status e a imunidade dessas instituições.

“Mas não necessariamente [as organizações] irão perder a isenção. Isso irá depender de como é a formatação jurídica desse investimento”, aponta a advogada.”Existem muitas formas jurídicas de como uma organização sem fins lucrativos poderiam se relacionar com negócios de impacto, algumas delas pode existir esse risco tributário em razão de algumas interpretações da Receita Federal”.

Por isso, a advogada explica que cada caso deve ser analisado particularmente. “A partir do momento em que uma organização sem fins lucrativos existe, ela poderia ter na sua estrutura um negócio de impacto. A única questão é reservar a regra de não distribuir excedente entre seus associados”, esclarece a advogada.

“A ideia é que o trabalho filantrópico aprenda a prototipar, testar e errar. É um convite, inclusive, para repensar o modo operandi dos institutos e fundações por meio de negócios de impactos”, Fábio Deboni.

Como tem sido feito?

O investimento social privado já tem aportado em negócios de impacto de diferentes maneiras, mitigando esse risco mencionado por Aline. As doações aparecem como opção relevante para isso, e é um método mais próximo dos saberes que a filantropia já domina. A doação pode ser financeira, mas também de produtos, serviços ou tecnologia para os novos negócios.

O conceito de investimento de impacto pressupõe, todavia, um retorno de recursos financeiros. Para manter sua formatação jurídica nesta opção, institutos e fundações têm investido em uma lógica de reembolso, a juros zero. Ou seja, o dinheiro investido em um negócio retorna, na mesma quantia, e potencialmente será reinvestido em outros negócios.

Outras opções são de apoio financeiro via fundos de impacto social. De acordo com o Censo Gife 2016, apenas 3% do investimento social privado repassa recursos via fundos de investimento a negócios de impacto. E há, no ecossistema, organizações especializadas em apoiar investidores com essa intenção, como a SITAWI Finanças do Bem, a Bemtevi e a MOV investimentos. O coinvestimento ou mecanismos mais arrojados, como blended finance, também auxiliam a superar esse muro.

O debate se dará agora em como permitir que essas interações se deem sem risco algum. Para isso, a discussão passa por uma legislação mais favorável aos negócios de impacto.

Um engolirá o outro?

Circula a hipótese de que, por prezar pela sustentabilidade financeira, os negócios de impacto tendem a substituir o trabalho filantrópico, que depende majoritariamente de doações e benefícios fiscais. Há exemplos de negócios de impacto que brotaram justamente de ONGs, como forma de garantir sustento e longevidade.

Segundo Censo Gife 2016, o volume total de investimento social privado no Brasil foi de R$ 2,9 bilhões, uma queda de 17% em relação aos R$ 3,5 bilhões de 2014. Para Greta, porém a ideia de que o dinheiro da filantropia está acabando se trata de um achismo. ”Pelo contrário, está mais do que provado de que o Brasil poderia doar mais do que doa. Acredito que o arrefecimento no investimento tenha muito mais a ver com a situação econômica do país. O dinheiro existe”, opina Greta.

O fato observável, porém, é que a filantropia e os negócios de impacto atendem a perfis diferentes de problemas. Para Fábio Deboni, são metodologias que podem se complementar.

Olhar a árvore ou a floresta? Esta é a metáfora que Fábio usa para explicar sua visão de como apoiar o campo dos negócios de impacto. “A floresta compreende diferentes tipos de árvores, bem como outras várias formas de vida e outros arranjos. As fundações devem olhar para todo o ecossistema, apoiando diferentes tipos de negócios em diferentes estágios. Principalmente colocando recurso filantrópico para aqueles modelos que não vão parar [de pé].”

7 atitudes para lidar com as incertezas na jornada empreendedora

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No artigo de outubro, tratamos sobre como lidar com a escassez no Vale da Morte, essa que é uma das três principais questões a serem vencidas para obtermos sucesso na evolução do nosso negócio neste temido estágio. Hoje falaremos sobre a volatilidade e da nebulosidade (nome mais pomposo para incerteza) e sobre como podemos desenvolver atitudes que nos ajudem a superá-las.

Como empreendedores, estamos sempre criando o futuro desejado. A ação contínua para sincronizar os sonhos com a realidade nos exige a competência essencial de aprender rápido sobre o que funciona e o que não funciona no nosso modelo. É na rua, com a fricção da interação com o cliente potencial, que serão definidas as nossas chances de êxito na construção de um modelo de negócios que “fique de pé”. Para isso, é necessária a competência de estruturar as perguntas certas e aprender com os feedbacks.

Nesta etapa da jornada, a volatilidade é uma característica intrínseca e inexorável, evidenciada pelas múltiplas idas e vindas das “pivotadas” de modelo que experimentamos. Nesses testes, o principal ingrediente é a incerteza. Aceitar, compreender e lidar com esse fato é essencial. Afinal, algumas atitudes mostram-se mais adequadas para atingirmos a superação ou, minimamente, não sofrermos além do necessário.

7 atitudes para superar as incertezas do Vale da Morte

Sem a pretensão de esgotar a lista, recomendamos sete delas:

1. Colocar o Propósito e o Ser Humano a quem você deseja servir no centro;

2. Estar aberto e atento para “ouvir”;

3. Ser resiliente e não ter apego às suas “verdades”;

4. Ser curioso para perguntar e aprofundar;

5. Usar a intuição diante da falta de informação e conhecimento;

6. Estruturar o pensamento com serenidade e;

7. Ser absolutamente honesto com o tratamento das evidências que emergem do campo para realizar os ajustes necessários no modelo de negócio.

Pela nossa experiência, quanto mais velozmente essas atitudes virarem comportamento e evoluírem para uma cultura organizacional, mais amplas são as chances de vitória.

Centralizar o Propósito e o Ser Humano

Saber a quem desejamos servir no centro nos ajuda a manter o foco no que importa. Tudo o que nos aproxima desse ponto futuro deve receber atenção. Tudo o que nos afasta ou distrai deve ser secundário. A lógica vívida dos recursos escassos torna essa atitude ainda mais essencial. Para adquirir esse discernimento, a visibilidade da pergunta ajuda: “Essa decisão me afasta ou aproxima do meu propósito e do meu cliente alvo? Por que?”

Abertura e escuta ativa

São competências que aceleram o aprendizado ao elevar a assertividade e a aderência das possíveis soluções. Exigem treino. Estar aberto significa não ter respostas preconcebidas. E escutar ativamente significa permitir-se ouvir e acolher de forma intencional o que o outro está dizendo, seja verbal ou não verbalmente. Até mesmo o silêncio pode ser uma resposta que merece ser ouvida. Atenção se na interação o seu foco é ouvir e aprender ou se é responder. Se estiver mais preocupado em responder, pode ser um sinal de que sua escuta precise ser trabalhada.

Resiliência e desapego

São necessários para que possamos ter velocidade e sustentabilidade no movimento de aprender. Diante das infindáveis suposições não comprovadas no campo, a capacidade de absorver esse impacto sem que nos paralise de forma reativa, engessada, malcriada, pode garantir andarmos algumas casas na escala da evolução. Já vi empreendedores voltando do campo afirmando que o mercado “é burro” porque não entendia a sua solução!  Você quer estar certo sempre ou ser bem-sucedido com seu negócio?

Curiosidade para perguntar e aprofundar

Isso é quase óbvio. Sem essa profundidade na compreensão, corremos o risco de assumir verdades superficiais, o que nos levará a mais volatilidade, pois erraremos mais. Portanto, aprofunde o olhar. Pergunte por que, para que, como, etc. Ajude seu cliente a te responder de forma adequada com boas perguntas.

Intuição

Nem sempre as respostas que emergem do campo são conclusivas. Aqui é onde entra a  sua intuição. Respostas são a matéria-prima para você refinar a sua decisão. Jamais serão suficientes. A sua intuição empreendedora precisa entrar em campo para catalisar o próximo passo. Respeite profundamente ela.

Serenidade

Serenidade não é apatia. Não é falta de paixão. Não é desinteresse. Serenidade é ser capaz de independente do que aconteça do lado de fora, você não perde o prumo dentro. Cultiva e mantém a capacidade de lidar com as informações, processá-las e extrair conclusões sobre o próximo passo. Sem serenidade não existe estratégia. Medite. Aprenda a respeitar seu ritmo. Reconheça os padrões que te fazem “perder” a serenidade. Observe o que te ajuda a serenar.

Seja honesto com as evidências

Por fim, nada disso terá sentido se nos permitirmos cair na armadilha de “manipular as evidências” para que a conclusão seja a que desejamos. Honestidade científica com o que emerge do campo significa cultivar quase que obsessivamente a capacidade de não criarmos “auto-fakenews”. Essas manipulações virarão, no futuro, torpedos contra o nosso belo modelo idealizado, mas absolutamente frágil, pois foi construído sobre nossos desejos e não sobre as reais necessidades dos clientes.

Festival de Inovação e Impacto Social reflete as incertezas com novo governo

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Entre os dias 2 e 7 de novembro, aconteceu em Poços de Caldas (MG) a primeira edição do Festival de Inovação e Impacto Social (FIIS). A semana reuniu organizações do terceiro setor, empreendedores sociais e negócios de impacto, investidores ligados a finanças sociais e grandes empresas para discutir ideias transformadoras que gerem impacto positivo na sociedade.

O evento também agregou o encontro anual da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, o Congresso Sorriso do Bem, da Turma do Bem, e o Fórum Melhores Práticas para Saúde no Terceiro Setor, da Aliança Latina.

Foram seis dias de intensa programação e diversos painéis temáticos com a inovação social como fio condutor das discussões. Além de mutirões de atendimento oftalmológico e de saúde, música, artes e festas que movimentaram a cidade mineira.

Diversos foram os temas debatidos. Empreendedorismo feminino, oportunidades na base da pirâmide, empreendedorismo hi-tech, educação, água e saneamento, economia prateada e segurança pública foram alguns destes. Além disso, ocorreram laboratórios, oficinas, workshops e palestras inspiracionais com Jorge Forbes, médico psiquiatra e psicanalista, Ricardo Guimarães, da Thymus, e outros palestrantes.

Pelos painéis, palestras e workshops, o sentimento geral foi de incerteza. Dúvidas com o que está porvir no país e com os possíveis retrocessos no campo do desenvolvimento socioambiental diante da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente do Brasil. As falas dos social makers, no entanto, também demonstraram muita resiliência e um desejo de união e fortalecimento de suas causas.

Interesses e Desafios

O destaque da abertura foi para Valdeci Ferreira, da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), vencedor do Prêmio Empreendedor Social da Folha de S.Paulo de 2017. Trata-se de um modelo alternativo ao sistema carcerário tradicional, criado no Brasil em 1972, que busca promover a humanização da execução da pena. Seu propósito é recuperar o preso, proteger a sociedade e socorrer as vítimas, reduzindo assim a reincidência no crime e os custos com a privação da liberdade. A entidade tem hoje sob o seu chapéu 48 unidades prisionais no país que, em média, apresentam índice de 20% a 28% de reincidência criminal, contra 85% entre aqueles presos que deixaram o sistema tradicional.

Durante a sua fala, o empreendedor enfatizou os principais desafios para escalar o modelo no país. “A indústria do preso cresce muito no Brasil. Há muitos interesses, são muitas corporações e pessoas que, de um modo geral, vivem e sempre viveram às custas da miséria dos encarcerados.” Outro aspecto citado foi a mentalidade da sociedade. “Temos um desafio enorme junto às comunidades. Precisamos mudar a lógica de que preso deve sofrer, que bandido bom é bandido morto, do preconceito em relação ao preso, e entender que preso recuperado é um bandido a menos na rua.

Meio ambiente em retrocesso

Outro tema de discussão nos paineis foi o horizonte da possibilidade de junção das pastas da agricultura e meio ambiente. Desde o resultado das eleições, anúncios desencontrados da equipe de transição do governo ora anunciavam a fusão das pastas, ora a negavam. O resultado disso, no FIIS, se traduziu em um clima de apreensão e inquietação.

Para Cláudio Pádua, do Instituto Ipê, “o problema não é juntar os ministérios, o problema está em subjugar de cara o papel do Ministério do Meio Ambiente. Nosso entendimento é de que o desenvolvimento ambiental é o desenvolvimento da economia. Precisamos compreender também que se hoje temos uma agricultura forte no país, isso foi fruto de muito investimento em pesquisa e ciência na área, via Embrapa. O jogo é desigual.”

Para Luís Fernando, do Imaflora, “mais do que nunca, o congresso é um espaço fundamental para ocuparmos e dialogarmos. Os governos, estados e municípios também são essenciais, assim como as alianças com empresas e o mundo dos negócios.”

Já para Marcel Fukuyama, da Dínamo e Sistema B, “a sociedade civil nunca foi tão relevante desde a redemocratização. Não há momento melhor para os empreendedores sociais. As empresas precisam sair da lógica velha de mitigar o impacto negativo e passar a gerar impacto positivo.”

Captação e doação

A semana do FIIS também discutiu novos arranjos e uma nova cultura de doação no país

Paula Fabiani, do IDIS, apresentou os dados do Brasil no World Giving Index 2018, ranking global de solidariedade medido pela Charities Aid Foundation (CAF). O país teve o pior desempenho já registrado, saiu da posição de número 75 e foi para o 122º lugar no ranking geral, que apresenta 146 países.

Outro dado de 2017, mostra que as famílias brasileiras mais pobres doam uma fatia maior de sua renda. Entre os doadores com renda familiar anual de até R$ 10 mil, a doação representa 1,2% da sua receita, enquanto a fatia com renda anual acima de R$ 100 mil doa 0,4%. Para responder ao desafio, o IDIS lançou durante o Festival a campanha “Cultura de Doação” com depoimentos de pessoas públicas e comuns para estimular a doação entre os brasileiros.

Luciana Temer, do Instituto Liberta, falou sobre o Movimento Bem Maior, idealizado pelo empresário Elie Horn, dono da incorporadora Cyrela. Recentemente, Horn declarou que doará em vida 60% de sua fortuna, o equivalente a R$ 3,6 bilhões. “Desenvolvemos uma plataforma digital para fazer match entre investidores e causas, vamos oferecer mais de 10 causas. Além disso, vamos criar editais para pequenos projetos de pessoas físicas que geram impacto. Queremos fomentar a cultura da doação e envolver outros milionários.”

Rodrigo Pipponzi, da MOL, ainda falou sobre o modelo de microdoações das publicações desenvolvidas pela editora, entre elas a Sorria, distribuída nas lojas da Droga Raia. “Ao longo de dez anos no mercado, já doamos mais R$ 25 milhões a 39 instituições, que trabalham com diversas causas.”

Investimento de Impacto

O painel trouxe um panorama dos investimentos voltados para a área socioambiental por meio de fundos e estratégias de family-offices.

Célia Cruz, do diretora executiva do ICE, destacou as oportunidades do setor para ampliar a democratização do investimento de impacto, como as plataformas de equity crowdfunding. A Kria, por exemplo, permite às pessoas físicas fazerem aporte pequenos, de aproximadamente R$ 2 mil, em negócios de impacto. Outro caminho apontado foram os bancos comerciais. Segundo Célia, clientes de alta renda dessas instituições já pressionam por produtos de investimento de impacto. Uma publicação do ICE, em parceria com o Itaú, traz cases de bancos internacionais que já têm esses produtos no seu portfólio.

Rodrigo Tavares, do Grupo Granito, apresentou dados que mostram o potencial de crescimento do setor no Brasil e no mundo. Segundo ele, os investimentos do mercado de capitais global são da ordem de US$ 85 tri e o de finanças sustentáveis corresponde a US$ 23 tri. O investimento de impacto é um dos 20 modelos possíveis de finanças sustentáveis e abarca apenas 1% desse segmento.

Investimentos do mercado de capitais globais em finanças sustentáveis corresponde a U$ 23 trilhões. Destes, 1% abarca investimentos em negócios de impacto – o que corresponde a U$ 230 bilhões.

Rodrigo Pipponzi, da editora Mol, complementou a visão do campo sob o olhar de um family office. Herdeiro das rede Droga Raia e Drogasil, o empreendedor contou como influenciou a família para repensar seus investimentos e colocar a lógica do impacto positivo dentro dos negócios de seus negócios. “Daqui um tempo vai ser antiético para a empresa pensar só em retorno financeiro”, opina Pipponzi.

 

 

Os desafios das incubadoras para avançar na temática de impacto

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Recentemente, tive a oportunidade de participar de uma iniciativa que buscava entender quais as principais demandas de incubadoras e aceleradoras de negócios para avançarem na temática de impacto social. Para muitas delas ainda é um grande desafio ampliar e fortalecer sua atuação junto a esse tipo de empreendimento, que se propõe a gerar lucro e retorno social.

O processo de escuta contou, na sua grande maioria, com incubadoras. Elas são aquelas organizações intermediárias de apoio e desenvolvimento de potenciais negócios, em estágio bem inicial.

Foi interessante observar a diversidade de perfil das instituições. Foram 23 organizações espalhadas pelas cinco regiões do país. Grande parte das incubadoras estão instaladas em universidades e parques tecnológicos, com enorme potencial para ir mais a fundo na temática, atrair e desenvolver negócios de impacto. Isso porque já trabalham com setores críticos para o desenvolvimento de nossa sociedade.

Apesar do posicionamento multisetorial de muitas das incubadoras, o agronegócio ou agritech se destaca por ser uma tendência nas regiões sul, sudeste, nordeste e centro-oeste. Os negócios na área da saúde também são fortes no sul, sudeste e nordeste. Outros setores proeminentes são de alimentos, no sul e no norte, e fármaco, no centro-oeste e norte do país.

Mas o que falta para aproveitarmos todo o potencial desses intermediários, que já acessam conhecimento de ponta?

Segundo as próprias incubadoras, falta alinhamento entre a equipe a respeito da temática, falta clareza sobre modelos de monetização, colaboração e acesso a mercado para os empreendimentos. Falta ainda entender como “converter” negócios com potencial de impacto, pensando suas cadeias produtivas e estratégias de acesso à população mais vulnerável. Há ainda um desejo entre as incubadoras de aprender com casos reais de negócios, promover mais trocas entre empreendedores de um mesmo setor, entre outras demandas.

De certa forma, muitos programas têm buscado endereçar essas questões, oferecendo metodologias, cursos e formações sobre negócios de impacto social. O Modelo C – uma metodologia, que une o Canvas e a Teoria de Mudança, é um exemplo disso. Criada pela Move Social e pelo Sense-Lab, com o apoio do ICE, a ferramenta orienta e estimula que o negócio e o impacto sejam pensados concomitantemente.

Mas o que eu gostaria de chamar a atenção é para uma questão talvez menos evidente aos olhos do ecossistema: a sustentabilidade financeira de incubadoras e aceleradoras. As fontes de financiamento dessas organizações ainda são muito restritas e os modelos são quase sempre os mesmos.

O financiamento público, por meio das universidades estaduais e federais ou por meio de editais de agências de fomento (FINEP, CNPQ, entre outros), se caracteriza como a principal fonte de receita das incubadoras. Muitas cobram taxas de seus associados, mas a contribuição é simbólica, e poucas ainda fazem parcerias com a iniciativa privada.

Para avançar na agenda de impacto, é preciso considerar o desafio financeiro que é presente no dia a dia das incubadoras, para além das ações de formação e disseminação de conhecimento sobre o campo.

Você conhece modelos inovadores de sustentabilidade financeira de incubadoras? Divida com a gente nos comentários.

Investimento de impacto: vamos começar pelos princípios

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Caso você ainda não tenha percebido, foi aberta a temporada de divulgação de princípios do Investimento de Impacto. Pelo mundo, não há uma cartilha única e universal sobre quais são os critérios que determinam se um investimento é, de fato, de impacto, ou não. Diferentes organizações lançam seus princípios, na tentativa de comunicar com o ecossistema como propõem esse discernimento.

Lembrando que, segundo o Global Impact Investing Network (GIIN), investimentos de impactos são aqueles feitos em empresas, organizações e fundos com intenção de gerar impacto social ou ambiental positivo. Isso sem abrir mão do retorno financeiro. Temos, portanto, uma definição do que são esses investimentos bem estabelecida. O que se discute inicialmente era “o quê”, e mais, recentemente o “como” os investimentos são feitos para gerar impacto.

Vamos dar um passo para trás. Já há no mundo de finanças “tradicionais” alguns princípios conhecidos ajudam a dar diretrizes aos investimentos de impacto. Entre eles, há os Princípios do Equador. Lançados em 2003 sob liderança do International Finance Corporation (IFC), eles oferecem critérios mínimos para a concessão de crédito – com foco em Project Finance –, que buscam assegurar que os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma socialmente e ambientalmente responsável.

Também há os Princípios para o Investimento Responsável, criados em 2006, sob liderança da Iniciativa de Finanças do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP-FI). Estes últimos buscam incorporar aspectos ambientais, sociais e de governança nos processos decisórios de investimento.

Não são os únicos, mas se você está interessado ou faz parte do ecossistema de impacto, não faz nenhum mal conhecer e entendê-los.

Falando em impacto

Já no mundo do Investimento de Impacto, em específico, os primeiros princípios com os quais me deparei foram os da Transform Finance, que, desde 2013, coordena uma rede de investidores da qual a SITAWI Finanças do Bem faz parte. Os princípios são bem concisos:

(1) Os projetos são prioritariamente idealizados, geridos e, quando possível, de propriedade das comunidades;

(2) Os investimentos agregam mais valor do que extraem;

(3) A relação financeira equilibra de forma justa os riscos e retornos entre todas as partes interessadas.*

No Brasil, a Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, antiga Força Tarefa de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, lançou em 2015 uma Carta de Princípios para Negócios de Impacto no país.

A SITAWI foi convidada para o Fórum Europeu de Alpbach, realizado entre 30 e 31 de agosto, onde seria criada uma Declaração sobre Investimento de Impacto. O resultado acabou se materializando em uma discussão de preceitos fundamentais, mais do que em uma declaração de princípios. O resultado da discussão está em inglês e é possível conhecê-lo melhor neste link.

Na saída do evento, o IFC anunciou que estava trabalhando em sua lista de princípios sobre Investimento de Impacto lançada na Reunião Anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial na Indonésia. O GIIN também lançou um roadmap, onde o primeira ação indicada é o fortalecimento da identidade do Investimento de Impacto através do estabelecimento de princípios e padrões de conduta claros.

E não acredito que pare por aí: eu não ficaria surpreso que nos próximos meses surjam mais algumas versões de listas de princípios geradas por diferentes atores.

Um efeito desse excesso de “oferta” de princípios, para nós na SITAWI, foi reforçar a importância de termos claros os nossos princípios (no nosso caso, os da Transform Finance) e a busca contínua para atuar com o maior alinhamento possível com estes.

Tentar sintetizar o que é convergente e o que é complementar pode ser um exercício interessante, mas será mais intelectual do que prático. O importante é que investidores de impacto tenham e divulguem seus princípios e que a sociedade cobre coerência cada vez mais da prática com o discurso.

*Na versão original: (1) Projects are primarily designed, governed, and where feasible owned by communities; (2) Investments add more value than they extract e (3) The financial relationship fairly balances risks and returns among all stakeholders.

Vale da Morte: ingredientes para avançarmos na jornada empreendedora

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Na coluna de setembro, comentamos que para elevar as chances de sucesso contra o Vale da Morte, temida fase na trajetória de desenvolvimento de uma startup, a primeira atitude necessária para o empreendedor é reconhecer, compreender e respeitar profundamente três palavras que sintetizam a sua essência: escassez, volatilidade, nebulosidade.

O que podemos fazer para lidar com esses desafios? Não há receita de bolo, mas alguns ingredientes podem ajudar bastante nesta jornada. Trataremos do primeiro, a escassez, nesta coluna.

Estamos nos referindo à competência de compreender quais são as perguntas certas a serem feitas (e respondidas) sobre o que de fato importa para o êxito em cada movimento e etapa. O objetivo é desenvolver um senso de priorização, capacidade de foco e criação de indicadores de evolução que iluminem a jornada. Ao fazer isso, o empreendedor pode, além de acelerar o aprendizado necessário para aperfeiçoar o desenvolvimento do seu modelo de negócios, evitar dar um passo equivocado que o fará sacrificar tempo, caixa e time, recursos de elevada escassez.

Acredita-se que recursos financeiros são a chave de sucesso para esta etapa e que garanti-los é sinônimo de sucesso. E é claro que são fundamentais! Entretanto, o mais relevante é encontrar o cliente que pagará pelo produto ou serviço que desejamos vender. A primeira causa mortis de uma startup é não haver encontrado o cliente pagante que imaginamos existir na ideação do Minimum Viable Product (MVP) – que significa Produto Mínimo Viável. E sem ele, não há recurso financeiro suficiente para fazer o negócio sobreviver no tempo.

A nossa experiência empírica mostra que a maioria dos empreendedores tem alta dificuldade para estruturar esse movimento. Muitas vezes, inclusive, procrastinando a ida a mercado para refinar o aprendizado no funil de vendas. Em vez disso, focam a ação em aperfeiçoar produto, incorporar tecnologias, ampliar times, desenvolver processos ou até mesmo abrir novas unidades. E tudo isso sem haver respondido as perguntas centrais da descoberta do cliente: alguém paga pelo que estamos querendo vender? Se sim, o que pagam será suficiente para entregarmos o produto, mantermos a empresa e gerarmos resultado positivo? Se sim, à medida que expandirmos as vendas, será possível obtermos ganhos de escala?

No caso de startups de impacto social, um desafio a mais é compreender se o impacto esperado de fato demonstra evidências de que existe. Por fim, quais são as evidências que temos das respostas, para estarmos confortáveis a ponto de dar o próximo passo com menor risco?

Focarmos em elevar a nossa competência empreendedora para responder a essas perguntas é a prioridade nesta etapa da jornada.

Aprender a criar testes de mercado, interagindo com os potenciais clientes e colhendo os feedbacks de forma estruturada, pode nos ajudar muito. Em outras palavras, precisamos aprender a fazer algumas perguntas claras tais como: O que desejamos testar? Quais das premissas do nosso MVP desejamos colocar a prova? Em quanto tempo faremos o teste no “campo” (online e/ou offline)? Com quantos clientes potenciais? Quais indicadores serão úteis (taxa de conversão, ciclo de venda, ticket médio, custo de aquisição do cliente – CAC…)? E quais resultados desses indicadores nos dirão que estamos certos na premissa, a ponto de assumirmos que deixou de ser premissa e virou evidência ou fato comprovado do modelo?

Com o resultado dos testes em mãos, podemos gerar muito aprendizado para aperfeiçoarmos o modelo e decidirmos se já existe maturidade para o próximo passo. Obviamente, a “honestidade científica” aqui é essencial. Nós, empreendedores, precisamos ser apaixonados pelo que buscamos e fazemos, mas jamais apegados a ponto de não querer enxergar a realidade.

Por fim, os únicos indicadores financeiros relevantes neste estágio são o cashburn – quanto você está consumindo de caixa por mês enquanto está buscando o cliente – e o runway, que é o tempo que você tem de vida devido ao caixa que possui. Garantir recursos para um runway suficiente em termos temporais para superar o estágio da descoberta do cliente pagante é o que importa em termos de recursos financeiros.

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